Projecto de Lei N.º 4/XVI/1.ª

Aprova o Regime Especial de Proteção da Habitação Arrendada

Exposição de Motivos

A atual situação do País é marcada pela acelerada e prolongada degradação das condições de vida dos trabalhadores e do povo. O aumento dos preços, particularmente sentido nos preços de bens e serviços essenciais, e a perda de poder de compra pesam cada vez mais e os salários e as pensões dão para cada vez menos, ao passo que os grupos económicos continuam a acumular milhares de milhões de euros de lucros.

No centro das preocupações das populações está hoje, entre outros, o problema da habitação, em particular no que diz respeito aos custos associados às rendas dos contratos de arrendamento habitacional e, em especial, à subida continuada e vertiginosa dos valores dos novos contratos de arrendamento.

Uma grande parte da população, e particularmente os jovens, estão hoje confrontados com a quase inexistente oferta de habitação pública ou a preços comportáveis; com aumentos especulativos dos valores das rendas ao mesmo tempo que prevalecem os baixos salários e rendimentos e com aumentos brutais das taxas de juro e das prestações bancárias por parte dos titulares de créditos à habitação. Esta combinação torna quase impossível o acesso da população a habitação a preços que sejam compatíveis com o rendimento médio das famílias em Portugal.

Nada desta situação que marca incontornavelmente a realidade nacional é obra do acaso. A política de direita de sucessivos governos desprezou o cumprimento da Constituição da República e impôs a descarada submissão do Estado às orientações da política da União Europeia e aos interesses da banca e da especulação imobiliária, em prejuízo do povo, do País, e do cumprimento do direito de todos a uma habitação condigna.

A política de habitação das últimas décadas foi caracterizada pelo abandono e alienação do património público e a sua entrega à especulação imobiliária; o favorecimento da banca e dos grandes senhorios e proprietários; a lei do mais forte no mercado de arrendamento com a aplicação do Novo Regime de Arrendamento Urbano e o seu brutal aprofundamento com as alterações de 2014 promovidas pelo Governo PSD/CDS que atirou milhares de pessoas para a rua ou para as periferias das cidades.

A instabilidade e o medo permanente na vida de milhões de pessoas que nunca sabem se no dia seguinte ainda vão viver na mesma casa, no mesmo bairro ou na mesma localidade, são o reflexo das opções políticas do último governo PS, mas também do PSD, do CDS, do CH e da IL.

Uns pelo que fizeram e pelo que recusaram fazer durante décadas de governação, outros pelo que gostavam de implementar.

As escassas medidas que possam ser consideradas minimamente positivas aprovadas pelos Governos PS neste domínio só estão inscritas na lei porque o descontentamento, indignação e luta do povo português o obrigou a tal, mas estão muito longe de responder ao grave problema instalado. Os últimos Governos PS tiveram todas as condições para inverter este caminho, mas preferiram sempre, particularmente no seu último governo, a convergência com os partidos de direita e a submissão aos interesses do capital.

Durante o ano de 2023 foi encenada na Assembleia da República e no aparelho mediático uma profunda discórdia entre o PS e toda a direita sobre as medidas constantes do chamado “Programa Mais Habitação”. Essa encenação não conseguiu apagar a política profundamente negativa que vinha sendo adotada, nem o “Mais Habitação” significou, naturalmente, a rutura com esse caminho. E foi assim que o ano de 2024 começou, com os inquilinos a verem aplicados aumentos de rendas de quase 8%, e com o procedimento especial de despejo ainda mais facilitado.

Os grandes proprietários não esperam e não perdem a oportunidade que a política de direita lhes manteve aberta com a manutenção em vigor do NRAU. Só em 2023, o Balcão Nacional do Arrendamento- assim criado e “batizado” por PSD e CDS e agora renomeado Balcão do Arrendatário e do Senhorio pelo PS- recebeu 2672 pedidos especiais de despejo, mais 17% face a 2022, concentrados nos concelhos onde o preço das casas é ainda mais elevado que a média nacional.

O nome mudou, mas o seu inaceitável propósito de despejar com maior facilidade os inquilinos mantém-se e foi ainda mais facilitado pelas alterações introduzidas no “Mais Habitação”. É espectável que a situação continue a agravar-se durante o ano de 2024 com os aumentos que não param e com as já múltiplas denúncias e relatos de famílias inteiras, inclusivamente com crianças a cargo, a serem despejadas.

A vida está aliás a confirmar que não é por via de benefícios fiscais ou da subsidiação pública das rendas que se trava o aumento dos preços na habitação. É preciso regular o mercado, travar os despejos, dar estabilidade aos contractos de arrendamento, promover habitação pública.

Perante esta situação o PCP propõe medidas urgentes que confiram maior proteção aos inquilinos.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo-assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei procede à criação de um regime especial de proteção da habitação arrendada face aos aumentos verificados dos preços das rendas dos imóveis habitacionais, estabelecendo, nomeadamente:

  1. Limitações ao aumento do preço do arrendamento de novos contratos;
  2. A limitação dos despejos por comprovada insuficiência económica;
  3. A limitação das possibilidades de não renovação de contratos de arrendamento habitacional contra a vontade do inquilino;
  4. A extinção do «Balcão do Arrendatário e do Senhorio»;
  5. A reposição do procedimento especial de despejo por via judicial.

Artigo 2.º

Limitação à fixação de rendas em novos contratos

  1. A renda inicial dos novos contratos de arrendamento para fins habitacionais que incidam sobre imóveis relativamente aos quais tenham vigorado contratos de arrendamento celebrados nos cinco anos anteriores à entrada em vigor da presente lei não pode exceder o valor da última renda praticada sobre esse imóvel aplicado o coeficiente de atualização 1,0043.
  2. Quando sobre os imóveis abrangidos pelo artigo anterior tenha vigorado mais do que um contrato de arrendamento nos cinco anos anteriores à data da última renda praticada, sem que tenham sido comprovadamente realizadas obras de requalificação e melhoria do imóvel, o coeficiente de atualização é aplicado sobre o valor da renda mais baixa praticada nesse período.
  3. Nos casos em que não tenha havido arrendamento anterior é fixado um limite máximo do valor da renda correspondente à aplicação do coeficiente de 1,0043 ao valor da renda mediana praticada na respetiva subsecção estatística, de acordo com a última atualização, divulgada pelo Instituto Nacional de Estatística.

Artigo 3.º

Limitação aos despejos por falta de pagamento de rendas

  1. Não é admitido o despejo do arrendatário:
    1. Quando se comprove a inexistência de rendimentos suficientes para assegurar a sua subsistência ou do seu agregado familiar;
    2. Nos casos em que seja possível ao arrendatário pagar, pelo menos, dois terços do montante da renda.
  2. Na situação prevista na alínea b) do número anterior, a dívida remanescente é reconhecida como crédito vencido, podendo ser exigido o seu pagamento nos termos legalmente admissíveis.

Artigo 4.º

Limitação da possibilidade de não renovação dos contratos de arrendamento

  1. Não é admitida a denúncia do contrato de arrendamento pelo senhorio quando:
    1. Se comprove a inexistência de rendimentos suficientes para assegurar a subsistência do arrendatário ou do seu agregado familiar;
    2. quando se demonstre que a renda paga corresponde a uma taxa de esforço igual ou superior a 25% do rendimento mensal do agregado familiar do arrendatário.
  2. Considera-se, para os efeitos previstos no presente artigo, “taxa de esforço” como o rácio entre o encargo com a renda suportado pelo arrendatário e o rendimento líquido mensal do seu agregado familiar.
  3. Os rendimentos relevantes para cálculo da taxa de esforço são os existentes à data relevante para efeitos da denúncia e são apurados pela média dos rendimentos obtidos nos 6 meses anteriores.

Artigo 5.º

Extinção do Balcão do Arrendatário e do Senhorio

São revogados os artigos 15.º a 15.º-S da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação atual.

Artigo 6.º

Procedimento especial de despejo

O procedimento especial de despejo prossegue a via judicial prevista nos termos da lei geral.

Artigo 7.º

Contratos em regime vinculativo ou de perpetuidade

Aos contratos de arrendamento já existentes à entrada em vigor do NRAU e que se mantenham em regime vinculativo ou de perpetuidade, não lhes são aplicáveis as normas do NRAU.

Artigo 8.º

Entrada em Vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação e produz efeitos até ao dia 31 de dezembro de 2025.

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