Aprova o regime de regularização de cidadãos estrangeiros indocumentados (6.ª alteração à Lei n.º 23/2007, de 4 de julho)
Exposição de motivos
A legislação relativa à entrada, permanência, saída e afastamento de cidadãos estrangeiros do território nacional, atualmente resultante da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, com as alterações que lhe foram introduzidas pelas Leis n.º 29/2012, de 9 de agosto, n.º 56/2015, de 23 de junho, n.º 63/2015, de 30 de junho, n.º 59/2017, de 31 de julho e n.º 102/2017, de 28 de agosto, continua a não resolver os problemas mais graves suscitados pela imigração ilegal.
A Lei de 2007 resultou de um longo e intenso trabalho de discussão de iniciativas legislativas, incluindo o projeto de lei então apresentado pelo PCP, e representou um passo positivo nas políticas de imigração em Portugal. A aprovação dessa lei inverteu um ciclo legislativo iniciado em 1993, marcado por sucessivas tentativas de fechar as portas à imigração legal e por restrições drásticas aos direitos dos estrangeiros. Foi um ciclo marcado por sucessivas revisões das leis da imigração que redundaram em clamorosos fracassos e que só contribuíram para fazer aumentar o drama social da imigração clandestina.
Mesmo assim, tal como o PCP alertou na declaração de voto entregue em 10 de maio de 2007, permaneceram aspetos negativos estruturantes na lei de imigração com os quais o PCP não se identifica, de que é exemplo a inexistência de um mecanismo legal permanente capaz de permitir a regularização da situação de cidadãos estrangeiros que, residindo e trabalhando em Portugal desde há muito tempo, permanecem indocumentados por não conseguirem reunir todas as condições exigidas para a obtenção de autorização de residência.
De então para cá, várias alterações introduzidas nas leis de imigração, entre 2012 e 2015, tiveram efeitos negativos que as alterações positivas introduzidas em 2017 não conseguiram colmatar. Em vez da preocupação de promover a integração de trabalhadores imigrantes e das suas famílias na sociedade portuguesa, foram privilegiados os chamados “vistos gold”, destinados a conceder autorizações de residência a cidadãos estrangeiros a troco de depósitos bancários avultados ou da aquisição de imobiliário de luxo, escancarando as portas a fenómenos de corrupção e de branqueamento de capitais. Em vez de ser um mecanismo de integração social, a lei de imigração tornou-se uma passadeira para crimes de colarinho branco.
Como é reconhecido por todos, permanecem em Portugal muitos cidadãos não nacionais que trabalham honestamente, que procuram entre nós as condições de sobrevivência que não têm nos seus países de origem, e que vivem no nosso país, alguns deles desde há muitos anos, em situação irregular, com todo o cortejo de dificuldades que essa situação implica quanto à sua integração social.
Se a imigração legal é um bem indiscutível para a comunidade nacional, já a imigração ilegal constitui um verdadeiro flagelo social a que urge pôr cobro, através de um combate sem tréguas às redes de tráfico de pessoas, e através de uma política que, em vez de penalizar as vítimas, permita a sua justa integração na comunidade social com todos os direitos e deveres que lhe são inerentes.
Para o PCP, a solução não passa pela reabertura de processos extraordinários de regularização, limitados no tempo, que a prazo, deixam tudo na mesma. E não passa, tão-pouco, por mecanismos excecionais e discricionários de regularização.
A situação dos indocumentados em Portugal constitui uma flagrante violação de direitos fundamentais dos cidadãos que não pode ser ignorada. Permanecem em Portugal milhares de cidadãos estrangeiros que procuraram o nosso país em busca de condições de sobrevivência e que trabalham em diversos sectores da atividade económica sem quaisquer direitos, em alguns casos mesmo sem direito ao salário, beneficiando pessoas sem escrúpulos que lucram com a chantagem que a situação irregular desses trabalhadores possibilita.
A integração social plena dos cidadãos estrangeiros que se encontram a residir e a trabalhar em Portugal é uma obrigação indeclinável do Estado português. Só por essa via será possível pôr fim à exploração infame a que esses trabalhadores estão sujeitos, respeitar os seus direitos mais elementares, e evitar a eclosão entre nós de manifestações racistas e xenófobas que estão tristemente a ensombrar a Europa nos nossos dias.
O racismo e a xenofobia não se combatem com a exclusão social dos imigrantes, cedendo a pressões racistas e xenófobas. Combatem-se precisamente com a integração social, tratando todos os cidadãos com a dignidade a que, como seres humanos, têm direito.
O PCP propõe assim, através do presente projeto de lei, que os cidadãos estrangeiros que se encontrem a residir em Portugal sem a autorização legalmente necessária possam obter a sua legalização desde que disponham de meios de subsistência através do exercício de uma atividade profissional, ou em qualquer caso, desde que tenham cá residido permanentemente desde momento anterior à entrada em vigor da Lei n.º 63/2015, de 30 de junho, ocorrida em 1 de julho desse ano.
Propõe-se de igual modo a adoção de processos de decisão dotados de transparência, correção e rigor, a concessão de autorização provisória de residência aos cidadãos estrangeiros que tendo requerido a sua regularização aguardem decisão final, a aplicação extensiva da regularização ao agregado familiar dos requerentes e a adoção de mecanismos de fiscalização democrática do processo através do Conselho para as Migrações e da Assembleia da República.
Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados da Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
(Objeto)
A presente lei regula os termos e as condições aplicáveis à regularização da situação dos cidadãos não nacionais que se encontrem a residir em Portugal sem a necessária autorização legal e que não possam proceder à sua regularização nos termos previstos na Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 29/2012, de 9 de agosto, n.º 56/2015, de 23 de junho, n.º 63/2015, de 30 de junho, n.º 59/2017, de 31 de julho e n.º 102/2017, de 28 de agosto.
Artigo 2.º
(Condições de admissibilidade)
Os cidadãos estrangeiros que se encontrem a residir em Portugal sem a autorização legalmente necessária podem requerer a regularização da sua situação desde que demonstrem:
- Dispor de meios de subsistência, designadamente através do exercício de uma atividade profissional remunerada por conta própria ou de outrem; ou
- Permanecer no território nacional desde data anterior a 1 de julho de 2015.
Artigo 3.º
(Condições de exclusão)
Não podem beneficiar da regularização prevista na presente lei, os cidadãos estrangeiros que:
- Se encontrem em qualquer das circunstâncias previstas como fundamento de expulsão do território nacional, com exceção da entrada irregular no País.
- Tendo sido expulsos do País, se encontrem no período de subsequente interdição de entrada no território nacional.
Artigo 4.º
(Exceção de procedimento judicial)
- Os cidadãos estrangeiros que requeiram a regularização da sua situação nos termos da presente lei não são suscetíveis de qualquer procedimento sancionatório administrativo ou judicial com base em infrações relativas à sua entrada e permanência em território nacional.
- As entidades empregadoras que declarem as situações de irregularidade de emprego nelas praticadas em relação aos cidadãos estrangeiros que requeiram a regularização da sua situação nos termos da presente lei, não são passíveis de procedimento judicial, nem lhes é aplicável o regime correspondente às transgressões decorrentes de tal facto.
Artigo 5.º
(Suspensão e extinção da instância)
- Até à decisão final dos requerimentos apresentados no âmbito da presente lei, é suspenso todo o procedimento administrativo ou judicial que tenha sido movido aos requerentes por infrações à legislação sobre imigração.
- A decisão de regularização favorável ao requerente produzirá o efeito da extinção da instância.
Artigo 6.º
(Apresentação dos requerimentos)
Os cidadãos estrangeiros que pretendam beneficiar da faculdade conferida pela presente lei devem apresentar os seus requerimentos na sede ou nos locais de atendimento do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
Artigo 7.º
(Elementos constantes dos requerimentos)
- O requerimento a apresentar nos termos da presente lei deve ser assinado pelo requerente, deve conter o seu nome completo, data de nascimento, estado civil, naturalidade, filiação, nacionalidade, lugar de residência habitual e atividade exercida e deve ser acompanhado por uma fotografia.
- O requerimento deve ser instruído com a prova da permanência do requerente em território nacional, que consistirá em documento ou em outro meio de prova bastante.
- Caso o requerente formule a sua pretensão ao abrigo do n.º 1 do artigo 2.º, deve ainda instruir o requerimento com documento comprovativo da existência de rendimentos próprios ou declaração de exercício de atividade remunerada, a qual, sendo exercida por conta de outrem, deve ser emitida pela respetiva entidade empregadora.
- Caso não seja possível, por motivo não imputável ao requerente, obter da entidade empregadora a declaração referida no número anterior, pode esta ser substituída por declaração emitida por um sindicato representativo do sector em que o requerente exerça a sua atividade, ou ser feita pelo próprio requerente desde que a sua veracidade seja confirmada por duas testemunhas devidamente identificadas.
- O agregado familiar do requerente, constituído para os efeitos da presente lei, pelas pessoas que com ele residam em economia comum, deve ser identificado nos termos exigidos no n.º 1 para que lhe seja extensivamente aplicado o regime estabelecido na presente lei.
- As entidades habilitadas para a receção dos requerimentos devem solicitar aos serviços responsáveis pela Identificação Civil e Criminal, por qualquer meio expedito, o certificado de registo criminal dos requerentes maiores de 16 anos para instrução do processo.
Artigo 8.º
(Autorização provisória de residência)
- A entidade recetora dos requerimentos apresentados ao abrigo da presente lei deve emitir um documento comprovativo da sua receção, a entregar ao requerente, que funciona como autorização provisória de residência até à decisão definitiva.
- O documento referido no número anterior tem a validade de 90 dias, prorrogáveis por iguais períodos até que seja tomada uma decisão definitiva sobre a situação do seu titular.
Artigo 9.º
(Processo de decisão)
- A decisão sobre os requerimentos apresentados nos termos da presente lei compete ao Ministro da Administração Interna, sendo precedida de parecer do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
- Nos 30 dias seguintes à apresentação de qualquer requerimento pode o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras solicitar ao requerente a junção de elementos em falta.
- Os elementos a solicitar devem sê-lo diretamente para o endereço indicado pelo requerente, por carta registada com aviso de receção, devendo a resposta deste efetuar-se no prazo máximo de 30 dias.
- A decisão final favorável ao requerimento apresentado, com a aplicabilidade extensiva ao agregado familiar, implica a concessão de autorização de residência nos termos legais.
- Da decisão desfavorável ao requerimento apresentado cabe recurso contencioso que suspende os efeitos dessa decisão até trânsito em julgado.
Artigo 10.º
(Aplicação extensiva)
A regularização obtida ao abrigo da presente lei é extensiva aos membros da família do requerente, definidos nos termos do artigo 99.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho.
Artigo 11.º
(Acompanhamento)
- Compete especialmente ao Conselho para as Migrações, adiante designado por Conselho, acompanhar a aplicação da presente lei.
- Para os efeitos previstos no número anterior deve o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras fornecer ao Conselho toda a informação pertinente relativa à aplicação da presente lei, designadamente sobre os requerimentos entrados, deferimentos, indeferimentos e respetivas causas.
- O acompanhamento da aplicação da presente lei efetua-se designadamente através de reuniões regulares com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, sem prejuízo de outras providências que o Conselho entenda adotar.
- Com vista ao acompanhamento adequado da aplicação da presente lei o Conselho, a pedido dos requerentes, pode solicitar ao SEF informações acerca de processos individuais de regularização e pode pronunciar-se sobre a correção dos procedimentos utilizados por este Serviço.
- Compete ainda ao Conselho apresentar à Assembleia da República um relatório sobre a aplicação da presente lei, passado um ano sobre a sua entrada em vigor, ou antes, se o entender conveniente.