Exposição de motivos
Em 2014, o PCP absteve-se na votação da Lei n.º 69/2014 que alterou o Código Penal criminalizando com penas de prisão os maus-tratos a animais não por ser insensível aos maus-tratos a animais ou defender a impunidade dessas práticas, mas por ter a noção da elevada possibilidade de declaração da inconstitucionalidade dessa opção legislativa.
Estavam em discussão três propostas diferentes: uma petição, que para além da criminalização continha outros aspetos que poderiam ter sido aprovadas; um projeto de lei do PS que adotava um regime sancionatório para os maus-tratos a animais de natureza contraordenacional (não criminal) e um projeto do PSD que propunha tão só a criminalização. Veio a prevalecer apenas esta última opção. Estávamos em finais de 2013, ainda com a maioria absoluta do PSD e do CDS.
Importa recordar o que foi dito então na AR, em 6 de dezembro de 2013, pelo Deputado do PCP, Miguel Tiago: “Em primeiro lugar, gostaria de, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, saudar os milhares de subscritores da petição que foi dirigida à Assembleia da República, aliás, um número bem expressivo da dimensão que estas preocupações já hoje assumem entre os portugueses —as preocupações em torno do bem-estar animal, do respeito e da convivência harmoniosa entre o Homem e os restantes animais na natureza, neste caso, em especial, no que se refere aos animais de companhia. Saudamos, por isso, os peticionários por terem apresentado a petição mas também pelo trabalho que realizaram ao anexar à petição um anteprojeto de diploma, que contém valiosos contributos para a reflexão a realizar na Assembleia da República sobre esta matéria, em que se destaca, inclusivamente, a responsabilidade do Estado, das autarquias, da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária, da Guarda Nacional Republicana (GNR), do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), enfim, a responsabilidade do Estado perante a fiscalização e a garantia do respeito pelos animais. Infelizmente, aqueles partidos que limitaram a possibilidade de as autarquias poderem contratar trabalhadores, que impõem cortes no financiamento das autarquias, levando a que estas não consigam, por isso, fiscalizar o relacionamento dos homens com os animais, que cortaram nos meios da GNR e do ICNF e que sistematicamente degradam a capacidade de o Estado intervir do ponto de vista da prevenção e da fiscalização, são os mesmos partidos que da proposta da Associação Animal apenas retiram a parte mais simples, que é a da penalização.
O que se passou, entretanto, no domínio da aplicação da lei, já se sabe. Os tribunais têm vindo a declarar inconstitucional a criminalização constante das alterações ao Código Penal aprovadas em 2014 por falta de credencial constitucional bastante para essa criminalização e por três vezes em que, por via de recurso obrigatório, esses processos chegaram ao Tribunal Constitucional, este confirmou a inconstitucionalidade.
É caso para dizer que, quando em 2013 se debateu a lei sobre os maus-tratos a animais podia ter-se legislado com bom senso conforme à Constituição. Ignorou-se o bom senso. Obteve-se a inconstitucionalidade, e consequentemente, a impunidade.
Para que não permaneça a impunidade dos maus-tratos a animais há um caminho legislativo para retomar. A questão é que esse caminho seja feito com menos voluntarismo e mais bom senso. Já ficou demonstrado que o que para alguns defensores do bem-estar animal parece ser o ótimo, é afinal inimigo do bom.
O que o PCP propõe com a presente iniciativa, é que os maus-tratos a animais de companhia sejam incluídos na Lei n.º 92/95, de 12 de setembro, sobre proteção aos animais, e que lhes seja aplicado um regime sancionatório contraordenacional compatível com a gravidade dos atos praticados.
Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados da Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei aprova o regime sancionatório contraordenacional aplicável aos maus-tratos a animais de companhia, procedendo à 5.ª alteração à Lei n.º 92/95, de 12 de setembro, alterada pelas Leis n.º 19/2002, de 31 de julho, n.º 69/2014, de 29 de agosto, n.º 39/2020, de 18 de agosto e n.º 6/2022, de 7 de janeiro.
Artigo 2.º
Alteração à Lei n.º 92/95, de 12 de setembro
Os artigos 8.º e 12.º da Lei n.º 92/95, de 12 de setembro, na sua redação atual, passam a ter a seguinte redação:
“Artigo 8.º
Animais de companhia
- Quem, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus-tratos físicos a um animal de companhia é punido com contraordenação nos termos do artigo 12.º da presente lei.
- É igualmente punido com contraordenação quem, tendo o dever de guardar, vigiar ou assistir animal de companhia, o abandonar, pondo desse modo em perigo a sua alimentação e a prestação de cuidados que lhe são devidos.
- Para os efeitos da presente lei, entende-se por animal de companhia qualquer animal detido ou destinado a ser detido por seres humanos, designadamente no seu lar, para seu entretenimento e companhia.
Artigo 12.º
Regime contraordenacional
- As infrações ao disposto no n.º 1 do artigo 8.º constituem contraordenação, punida com coima de 500 (euro) a 5000 (euro) no caso de pessoa singular e de 2000 (euro) a 20000 (euro) no caso de pessoa coletiva.
- Se dos factos previstos no n.º 1 do artigo 8.º resultar a morte do animal, a privação de importante órgão ou membro ou a afetação grave e permanente da sua capacidade de locomoção, a contraordenação é agravada em dobro.
- As demais infrações ao disposto na presente lei constituem contraordenação, punida com coima de 200 (euro) a 4000 (euro) no caso de pessoa singular, e de 500 (euro) a 45000 (euro) no caso de pessoa coletiva.
- [Anterior n.º 2].
- [Anterior n.º 3].
- [Anterior n.º 4].”
Artigo 3.º
Norma revogatória
São revogados os artigos 387.º a 389.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, na sua redação atual.
Artigo 4.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia imediato à sua publicação.