Exposição de motivos
As dificuldades que atingiram as vidas de milhões de portugueses nos últimos anos tiveram consequências, em muitos casos, dramáticas. As situações em que muitos milhares de famílias ficaram sem as suas casas por terem perdido os seus rendimentos e não conseguirem fazer face às despesas que haviam assumido são uma dessas situações mais dramáticas.
A perda da habitação por milhares de famílias continua a ser expressão cruel da situação para que foram conduzidas as vidas dos portugueses que, esmagados pelas medidas económicas e sociais tomadas por sucessivos governos, foram empurrados para situações de perda de rendimentos, falência ou insolvência.
Os roubos de salários e pensões, a destruição de milhares de postos de trabalho e os despedimentos, os cortes nos apoios sociais, a falência de milhares de pequenas e médias empresas ou a aprovação da lei dos despejos, além de conduzirem a uma situação generalizada de retrocesso social, conduziram a situações individuais em que milhares de famílias, depois de perderem tudo o resto, perderam também a casa.
Num quadro em que os direitos básicos e fundamentais das famílias a condições mínimas de dignidade foram postos em confronto com os interesses dos credores, particularmente da banca, a lei revelou-se duramente penalizadora das famílias portuguesas.
Essa realidade motivou dois processos de alterações legislativas ao regime do crédito à habitação, para os quais o PCP contribuiu com os Projetos de Lei n.ºs 243/XII e 500/XII propondo medidas de defesa da manutenção da habitação pelas famílias em situação económica difícil.
O resultado dessas alterações revelou-se, como de resto o PCP havia já alertado, manifestamente insuficiente face às dificuldades que atingem os portugueses.
Entretanto foram surgindo exemplos dramáticos de como as dificuldades que conduzem à perda da habitação se mantêm e vão muito além das situações consideradas nas leis entretanto aprovadas.
Aquando da revisão do Código de Processo Civil, em Abril de 2013, o PCP alertou na sua declaração de voto para o facto de se permitir a perda da habitação de alguém que aufere o salário mínimo por uma dívida de 1800 euros.
Já em 2015, o Grupo Parlamentar do PCP apresentou e trouxe à discussão o Projeto de Lei n.º 703/XII com vista à alteração da lei de forma a impedir que este flagelo se mantivesse. Lamentavelmente a proposta do PCP acabou por ser rejeitada.
Continua, no entanto, a revelar-se urgente a alteração deste quadro legal que dá cobertura à generalização das situações de perda da habitação, restringindo a possibilidade de penhora ou execução de hipoteca sobre a habitação a situações em que estejam esgotadas as possibilidades de pagamento de parte substancial do montante em dívida.
Com o presente Projeto de Lei, o PCP insiste em soluções para o problema da perda da habitação própria e permanente, propondo que se elimine a possibilidade de penhora ou execução de hipoteca sobre a habitação quando se comprove a inexistência de rendimentos suficientes para assegurar a subsistência do executado ou do seu agregado familiar, incluindo no âmbito de processos de execução fiscal.
O PCP propõe igualmente que se restrinja a possibilidade de penhora ou execução de hipoteca sobre a habitação às situações em que não seja possível garantir, pela penhora de outros bens ou rendimentos, o pagamento de dois terços do montante em dívida no prazo estabelecido para pagamento do crédito concedido para aquisição do imóvel.
O PCP propõe ainda que a venda do imóvel possa apenas concretizar-se quando o montante a realizar com essa venda seja superior ao que seria obtido com aquela penhora de outros bens e rendimentos do executado, podendo essa penhora incidir sobre rendimentos de terceiros que o executado indique, desde que obtido o respetivo consentimento.
Com as soluções agora avançadas pelo PCP, preserva-se o direito à manutenção da habitação e privilegiam-se soluções alternativas àquelas que têm conduzido à situação, reconhecida generalizadamente como injusta, de empurrar para fora de casa famílias a quem já pouco ou nada resta de conforto.
Assim, nos termos legais e regimentais aplicáveis, os deputados abaixo-assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei altera o Código de Processo Civil estabelecendo limitações à penhora ou execução de hipoteca sobre imóvel que constitua habitação própria e permanente do executado, bem como limita a possibilidade da sua venda.
Artigo 2.º
Alterações ao Código de Processo Civil
Os artigos 737.º e 751.º do Código de Processo Civil, na sua redação atual, passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 737.º
Bens relativamente impenhoráveis
- (…)
- (…)
- A penhora ou execução de hipoteca sobre imóvel que seja habitação própria e permanente do executado está sujeita às limitações constantes dos artigos 751.º-A e 751.º-B.
- (atual n.º 3)
Artigo 751.º
Ordem de realização da penhora
- (…)
- (…)
- A penhora do estabelecimento comercial apenas é admissível quando se revelar adequada ao montante do crédito exequendo e quando a penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de doze meses.
- (…)
- (…)
- (…)
- (…)»
Artigo 3.º
Aditamento ao Código de Processo Civil
São aditados os artigos 751.º-A e 751.º-B do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, com a seguinte redação:
«Artigo 751.º-A
Admissibilidade de penhora ou execução de hipoteca sobre imóvel que seja habitação própria e permanente do executado
- Não é admitida a penhora ou execução de hipoteca sobre imóvel que seja habitação própria e permanente do executado quando se comprove a inexistência de rendimentos suficientes para assegurar a subsistência do executado ou do seu agregado familiar.
- Fora dos casos previstos no número anterior, só é admitida a possibilidade de penhora ou execução da hipoteca sobre imóvel que seja habitação própria e permanente do executado quando, cumulativamente:
- a execução se destine ao pagamento do crédito concedido para aquisição do imóvel ou de dívidas a este associadas; e
- através da penhora de outros bens e rendimentos não seja possível a satisfação de pelo menos dois terços do montante em dívida no prazo definido para pagamento do crédito concedido para aquisição do imóvel.
- Nos casos em que, através da penhora de outros bens e rendimentos, seja possível satisfazer pelo menos dois terços do montante em dívida, não há lugar a penhora ou execução da hipoteca sobre imóvel que seja habitação própria e permanente do executado, devendo proceder-se à penhora dos rendimentos nos termos legalmente admissíveis.
- Na situação prevista no número anterior, a dívida remanescente é reconhecida como crédito vencido podendo ser exigido o seu pagamento:
- no decurso do prazo da penhora de bens e rendimentos, caso se verifique a existência superveniente de outros rendimentos ou património do executado; ou
- no prazo de cinco anos contados do final do prazo da penhora de rendimentos.
- Na situação prevista no n.º 3, além dos bens e rendimentos do executado podem ser penhorados outros que este indique, desde que obtido o consentimento do respetivo titular e dentro dos limites legalmente admissíveis.
- Na situação prevista no n.º 1 e quando esteja em causa o pagamento do crédito para aquisição do imóvel pode ser estabelecida, para efeitos de penhora, uma renda mensal correspondente a 1/240 ou 1/180 do seu valor patrimonial, conforme se trate, respetivamente, de prédio rústico ou prédio urbano.
Artigo 751.º-B
Concretização da venda na sequência de penhora ou execução de hipoteca
- Quando for admissível a penhora ou execução de hipoteca sobre imóvel que seja habitação própria e permanente do executado, a venda do imóvel não pode ser concretizada quando o valor a realizar seja inferior ao montante que resultaria da penhora de outros bens e rendimentos nos termos previstos no artigo anterior.
- Quando haja lugar a penhora ou execução da hipoteca, o executado é constituído depositário do bem, não havendo obrigação de entrega do imóvel até que seja concretizada a venda do imóvel nos termos em que é legalmente admissível.
- Enquanto não for concretizada a venda do imóvel, o executado pode proceder a pagamentos parciais do montante em dívida, sem encargos ou condições, sendo estes considerados para apuramento dos montantes relevantes para a concretização da venda do imóvel.»
Artigo 4.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.