Projecto de Lei N.º 791/XV/1.ª

Altera o regime de fiscalização parlamentar do Sistema de Informações da República Portuguesa

(sexta alteração à Lei n.º 30/84, de 5 de setembro)

Exposição de motivos

Acontecimentos recentes relacionados com uma intervenção manifestamente ilegal por parte do Serviço de Informações de Segurança e a atuação do Conselho de Fiscalização do SIRP perante tal ocorrência põe mais uma vez em causa a credibilidade dos mecanismos de fiscalização da atividade dos serviços de informações da República.

Outros acontecimentos, não muito distantes no tempo, relacionados com a atividade do Sistema de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), já tinham posto em evidência a inadequação do modelo de fiscalização do SIRP.

Na verdade, quando um antigo diretor do SIED foi acusado pelo Ministério Público da prática de crimes relacionados com o exercício dessas funções e se tornou evidente perante a opinião pública que os Serviços de Informações foram utilizados para fins estranhos às suas atribuições, em benefício de interesses privados, com violação do segredo de Estado, foi muito claro que tais atos só foram objeto de investigação após terem sido denunciados pela comunicação social. Apesar da existência de um Conselho de Fiscalização do SIRP, não foi por via da sua intervenção fiscalizadora que os atos ilícitos foram detetados. Por outro lado, a ação investigatória que a Assembleia da República deveria ter prosseguido ao tomar conhecimento da prática de atos ilícitos do âmbito dos Serviços de Informações foi inviabilizada com a invocação dos dispositivos legais mediante os quais a Assembleia da República delega as suas competências fiscalizadoras no Conselho de Fiscalização do SIRP, e foi obstaculizada pelo regime legal do segredo de Estado que impede a Assembleia da República de aceder a informação classificada.

No caso mais recente, da apreensão de um equipamento informático na posse de um ex assessor do Ministro das Infraestruturas, que constituiu inequivocamente um ato da exclusiva competência das autoridades policiais expressamente vedado aos serviços de informações, o Conselho de Fiscalização limitou-se celeremente a justificar a intervenção do SIS sem sequer ter ouvido o cidadão visado pela atuação em causa.

Como se sabe, o regime de fiscalização parlamentar do Sistema de Informações da República Portuguesa não é feito diretamente através da Assembleia da República, como seria adequado, mas através da interposição de um Conselho de Fiscalização, integrado por três personalidades que são indicadas por acordo entre os dois partidos com maior representação parlamentar.

Não deveria ser necessário lembrar que a Assembleia da República não se restringe aos dois maiores partidos e que os Deputados dos dois maiores partidos não têm uma legitimidade superior à dos restantes. Nem o Parlamento se reduz à maioria parlamentar, nem a oposição se reduz ao grupo parlamentar mais numeroso da oposição. Não há fiscalização parlamentar democrática de coisa nenhuma quando uma parte do Parlamento é pura e simplesmente excluída do exercício dessa fiscalização. Importa por isso repensar seriamente o modo de fiscalização parlamentar dos Serviços de Informações.

O Programa Eleitoral do PCP preconiza a refundação do Sistema de Informações da República como a única possibilidade para credibilizar decisivamente o SIRP, após décadas de comprovado e reiterado desrespeito da Constituição, de incompatibilidade com a lei e as regras e direitos democráticos mais elementares e face ao descrédito em que se atolou. O SIRP está capturado e bloqueado pelo vazio e impossibilidade absoluta de fiscalização democrática da sua atividade, com o Conselho de Fiscalização transformado em instrumento de cobertura das ilegalidades do sistema, pelo simulacro de controlo pelos tribunais, com o recurso perverso ao «Segredo de Estado», pela organização interna e formação de pessoal em conflito com a lei, com a unificação real do SIS e do SIED e os manuais de formação em operações ilícitas, pelo assumido desprezo por normas democráticas, pela reiterada e manifesta inviabilização de qualquer reforma democrática, sempre proposta pelo PCP e sempre rejeitada por PS, PSD e CDS.

Porém, o presente projeto de lei do Grupo Parlamentar do PCP, abstraindo de outras questões relevantes em matéria de orgânica do SIRP, centra-se em três pontos:

Desde logo, visa estabelecer de forma clara os limites das atuações dos Serviços de Informações, vedando absolutamente a sua possibilidade de aceder, direta ou indiretamente, a quaisquer dados obtidos por via de ingerência da correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, incluindo dados de tráfego, de localização ou outros dados conexos das comunicações. Por razões constitucionais e de defesa das liberdades.

Por outro lado, o PCP retoma uma proposta já apresentada no passado recente, de que a fiscalização do SIRP seja assegurada diretamente pela Assembleia da República através de uma Comissão de Fiscalização presidida pelo Presidente da Assembleia da República e que integre os presidentes dos grupos parlamentares e os Presidentes das Comissões Parlamentares de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, de Defesa Nacional e de Negócios Estrangeiros.

Esta Comissão teria a seu cargo, no essencial, as funções que estão hoje cometidas ao Conselho de Fiscalização do SIRP, garantindo a pluralidade democrática desta fiscalização e situando-a ao mais alto nível de responsabilidade.

Esta Comissão resolveria ainda um problema que permanece em aberto que é o de garantir o direito dos Deputados consagrado no artigo 156.º da Constituição, de requerer e obter do Governo ou dos órgãos de qualquer entidade pública os elementos, informações e publicações oficiais que considerem úteis para o exercício do seu mandato.

Na medida em que todos os documentos e informações na posse dos Serviços que integram o SIRP são classificados ope legis como Segredo de Estado, importa encontrar um mecanismo de conciliação entre os valores que essa classificação visa acautelar e eventuais abusos a que possa dar lugar. Trata-se de impedir que os Serviços de Informações possam funcionar como um instrumento de limitação abusiva dos direitos de fiscalização parlamentar através de um mecanismo que permitisse acautelar ambos os valores em presença: a segurança da informação por motivos relevantes de segurança do Estado e a garantia da indispensável fiscalização parlamentar da atividade dois serviços de informações.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Alterações à Lei n.º 30/84, de 5 de setembro

Os artigos 3.º e 7.º a 13.º da Lei n.º 30/84, de 5 de setembro, que aprovou a Lei-Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa, alterada pelas Leis n.os 4/95, de 21 de fevereiro, 15/96, de 30 de abril, e 75-A/97, de 22 de julho, e pelas Leis Orgânicas n.os 4/2004, de 6 de novembro, e 4/2014, de 13 de agosto, com a Declaração de Retificação n.º 44-A/2014, de 10 de outubro, passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 3.º

Limites das atividades dos serviços de informações

  1. Os Serviços de Informações estão exclusivamente ao serviço do interesse público, estando-lhes especialmente vedadas quaisquer atividades ao serviço de entidades privadas, bem como quaisquer atuações ou ingerências em atividades de partidos políticos, associações sindicais ou outras associações de natureza social, económica ou cultural.
  2. (Atual n.º 1).
  3. (Atual n.º 2).
  4. (Atual n.º 3).
  5. É absolutamente vedado aos Serviços de Informações aceder, direta ou indiretamente, a quaisquer dados obtidos por via de ingerência da correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, incluindo dados de tráfego, de localização ou outros dados conexos das comunicações.
  6. A prática dolosa de atos em violação do disposto no presente artigo constitui crime punível com pena de prisão de 1 a 5 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

Artigo 7.º

Orgânica

Para a prossecução das finalidades referidas no artigo 2.º são criados:

  1. A Comissão de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa, adiante designada por Comissão de Fiscalização.
  2. (…).
  3. (…).
  4. (…).
  5. (…).
  6. (…).

Artigo 8.º

Comissão de Fiscalização

  1. Para os efeitos previstos na presente lei é criada junto do Presidente da Assembleia da República a Comissão de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa, adiante designada por Comissão de Fiscalização.
    1. A Comissão de Fiscalização é presidida pelo Presidente da Assembleia da República e integra ainda:
    2. Os Presidentes dos Grupos Parlamentares;
    3. O Presidente da Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias;
    4. O Presidente da Comissão Parlamentar de Defesa Nacional;
    5. O Presidente da Comissão Parlamentar de Negócios Estrangeiros.
  2. A presidência da Comissão de Fiscalização, com as funções que lhe são inerentes, pode ser delegada no Vice-Presidente da Assembleia da República pertencente ao partido maioritário.

Artigo 9.º

Atribuições e competências

  1. A Comissão de Fiscalização tem por atribuições assegurar o acompanhamento e a fiscalização parlamentar da atividade do Secretário-Geral do SIRP e dos Serviços de Informações, zelando pelo cumprimento da Constituição e da lei, particularmente no que se refere à fiscalização parlamentar dos atos do Governo e da Administração e à salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos.
  2. Compete em especial à Comissão de Fiscalização:
    1. Apreciar os relatórios de atividades de cada um dos Serviços de Informações;
    2. Receber do Secretário-Geral do SIRP, com regularidade mínima bimensal, lista integral dos processos em curso, podendo solicitar e obter, no prazo que determinar, os elementos que considere necessários ao cabal exercício dos seus poderes de fiscalização;
    3. Tomar conhecimento dos despachos emitidos ao abrigo do n.º 1 do artigo 5.º da Lei-quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa;
    4. Conhecer, junto do Primeiro-Ministro, os critérios de orientação governamental dirigidos à pesquisa de informações e obter do Conselho Superior de Informações os esclarecimentos que entender sobre questões de funcionamento do SIRP;
    5. Efetuar visitas de inspeção, com ou sem aviso prévio, ao Secretário-geral e aos Serviços de Informações, podendo observar, colher os elementos e obter as informações que considere relevantes;
    6. Solicitar os elementos constantes dos centros de dados que entenda necessários ao exercício das suas competências ou ao conhecimento de eventuais irregularidades ou violações da lei;
    7.  Verificar da regularidade das normas e regulamentos internos relativos aos procedimentos de segurança operacional, bem como apreciar eventuais desvios de padrão face às normas e às boas práticas internacionais; 
    8. Verificar do cumprimento dos critérios e procedimentos aplicados na admissão de pessoal para exercer funções no âmbito dos serviços; 
    9. Verificar da efetivação e adequação dos mecanismos internos de controlo relativos ao pessoal, de forma a permitir identificar eventuais situações de incompatibilidade, inadequação de perfil ou conflito de interesses que possam afetar o normal funcionamento dos serviços;
    10. Promover audições e inquéritos que entenda necessários e adequados ao pleno exercício das funções de fiscalização;
    11.  Emitir pareceres com regularidade mínima semestral sobre o funcionamento do Sistema de Informações da República Portuguesa;
    12. Propor ao Governo a realização de procedimentos inspetivos, de inquéritos ou sancionatórios em razão de indícios de ocorrências cuja gravidade o determine;
    13. Pronunciar-se sobre quaisquer iniciativas legislativas que tenham por objeto o Sistema de Informações da República Portuguesa, bem como sobre modelos de organização e gestão administrativa, financeira e de pessoal dos serviços; 
    14. Proceder à audição de qualquer entidade que considere necessário para o cumprimento das suas atribuições;
    15. Manter um registo classificado, atualizado e exaustivo da respetiva atividade de controlo e fiscalização. 
    16. Conhecer e apreciar as propostas de orçamento do SIRP, e acompanhar e fiscalizar a respetiva execução.
  3. A Comissão de Fiscalização acompanha e conhece as modalidades admitidas de permuta de informações entre serviços, bem como os tipos de relacionamento dos serviços com outras entidades, especialmente de polícia, incumbidos de garantir a legalidade e sujeitos ao dever de cooperação.
  4. O gabinete do Presidente da Assembleia da República assegura as instalações, pessoal de secretariado e apoio logístico indispensáveis ao cumprimento das competências da Comissão de Fiscalização.
  5. (Eliminado).

Artigo 10.º

Funcionamento

A Comissão de Fiscalização reúne ordinariamente com periodicidade trimestral e extraordinariamente sempre que convocada pelo Presidente da Assembleia da República por sua iniciativa ou a solicitação de qualquer dos seus membros.

Artigo 11.º

Acesso a documentos e informações sob Segredo de Estado

  1. A recusa de acesso a documentos e informações classificados como segredo de Estado ao abrigo da presente lei, requerido por Deputados, tem de ser expressa e acompanhada de parecer do Secretário-geral do SIRP com indicação dos interesses que essa recusa visa proteger e dos motivos ou circunstâncias a justificam, a enviar ao Presidente da Assembleia da República e aos Deputados requerentes.
  2. Nos casos previstos no número anterior, o Presidente da Assembleia da República dá conhecimento da recusa e respetiva fundamentação à Comissão de Fiscalização, que pode pronunciar-se sobre a matéria a pedido de algum dos seus membros.
  3. Se a Comissão de Fiscalização considerar a recusa injustificada, solicita que a informação ou documento em causa lhe seja entregue diretamente e procede ao seu encaminhamento para os Deputados requerentes, informando-os previamente dos termos em que tais informações podem, ou não, ser publicitadas.
  4. A Comissão de Fiscalização pode determinar que os documentos ou informações entregues nos termos do presente artigo não sejam publicados no Diário da Assembleia da República ou em qualquer outra forma de publicitação de acesso geral, e pode exigir dos destinatários a declaração, sob compromisso de honra, de que se comprometem a guardar a confidencialidade das informações nos termos em que tal lhes seja solicitado.
  5. Os documentos e informações são fornecidos direta e pessoalmente aos requerentes pelo Presidente da Assembleia da República, mediante a prestação do compromisso referido no número anterior.

Artigo 12.º

Apreciação da recusa de acesso a documentos ou informações

  1. Na apreciação dos fundamentos da recusa de acesso a documentos ou informações nos termos da presente lei a Comissão de Fiscalização pode solicitar ao Primeiro-Ministro a prestação de esclarecimentos adicionais acerca dos fundamentos da recusa.
  2. Os esclarecimentos solicitados são prestados por escrito ao Presidente da Assembleia da República pelo Primeiro-Ministro ou, por determinação deste, pelo Secretário-geral do SIRP, presencialmente, em reunião da Comissão de Fiscalização,
  3. O Primeiro-Ministro pode solicitar a audição do Secretário-geral do SIRP ou qualquer membro do Governo por si indicado pela Comissão de Fiscalização para prestar esclarecimentos sobre a recusa de fornecimento de documentos e informações na posse do SIRP.
  4. 4. Nos casos previstos no número anterior a Comissão de Fiscalização não pode tomar qualquer decisão antes da realização da audição solicitada.

Artigo 13.º

Prestação de informações na posse do SIRP

  1. Se o Secretário-geral do SIRP, em parecer fundamentado, entender que o acesso aos documentos ou informações em causa não põe em risco a segurança interna ou externa do Estado, o Primeiro-Ministro pode autorizar o seu fornecimento aos Deputados requerentes, podendo solicitar a aplicação das medidas de salvaguarda referidas no artigo 11.º.
  2. Nos casos previstos no número anterior, os documentos ou informações requeridas são enviados ao Presidente da Assembleia da República, que procede à sua entrega aos Deputados requerentes, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 5 do artigo 11.º.”

Artigo 3.º

Norma revogatória

É revogado o disposto na Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de agosto, alterada pela Lei Orgânica n.º 1/2015, de 8 de janeiro, que aprova o regime do Segredo de Estado, em tudo o que se refere a documentos e informações classificados como Segredo de Estado ao abrigo da Lei-Quadro do SIRP.

  • Regime Democrático e Assuntos Constitucionais
  • Projectos de Lei
  • SIS
  • Sistema de Informações da República Portuguesa