Estas Jornadas na Região Autónoma dos Açores decorrem num momento em que já se conhecem os eixos centrais das grandes Opções do Plano e do Orçamento que vão determinar no essencial a evolução da situação económica e social em 2004 e que aqui vão ser objecto de uma análise crítica mais detalhada como afirmou o camarada Bernardino Soares.
Desses eixos centrais fica claro que o Governo insiste em prosseguir uma política assente nos dogmas neoliberais que mergulhou o país na recessão e que a está a agravar e a debilitar profundamente o aparelho produtivo.
Com este Orçamento serão mais uma vez os trabalhadores por conta de outrem e os detentores de menores rendimentos os que financiarão as verdadeiras prendas orçamentais que serão oferecidas aos grandes senhores do dinheiro, designadamente através dos chorudos benefícios fiscais dados às actividades financeiras e especulativas.
Na verdade, se este Orçamento vier a ser aprovado sem alterações vamos ter um aumento de impostos sobre os assalariados pela não actualização dos escalões do IRS e das deduções e abatimentos e, debaixo do eufemismo da contenção salarial, teremos uma efectiva diminuição dos salários reais dos trabalhadores da Administração Pública pelo terceiro ano consecutivo.
Paralelamente temos cortes nas verbas com as funções sociais do Estado: na educação, na saúde e na segurança social!
É portanto um Orçamento injusto que vai agravar ainda mais a distribuição do Rendimento Nacional e promover a concentração da riqueza.
Mas é também um Orçamento que corta no investimento público produtivo quando a economia portuguesa precisava precisamente do contrário para compensar e estimular o investimento privado e dinamizar a actividade económica.
É, por isso, também um Orçamento que em vez de ajudar a vencer a recessão a prolonga com todo o cortejo do desemprego, das falências e da pobreza.
Mas é também um Orçamento virtual em relação a muitas previsões. Podemos sublinhar o optimismo em relação às exportações que o Governo prevê crescerem 5,5% em 2004 ou em relação ao investimento com um crescimento (2,5%) ou as estimativas em relação à taxa de inflação e em relação à previsão de receitas que está sobrestimada.
E esta é outra questão nodal.
As receitas têm evoluído negativamente quer em consequência da recessão quer pela evasão fiscal. Depois a recessão é também, só por si, um estímulo à evasão fiscal.
O Governo corta no investimento público produtivo para controlar o défice. Mas com o corte no investimento público, prolonga e aprofunda a crise diminuindo a actividade económica e consequentemente as receitas orçamentais.
O mesmo se passa com a máquina fiscal, que não sendo dotada de meios não se encontra em condições de dar um efectivo combate à fraude e à evasão fiscal. Também é sabido que perante as dificuldades financeiras e de tesouraria há sempre a tentação de fugir aos impostos e às contribuições para a Segurança Social. E quando o cidadão comum vê que o Estado não cumpre as suas responsabilidades sociais e trata os grandes, com privilégios também se interroga para que servem os seus impostos, se para melhorar o país, se para encher os cofres de alguns. Este é o ambiente que estamos a viver.
É a “pescadinha de rabo na boca”, que se traduz na não consolidação orçamental e sem promoção do desenvolvimento.
Não é com a diminuição de receitas, nem com o corte no investimento produtivo, nem com a continuada falta de eficiência nas despesas correntes que se vence a crise. Em 2004 vamos continuar a marcar passo e a acentuar as desigualdades com a política do governo PSD/PP.
O deputado Durão Barroso, na oposição, dizia num debate mensal, precisamente em 28/03/01: “a manter-se a actual tendência, só daqui a 50 anos é que Portugal atingirá a média da União Europeia”. Agora que em vez de nos aproximarmos estamos a afastarmo-nos, há dois anos consecutivos, quando é que Portugal atingirá a média europeia? Daqui dos Açores deixamos ao Primeiro-Ministro esta questão muito precisa.
E parafraseando ainda Durão Barroso na oposição, também podemos dizer fazendo nossas as suas palavras, que quanto à inflação, todos sabemos, que “o governo engana-se, sempre, em matéria de previsão da inflação. É um engano repetido, mas também um engano conveniente, porque lhe permite enganar também os trabalhadores da função pública nas negociações salariais do início do ano”.
Palavras certeiras do actual Primeiro-Ministro no debate do Orçamento de Estado para 2001 e que cabem por inteiro a este Governo. Os enganos do PSD e os do PS nos Orçamentos, sobre a inflação, foram e são sempre contra os chamados “rendimentos do trabalho”, apesar das palavras pias sobre a justiça social, a pobreza e os mais desprotegidos.
Não foi o Dr. Durão Barroso na oposição que afirmou também já no fim do Debate do estado da nação em 24/06/01: “Nós não queremos desmantelar o Estado social. Em matéria de vocação social, não aceitamos lições de ninguém!”.
Como é que se podem julgar estas palavras com a prática do Governo PSD/PP e com a actuação do seráfica do Ministro dos Assuntos Sociais?
Os ataques à Segurança Social, com a lei de bases deste sector feita à medida dos interesses das grandes seguradoras privadas, a privatização da saúde, a desvalorização da escola pública, a desresponsabilização do Estado em relação às suas funções sociais o que é senão a regressão da democracia social?
É uma evidência que o Governo tem como alvo e prossegue uma política no sentido de impor a limitação ou amputação de direitos sociais.
Na política educativa, as medidas já tomadas, a alteração da Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE), a lei do financiamento do ensino superior público marcam com clareza uma política de privatização e de selectividade classista no acesso e na diferenciação muito cedo, de percursos educativos.
O descontentamento de professores e de pais e as movimentações estudantis no ensino superior são a expressão da oposição às medidas de regressão no ensino e às leis de Financiamento do Ensino Superior e da Autonomia e Gestão das Escolas, ao seu carácter injusto, elitista e antidemocrático.
É inaceitável que o Governo tenha suscitado o aumento das propinas e depois remetido a sua fixação para as direcções das Universidades e Politécnicos, procurando dar a entender que se trata de uma actualização dos valores de 1941, escondendo que este é o terceiro aumento de propinas nesta última década correspondendo a um aumento de 142 vezes o valor da propina!
E é por isso que alguns dizem que esta questão é cíclica. É cíclica porque por várias vezes ao longo dos tempos, os governos querem cavalgar no aumento das propinas fazendo letra morta dos princípios constitucionais.
Também na saúde o que tem marcado a política do Governo é a ofensiva contra os serviços públicos.
A coberto de grandes declarações sobre a gestão, a eficiência, a preocupação com a saúde dos utentes o que se assiste na prática é a abertura de caminhos para uma crescente privatização do sector enquanto os problemas se agravam.
Ao contrário das afirmações propagandísticas e das promessas do Governo, aumentaram as listas de espera para cirurgias, as dificuldades de acesso a consultas na especialidade e a escassez de trabalhadores na saúde.
Também na área da toxicodependência se assiste a um agravamento deslizante que atinge aqui nos Açores dimensões preocupantes.
Os números do Observatório Europeu colocam Portugal no topo dos países da União Europeia, estimando entre 60 mil a 100 mil os dependentes de heroína, e com a mais elevada taxa de incidência de infecto-contagiosas graves entre esta população.
A toxicodependência, o alcoolismo e todas as modernas chagas sociais, medram na exacta medida em que se concretizam políticas de estagnação e desemprego, de desinvestimento na juventude e na integração social, de desqualificação dos sistemas públicos de ensino e saúde.
Somos pelo investimento e intervenção empenhada, qualificada e persistente do Estado na prevenção, tratamento e reinserção da toxicodependência. Somos por medidas concretas para enfrentar o alcoolismo e os problemas ligados ao álcool. Somos por um esforço efectivo nas políticas sociais e na reinserção. Por razões de cultura, de progresso, de desenvolvimento, de democracia e de justiça social.
É por isso que insistimos em que é necessário tudo fazer para pôr fim ao governo do PSD/CDS-PP e para despertar a consciência dos trabalhadores e de todos os democratas para as gravosas consequências sociais, económicas e políticas do prosseguimento desta política.
O agravamento da situação económica e social do país, a debilitação do aparelho produtivo nacional, a crescente subcontratação da economia portuguesa e a acentuação das assimetrias regionais vão prosseguir com esta política e com a postura de submissão do Governo em relação à União Europeia e às propostas que estão em cima da mesa, sobre os fundos estruturais.
É inaceitável por exemplo, que a Região Autónoma da Madeira e dos Açores e outras regiões do país venham a ser sacrificadas por efeitos estatísticos, com o alargamento.
O futuro Orçamento europeu não pode ficar com o actual nível de despesa sacrificando os países e as regiões com economias mais débeis.
O princípio da “coesão económica e social” não pode continuar a ser uma figura retórica.
Fazemos votos para que a “vitória” de Portugal nesta crucial questão dos Fundos seja melhor do que a alegada vitória na questão da quota leiteira para os Açores...
Nesta matéria da União Europeia nós continuamos a insistir no necessário debate e esclarecimento sobre o projecto do novo Tratado para a União Europeia mistificatoriamente designado por “Constituição Europeia” e na importância de se criar um vasto movimento de opinião e luta visando condicionar e impedir a vinculação do governo na Conferência Intergovernamental às orientações que estão ensejadas e muito especialmente à criação na prática de um directório de grandes potências e à institucionalização do modelo neoliberal da economia.
Continuamos a pensar que este debate não deve ser submergido por um debate exclusivamente centrado na questão do referendo com a secundarização das principais orientações de fundo do dito projecto de Constituição.
Quanto ao referendo, como já vários constitucionalistas lembraram é inconstitucional qualquer pergunta do tipo concorda ou não que a Constituição Europeia se sobreponha sobre a Constituição Portuguesa. O referendo deve realizar-se em data e com perguntas que permitam aos portugueses pronunciar-se de forma esclarecida sobre o que efectivamente está em causa, e obrigatoriamente sempre antes da ratificação pela Assembleia da República. Mas antes disso reafirmamos que é necessário o debate e o esclarecimento sobre o conteúdo do novo Tratado.
Não vale a pena ignorar o relevo e o peso que, desde há quase um ano, o chamado processo Casa Pia, tem tido no panorama mediático nacional e, em resultado disso, o que tem significado de concentração de preocupações, atenções e opiniões com manifestos reflexos e consequências negativas sobre o andamento da vida política e sobre o debate de muitos outros importantes e gravíssimos problemas nacionais – reflexos e consequências que, de um ponto de vista político, têm sido em regra muito vantajosos para o Governo do PSD e do CDS-PP.
Mas reconhecer e identificar estes reflexos e consequências é uma coisa e outra muito diferente é, como alguns fazem, supor e decretar que o Governo está há muito sem oposição e todos os descontentamentos e lutas contra a política do Governo se deixarem anestesiar e paralisar.
Para desmentir este sofisma basta olhar, no plano político-partidário, a intensa intervenção do PCP e no plano social o importante caudal de lutas dos trabalhadores e de outras camadas e grupos sociais que, muito longe de ficarem vidrados nas «novidades» de cada telejornal sobre o «processo da Casa Pia», têm trazido para a cena política e social do país um forte testemunho de consciência social e cívica e de grande combatividade.
Aqui queremos reafirmar e sublinhar que, pela nossa parte, o PCP tem sido de uma grande sobriedade e contenção nos seus comentários ou apreciações sobre o processo da Casa Pia e sobre os seus «casos» e incidentes de percurso, nisso se distinguindo de muitos que, um dia, concordam inteiramente com os apelos à serenidade e à contenção e, no dia seguinte, já estão logo outra vez a deitar volumosas achas para a fogueira mediática de um processo onde não têm havido palavras de menos mas palavras a mais.
Que não haja confusões: para o PCP, a questão do «processo da Casa Pia» é um assunto inegavelmente importante sobretudo do ponto de vista do indispensável apuramento da verdade, da incontornável exigência de que se faça verdadeiramente a justiça que se impõe face a gravíssimos crimes cometidos contra crianças e adolescentes que o Estado não soube cuidar ou proteger, da exigência não menor de que tudo se passe no estrito respeito pela legalidade e pelos direitos de todos os cidadãos e de que a interpretação e aplicação em concreto das leis e regras processuais se faça com rigor, com bom senso e também, como é indispensável, com uma sólida cultura democrática.
Ainda a este respeito, e porque este processo desvendou várias décadas de incúria e de insensibilidade na protecção de crianças que foram confiadas à responsabilidade de instituições do Estado, e também porque sobre a nossa sociedade pesa um largo egoísmo, uma grande falta de memória, queremos aqui afirmar que é indispensável que o apoio do Estado às vítimas de abusos e violências na Casa Pia, seja garantido e prolongado para muito depois do julgamento deste processo e em vez de se vir a limitar à fase em que essas vítimas são testemunhas e em que o assunto está nas primeiras páginas dos jornais e no arranque dos telejornais, procurando-se atenuar os efeitos do seu sofrimento e ajudando-se a sua recuperação emocional e a sua plena integração social.
Também com a preocupação de proposta vamos promover no dia 18 deste mês uma Audição na Assembleia da República sobre a situação da justiça e sobre “o acesso ao direito”, tema que será objecto pela nossa parte de um Projecto de Lei a apresentar em breve.
As nossas Jornadas decorrem também num momento em que o Governo se prepara para enviar um contingente da GNR para o Iraque onde inevitavelmente será considerada uma força de ocupação. Os americanos destruíram o Iraque, levaram o caos e a instabilidade, deitaram a mão ao petróleo e agora querem que sejam os outros a pagarem a factura. Por razões de princípio nós somos contra o envio desta força. Mas temos também que questionar o governo que diz não haver dinheiro para as Forças de Segurança, que não há dinheiro para satisfazer justas reivindicações da GNR e que ao mesmo tempo gasta milhões de euros com o envio de uma Força para o Iraque.
Um Governo que enganou os portugueses com as armas de destruição maciça e que continua a lavar as mãos como Pilatos sobre a política criminosa de Sharon. Nós consideramos que o quadro internacional torna particularmente necessário que a par do desenvolvimento da luta em cada país, se reforce e fortaleça a cooperação e a solidariedade de todas as forças de paz e de esquerda.
Façamos destas Jornadas mais um estímulo à nossa intervenção pautada pela denúncia e o combate a malfeitorias e sobretudo pela proposta, mostrando no concreto que há outras medidas e outros caminhos de esperança para os portugueses e para Portugal.