Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Altera o Código de Processo Penal, limitando a aplicação do processo sumário aos crimes de menor gravidade (Procede à vigésima quarta alteração ao Código de Processo Penal)

(projeto de lei n.º 64/XIII/1.ª)

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados

Aquando da última revisão das leis penais, promovida pelo Governo PSD/CDS, o PCP alertou para a especial gravidade de uma das alterações introduzidas ao Código de Processo Penal. Referimo-nos ao alargamento da utilização do processo sumário aos crimes puníveis com pena de prisão de máximo superior a cinco anos.

Afirmou, então, o PCP a sua total discordância com a opção tomada pelo Governo PSD/CDS, inclusivamente suscitando no debate a questão da sua inconstitucionalidade, nomeadamente por violação das garantias de defesa do arguido previstas no artigo 32.º da Constituição.

Em outubro de 2013, o PCP apresentou e levou à discussão o projeto de lei n.º 357/XII (2.ª), visando precisamente a alteração do Código de Processo Penal, num momento em que já havia decisões de inconstitucionalidade que confirmavam os receios que havíamos expressado, tornando evidente a necessidade de alteração legislativa.

A primeira questão que podemos colocar a esta Câmara no momento em que fazemos esta discussão é: porquê só agora?

Efetivamente, quando no debate em torno das alterações ao Código de Processo Penal tinha sido suscitada, por várias bancadas, entre elas a do PCP, a inconstitucionalidade destas normas, apesar de haver pareceres de entidades consultadas que alertavam para essa situação e apesar de já haver decisões concretas do Tribunal Constitucional em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, nem assim a maioria parlamentar PSD/CDS aceitou rever a sua posição e insistiu, até ao fim, em manter as inconstitucionalidades no Código de Processo Penal, apesar de elas, nos casos concretos suscitados junto do Tribunal Constitucional, terem sido declaradas inconstitucionais e de terem sido desautorizadas por essa via.

Foi preciso chegarmos a esta Legislatura e o PSD e o CDS perderem a maioria para haver possibilidades de, nesta Câmara, conformar o Código de Processo Penal com o artigo 32.º da Constituição da República.

É certo que, além desta iniciativa, o PCP tem apresentado, ao longo dos anos, várias propostas de alteração às leis penais, particularmente ao Código de Processo Penal, no sentido de introduzir maior celeridade processual no julgamento dos crimes de menor gravidade.

Sim, porque somos sensíveis à necessidade de que a justiça seja célere. Todos temos consciência de que a justiça, quando não é aplicada no tempo devido, quando não é aplicada em tempo útil, torna-se injustiça. Portanto, uma das questões que mais preocupa os cidadãos é a de que, de facto, a justiça funcione, e funcione num tempo razoável, num tempo útil.

Nós compartilhamos essa preocupação, mas o que pensamos é que, de facto, devem ser adotadas normas processuais que consigam atingir esses objetivos, mas sem incorrer em violações da Constituição por violação dos direitos fundamentais dos arguidos em processo penal.

Exemplo dessa nossa preocupação foi a apresentação do projeto de lei n.º 266/XII (1.ª), contendo um conjunto de propostas de alteração aos processos especiais — sumário, abreviado e sumaríssimo — no sentido de criar condições para a sua utilização mais frequente e generalizada, garantindo maior celeridade no julgamento da criminalidade de menor gravidade.

Afirmámos, então, que aquelas propostas tinham, na sua base, a ideia de que a celeridade na administração da justiça é condição fundamental da própria realização da justiça, sendo a morosidade no funcionamento dos tribunais, particularmente no âmbito da justiça penal, condição determinante para o descrédito do sistema de justiça aos olhos dos cidadãos e para a consolidação de um sentimento de impunidade e impotência do sistema judicial no combate ao crime.

Apesar do aprofundamento da discussão realizada em torno dessas matérias, particularmente na sequência das reformas que foram sendo realizadas e dos problemas que delas vão resultando, e apesar também do generalizado acolhimento que as propostas do PCP têm merecido entre os operadores judiciários, as opções das sucessivas maiorias parlamentares têm ido em sentido contrário, e por isso estamos ainda na situação em que estamos.
O resultado está à vista, não só na declaração de inconstitucionalidade do regime aprovado pelo PSD e CDS, o qual motiva a apresentação da presente iniciativa, como também nas inúmeras dificuldades que continuam a verificar-se na justiça e no funcionamento dos tribunais.

Não abdicando das propostas que temos vindo a apresentar ao longo do tempo sobre a matéria dos processos especiais e reafirmando a sua validade, o que o PCP agora propõe é, tão só, a alteração do Código de Processo Penal em matéria de processo sumário, fazendo regressar o texto da lei processual à sua conformação anterior e recuperando, assim, a compatibilidade com o texto constitucional.

Foi essa a posição que assumimos, já na Legislatura passada, com a entrega do projeto de lei n.º 690/XII (4.ª), e é esse o caminho que agora pretendemos retomar com a apresentação do projeto de lei que hoje está submetido à apreciação desta Assembleia.

(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Paulo Rios de Oliveira,

De facto, a missão de que o Sr. Deputado foi incumbido hoje não é fácil e aquilo que aqui referiu suscita-me algumas questões quanto à posição assumida, hoje, pelo PSD.

Primeiro, o Sr. Deputado procurou desconversar, falar de outras coisas e depois dizer «mas destas coisas vocês não falam!». Pois não, nós falamos daquilo que está a ser discutido. O que está agendado é a discussão destas iniciativas legislativas e é sobre elas que nos pronunciamos.

O Sr. Deputado, para não se pronunciar muito sobre estes diplomas, vem dizer que estas iniciativas não falam sobre uma série de coisas. Pois não! Falou-se de outras coisas no momento adequado; agora, estamos a falar disto.

Ora bem, e estamos a falar de quê? Estamos, de facto, a falar em corrigir o Código de Processo Penal por forma a conformá-lo com a Constituição, tendo em conta as decisões do Tribunal Constitucional. E aqui, Sr. Deputado, a questão das decisões serem tomadas por unanimidade não é minimamente relevante.

Em caso algum! As decisões de alteração do Código de Processo Penal aqui tomadas também não o foram por unanimidade; e ainda que o tivessem sido, as decisões dos tribunais não são menos vinculantes por não serem tomadas por unanimidade. Não é preciso perder por 13 a 0 no Tribunal Constitucional para que haja uma declaração de inconstitucionalidade! O arguido, que é condenado por um tribunal coletivo, não pode dizer: «Eu não fui condenado, porque houve um juiz que votou contra a decisão!». Se ele for condenado, vai mesmo dentro.

Portanto, a vinculatividade da decisão não depende do número de juízes que a votem, depende de haver uma maioria.

O Sr. Deputado diz assim: «O que está aqui em causa é uma determinada interpretação do Tribunal Constitucional em alguns processos». Não, Sr. Deputado! O que está aqui em causa é a norma da Constituição que determina que, após três decisões de inconstitucionalidade em processos de fiscalização concreta, a norma é declarada inconstitucional com força obrigatória geral. É isso que estamos a discutir! Estas normas em causa são inconstitucionais e isso foi declarado com força obrigatória geral por força das decisões tomadas pelo Tribunal Constitucional em sede de fiscalização concreta. É disto, efetivamente, que estamos a falar!

Mas, Sr. Deputado, o PSD vem aqui com a posição de que para que haja uma justiça mais célere é preciso adotar medidas que sejam inconstitucionais e que violem direitos fundamentais dos arguidos.

Ora, Sr. Deputado, nós achamos que se deve discutir formas de tornar a justiça mais célere com respeito pela Constituição e com respeito pelos direitos fundamentais.

Fiquei com a ideia, mas o Sr. Deputado confirmará ou infirmará, que a posição do PSD, relativamente a esta matéria, é a de que, apesar da declaração de inconstitucionalidade das normas do Código de Processo Penal, aprovadas por VV. Ex.as, com força obrigatória geral, os senhores vêm aqui insistir no erro e dizer que é uma embirração da esquerda procurar alterar estas medidas. É esta a posição do PSD? Eu nem queria acreditar, pois esperava, apesar de tudo, uma posição um pouco mais construtiva por parte do PSD, apesar de conhecermos o passado que têm nesta matéria, que não é muito dignificante.
(…)
Sr. Presidente, era minha intenção fazer uma pergunta ao Sr. Deputado Telmo Correia, mas, como ele não tem tempo, faço uma breve intervenção.

O Sr. Deputado Telmo Correia lavrou num equívoco, que foi dizer que nós queríamos deitar fora um regime jurídico. Quem o deitou fora foi o Tribunal Constitucional, não fomos nós. A declaração da norma com força obrigatória geral tem, obviamente, esse efeito, nós não vamos deitar nada fora.
Mas há uma questão fundamental, que é a seguinte: a acusação que nos fazem é válida para o Tribunal Constitucional. Ou seja, quando dizem que, ao defendermos garantias processuais dos arguidos, estamos a defender os criminosos, isso também é válido para a declaração de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional.

Os Srs. Deputados também pensam que o Tribunal Constitucional está a defender os criminosos porque lhes parece que há garantias constitucionais. Eu sei que os senhores sempre foram contra a Constituição, mas para o CDS tudo o que seja garantias processuais é defender os criminosos. Portanto, no limite, o que os senhores defendiam era que não houvesse garantias processuais, aí a justiça aplicava-se por mais injusta que fosse, mas era, sem dúvida, célere, e, pelos vistos, é essa a vossa única preocupação.

Vou terminar de imediato, Sr. Presidente.

De facto, é preciso ter um grande descaramento para virem agora dizer — aqueles que cortaram os salários aos elementos das forças de segurança — que reduzir as garantias dos cidadãos serve para aumentar o seu moral.

É preciso não ter vergonha, Srs. Deputados.

(…)
Sr. Presidente, o Sr. Deputado Telmo Correia ofendeu-se por considerarmos que é preciso ter muito descaramento para, depois de terem cortado os salários aos elementos das forças de segurança, virem dizer que querem reduzir as garantias dos cidadãos em processo penal, porque isso aumenta o moral das forças de segurança. Eu creio que isso é até ofensivo para as forças de segurança.

Não é essa a imagem que eu tenho dos profissionais das forças de segurança portuguesas, que é a de considerarem que quanto menos direitos tiverem os cidadãos mais aumenta o seu moral.

Não são esses os profissionais das forças de segurança que eu conheço no meu País.

Os Srs. Deputados dizerem que defender a existência de garantias em processo penal é defender os criminosos acham que não ofende ninguém! Nós é que nos devíamos sentir ofendidos com essas vossas afirmações.

Isto porque, Sr. Deputado, o que aqui estamos a fazer é a conformar o Código de Processo Penal com aquela que foi a decisão do Tribunal Constitucional nesta matéria — e foi a declaração de uma norma inconstitucional com força obrigatória geral.

Os Srs. Deputados podem discordar do Tribunal Constitucional, podem achar que a Constituição não deveria ser a que é, mas os senhores têm de se conformar com essa decisão. E o facto é que aquilo que os senhores querem ver aplicado não é aplicado pelos tribunais, porque, pura e simplesmente, foi declarado inconstitucional, com força obrigatória geral.

Portanto, os senhores, mais uma vez, também nesta matéria, recusam-se a encarar a realidade e estão claramente em estado de negação.

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