Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Sessão Evocativa «170 anos do Manifesto do Partido Comunista»

170 anos do Manifesto do Partido Comunista

Ver vídeo

''

O Manifesto que aqui evocamos, publicado em Fevereiro de 1848, há 170 anos, foi uma incumbência do II Congresso da Liga dos Comunistas realizado em Dezembro de 1847.

Liga dos Comunistas foi a designação que, por influência de Marx e Engels, substituiu a Liga dos Justos, adoptando como sua divisa «Proletários de todos os países, uni-vos!», apelo que expressava o internacionalismo da classe operária na sua luta comum para pôr fim à dominação e exploração capitalistas.

O II Congresso da Liga dos Comunistas, em que Marx e Engels participaram activamente, aprovou os seus Estatutos que definiam como objectivo da Liga o derrubamento da burguesia, a superação do capitalismo e a fundação de uma nova sociedade sem classes e sem propriedade privada dos principais meios de produção e liberta de instrumentos de exploração.

Estava constituída assim a primeira organização operária internacional dotada de um programa científico e de uma táctica política revolucionária, inspirando e unindo o movimento operário de todos os países.

Um projecto de afirmação autónoma e um programa que partiam de uma rigorosa análise da realidade e da sociedade capitalista do seu tempo e das suas contradições.

O desenvolvimento do capitalismo, por um lado, evidenciando o seu carácter explorador e os flagelos das crises periódicas que lhe são inerentes, levou ao desenvolvimento da consciência de classe de um proletariado cada vez mais numeroso e organizado, e a que a luta económica deste contra a burguesia adquirisse um carácter político; por outro lado, provocando um extraordinário desenvolvimento das forças produtivas, criou as condições materiais da construção de uma nova sociedade.

Estavam criadas as premissas históricas que, «submetidas à crítica dialéctica» (como dirá Engels), tornaram possível a elaboração de uma ciência revolucionária cujos fundamentos estão já presentes no Manifesto do Partido Comunista e que Marx e Engels «exporão abertamente perante o mundo inteiro», como proclamam logo num dos primeiros parágrafos da sua obra.

Ficava assim desmistificada a ameaçadora «lenda do espectro do comunismo» que os poderes constituídos invocavam para perseguir os comunistas e para, apondo ao comunismo um cortejo de calúnias, procurar estigmatizar como comunistas todos os partidos que se lhe opunham.

Mas ficavam também irremediavelmente ultrapassados os projectos minuciosamente elaborados de sociedades ideais perfeitas, concebidos pelos grandes socialistas utópicos como Saint-Simon, Fourier ou Owen, entre outros.

Fruto de um desenvolvimento ainda incipiente do capitalismo, o socialismo utópico conseguiu intuir genialmente traços da futura sociedade socialista, mas não pôde ver na classe operária a força social capaz de, em vez de justapor ao mundo real um mundo ideal, transformar revolucionariamente o mundo em que está inserida e no qual vigoram relações sociais em que os detentores dos meios de produção exploram os que, como anota Engels ao Manifesto, «não tendo meios próprios de produção, estão reduzidos a vender a sua força de trabalho».

Daí que Marx e Engels, por um lado, acentuem no Manifesto que «as proposições teóricas dos comunistas não repousam de modo nenhum em ideias, em princípios que foram inventados ou descobertos por este ou aquele melhorador do mundo», sendo «apenas expressões gerais de relações efectivas de uma luta de classes que existe, de um movimento histórico que se processa diante dos nossos olhos»; e, por outro lado, denunciem que as utopias, passado o tempo histórico que as originou e com a descoberta do socialismo científico, só podem ser doutrinas reaccionárias, como mostrarão no próprio Manifesto.

Se a ruptura que o Manifesto representou ao dotar pela primeira vez a classe operária de um documento programático, cientificamente fundamentado, que lhe indicava o caminho da sua libertação do jugo do capital não podia deixar de fazer «as classes dominantes tremer ante a revolução comunista», como o Manifesto sublinhava não podia deixar de se tornar também, como se tornou, a obra mais amplamente divulgada no plano internacional de toda a literatura socialista: o programa comum de muitos milhões de operários de todo o mundo!

Para isso muito contribuíram quer a forma de organização e a escrita do Manifesto, saída da mão de Marx, quer a abrangência do seu conteúdo reunindo as ideias dos seus dois autores. Lénine expressou bem estes dois aspectos ao escrever que «esta obra expõe, com uma clareza e um vigor geniais, a nova concepção do mundo: o materialismo consequente aplicado também ao domínio da vida social, a dialéctica como a doutrina mais vasta e mais profunda do desenvolvimento, a teoria da luta de classes e do papel revolucionário histórico universal do proletariado, criador de uma sociedade nova, a sociedade comunista».

Dizia também Lénine que «este pequeno livrinho vale por tomos inteiros». Não admira, pois, que ao longo dos 170 anos decorridos desde a sua publicação, apesar de todas as transformações no desenvolvimento do capitalismo, ele tenha continuado e continue a alimentar a reflexão daqueles que nunca desistiram da luta pela transformação do mundo e, claro está, tenha continuado e continue a ser alvo dos ataques e deturpações dos arautos das classes dominantes, cuja dominação e privilégios de classe são por ele postos inapelavelmente em causa.

E assim é, porque a riqueza do Manifesto é inquestionável e vasta pelas questões nele contidas. Desde logo a que diz respeito ao carácter contraditório do desenvolvimento do capitalismo. Se o capitalismo, por um lado, como se lê no Manifesto, «criou forças de produção mais massivas e colossais do que todas as gerações passadas juntas», por outro lado, «de há decénios para cá, a história da indústria e do comércio é apenas a história das modernas forças produtivas contra as modernas relações de produção, contra as relações de propriedade que são as condições de vida da burguesia e da sua dominação».

Expressão disso, menciona o Manifesto, são as recorrentes «crises comerciais» que fazem retroceder de repente a sociedade «a um estado de momentânea barbárie» e «a indústria, o comércio, parecem aniquilados». Mas contra qualquer concepção de um determinismo economicista do colapso do capitalismo, Marx e Engels claramente afirmam: «a burguesia não forjou apenas as armas que lhe trazem a morte; também gerou os homens que manejarão essas armas — os operários modernos, os proletários.» ou como hoje dizemos, a classe operária e o conjunto dos trabalhadores assalariados que apenas têm para vender a sua força de trabalho.

As determinações objectivas requerem a decisiva intervenção subjectiva. Daí a conhecida afirmação com que se inicia o primeiro capítulo do Manifesto: «A história de toda a sociedade até aqui é a história de lutas de classes.»

Também na sociedade capitalista. Nesta, os protagonistas principais da luta de classes são a burguesia e o proletariado pois é entre eles que existe uma contradição de interesses antagónica.

Por isso, os autores do Manifesto acentuam que «de todas as classes que hoje defrontam a burguesia só o proletariado é uma classe realmente revolucionária».

Arruinados e em decadência pelo desenvolvimento do capitalismo, o campesinato e as camadas médias só unindo-se à classe operária e sob a direcção desta podem contribuir para a revolução. Por sua vez, o papel da classe operária não se limita apenas à luta pela sua libertação, pois «nada tendo de seu a assegurar», segundo as palavras do Manifesto, pode lutar também pela libertação de todos os oprimidos e explorados.

A burguesia não abandona de livre vontade o poder que lhe permite impor às classes e camadas médias a sua exploração. Só por uma acesa luta de classes culminando numa revolução o proletariado poderá retirar o poder à burguesia e fundar a sua dominação.

Porém, esta dominação distingue-se da de todas as classes anteriores, dado ser a expressão «da maioria imensa no interesse da maioria imensa». Por isso, Marx e Engels identificarão «a elevação do proletariado a classe dominante» com a «conquista da democracia pela luta».

Para Marx e para Engels, o exercício do poder proletário visa «arrancar a pouco e pouco todo o capital à burguesia» e «multiplicar o mais rapidamente possível a massa das forças de produção», o que naturalmente exige, como eles advertem, intervenções coercivas «no direito de propriedade e nas relações de produção burguesas» traduzidas em medidas que, acentuam, «serão naturalmente diversas consoante os diversos países», mas que têm o mesmo objectivo: com a supressão das «velhas relações de produção», suprimir «juntamente com estas relações de produção as condições de existência da oposição de classes, as classes em geral e, com isto, a sua própria dominação como classe».

Assim à sociedade burguesa com as suas classes antagónicas sucederá, segundo a feliz e concisa expressão do Manifesto, «uma associação em que o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos».

O Manifesto, como afirmou Álvaro Cunhal “lançou e promoveu uma luta revolucionária de alcance universal: a luta dos comunistas que marcou e determinou as principais realizações e conquistas de transformação social desde então até aos nossos dias”.

Uma luta em que os comunistas se confirmaram como os mais consequentes e devotados lutadores pelos interesses das grandes massas de explorados e oprimidos, os mais perseguidos pelas classes dominantes mas também os mais corajosos e os mais confiantes na possibilidade e necessidade de construir uma nova sociedade finalmente livre de todas as formas de exploração e opressão.

Uma luta em que os comunistas, estreitamente ligados aos trabalhadores, fazendo da luta popular de massas “o motor da revolução”, afirmando a independência ideológica, política e organizativa do seu partido de vanguarda e, ao mesmo tempo, promovendo a aliança da classe operária com as demais classes e camadas exploradas e oprimidas pelo capital, combinando a luta por objectivos concretos e imediatos com a luta pelo objectivo supremo do socialismo e do comunismo, se transformaram numa grande força política que exerceu uma influência determinante na marcha do mundo nos 170 anos que nos separam do lançamento do Manifesto.

Para enfrentar com confiança as complexas tarefas que hoje se colocam ao movimento comunista e revolucionário internacional, não podemos permitir que esta realidade seja ignorada nem que sejam esquecidas as grandes transformações democráticas alcançadas pela luta da classe operária no quadro do próprio sistema capitalista, ou o gigantesco movimento de libertação anti-colonial impulsionado pela tese marxista de que “não pode ser livre um povo que oprime outros povos”, e muito menos o significado universal da Revolução de Outubro e os projectos de construção da sociedade socialista que, apesar das derrotas sofridas, confirmaram não só a possibilidade de reorganizar a sociedade no interesse dos trabalhadores como a superioridade do socialismo sobre o capitalismo.

Porque, ao contrário do que pretendem os detractores do Manifesto ou aqueles que pretendem opor Marx a Lénine – e negar a sua genial contribuição para o desenvolvimento do marxismo na época do imperialismo - aquilo que estas derrotas significam não é o “fracasso do comunismo” mas o afastamento e, em certos casos, a negação de princípios fundamentais do Manifesto e do socialismo científico, relativas ao exercício do poder, à estrutura económica, ao partido e sua ligação aos trabalhadores, ao carácter anti-dogmático da teoria marxista, ao papel criativo das massas no processo de construção do socialismo. As derrotas do socialismo não contradizem, antes confirmam a vitalidade das teses centrais do pensamento de Marx e do marxismo.

O marxismo não é um dogma mas um guia para a acção, acção que para ser consequente tem de assentar na análise concreta da situação concreta, a qual, como ensinou Lénine “é a alma do marxismo”. No marxismo teoria e prática estão dialecticamente articulados e, longe de cristalizado e imutável, o marxismo desenvolve-se em função dos novos conhecimentos, realidades e experiências resultantes do processo revolucionário. Um processo que é irregular e acidentado, feito de avanços e recuos, de vitórias e derrotas, mas cujo sentido é o da liberdade, do progresso social e do socialismo. A complexidade e os perigos da actual situação internacional não põem em causa esta realidade, sendo oportuno sublinhar uma vez mais a conhecida tese do nosso Partido de que grandes perigos coexistem com grandes potencialidades de desenvolvimentos progressistas e revolucionários. A questão está em resistir e persistir com confiança na força da luta organizada da classe operária e das massas populares, no caminho apontado pelo primeiro programa comunista, o Manifesto do Partido Comunista.

170 anos passados sobre o Manifesto o mundo conheceu profundas transformações em todos os domínios: económico, social, cultural, científico e técnico, ideológico. Mas os princípios e conceitos fundamentais do marxismo mantêm plena actualidade.

Uma actualidade que se evidencia nos traços essenciais e estruturantes da ordem capitalista do seu tempo e que persistem nos dias de hoje. Está no que projecta sobre a sua dinâmica de desenvolvimento e que em aspectos nucleares a vida tem confirmado. Está no papel que revela e reserva, desde logo, a essa questão chave, que desde sempre fez e faz andar a roda da história e lhe molda os contornos do devir – a luta de classes.

Essa luta força motriz das transformações sociais que a ideologia da burguesia dominante se esforça por negar, mas que continua a irromper pela nossa actualidade, fazendo acontecer e que permanece como elemento fundamental para análise, explicação e compreensão não apenas da história universal, mas da nossa própria história, do suceder no nosso próprio País, em todas as fases da vida política nacional.

Luta de classes que se mostra com clareza e na sua plenitude, nos momentos de aguda confrontação social e revolucionária, como na Revolução de Abril, onde os antagonismos de classe se mostraram particularmente agudos não apenas na dimensão política e social, mas na dimensão económica, onde se opunham e confrontavam os interesses de classe da burguesia monopolista e latifundiária, suporte do regime fascista e detentora dos principais meios de produção, utilizados como instrumentos de exploração de um povo e a classe operária, os trabalhadores e o conjunto das camadas antimonopolistas. Uma luta que permitiu grandes e profundas transformações que conduziram à liquidação dos monopólios e do seu domínio nos sectores chave da economia nacional, colocando-os ao serviço do povo e do desenvolvimento económico.

Tal como se mostrou no longo período de resistência à ofensiva capitalista e restauração monopolista que se seguiu à Revolução de Abril, com o apoio e a iniciativa no plano político de PS, PSD e CDS que, a partir das posições hegemónicas que ocuparam no aparelho de Estado nas últimas quatro décadas, impuseram coercivamente a quase total privatização dos sectores estratégicos a favor dos grupos monopolistas nacionais e estrangeiros com consequências destruidoras da capacidade produtiva nacional que conduziram o País a uma situação de debilidade estrutural e de crise, ao mesmo tempo que promoviam políticas de retrocesso social e laboral de aprofundamento da exploração do trabalho e de degradação das condições de vida das classes e camadas populares.

Luta que flui, mesmo quando aparenta quietude e que hoje continua, entre os detentores desses interesses monopolistas que visam a consolidação das posições adquiridas e dos retrocessos sociais impostos nestes últimos anos e as largas e diversificadas camadas dos trabalhadores assalariados dos sectores privado e público pela defesa, reposição e conquista de direitos e rendimentos, por melhores salários, contra a precariedade, a desregulação dos horários de trabalho e por alterações nas leis laborais de efectiva defesa de quem trabalha, mas também de outras camadas da população que confluem com a sua acção em defesa dos direitos à saúde, à educação, à segurança social, à habitação e ao transporte, pelo direito do povo a decidir do seu futuro.

Actualidade que se expressa também quando o Manifesto sublinha que a pedra angular do novo sistema económico e social é a propriedade social dos meios de produção. Sem a apropriação colectiva das empresas básicas e estratégicas, qualquer governar à esquerda, qualquer «modelo» de socialismo, por mais bonitas e atraentes que sejam as suas roupagens, revelar-se-á extinto e ineficaz nos seus objectivos emancipadores e de promoção do desenvolvimento, de progresso social, de elevação das condições de vida dos trabalhadores e do povo.

E esta é uma questão que é hoje tão justa como na época de Marx, senão mais justa, face ao nível de concentração e centralização verificado e ao refinamento da natureza exploradora do capitalismo nesta sua fase imperialista.

Uma questão que é transversal nas propostas do PCP para uma Política Patriótica e de Esquerda pela concretização da qual neste momento lutamos, mas igualmente no seu projecto de Democracia Avançada que aspiramos a construir na actual etapa histórica e que é parte integrante da luta pelo socialismo.

A evolução do capitalismo em Portugal mostra a cada dia que passa e perante os escândalos e a evolução do sector financeiro e a acção de rapina dos grupos económicos monopolistas, a importância da garantia do controlo público da banca e da recuperação para o sector público dos sectores básicos estratégicos da economia, para assegurar o desenvolvimento soberano do País e a elevação das condições de vida do povo.

A previsão no Manifesto que o capitalismo, depois do papel progressista que desempenhou na liquidação do feudalismo, evoluiria num sentido crescentemente reaccionário e destruidor confirma-se plenamente em todos os domínios.

Perante o aprofundamento da sua crise estrutural e incapaz de ultrapassar as suas insanáveis contradições, o capitalismo assume de forma crescente a sua vertente destruidora de vidas e de recursos ou como afirmavam Marx e Engels noutro registo “No desenvolvimento das forças produtivas atinge-se um estádio no qual se produzem forças de produção e meios de intercâmbio que, sob as relações vigentes, só causam desgraça, que já não são forças de produção mas de destruição...”

E a sua acção de força destrutiva está aí diante de nós, num mundo cada vez mais marcado por uma violenta ofensiva do imperialismo, em que é real o perigo de regressão civilizacional e mesmo de holocausto nuclear.

A persistente escalada de tensão e provocação que se verifica, as operações de ingerência e guerras de agressão, se não forem travadas, conduzirão a Humanidade à catástrofe. O sofrimento de milhões de pessoas assume hoje uma dimensão brutal. Cerca de 1/5 da população mundial vive afectado por conflitos

Como assinalou o nosso XX Congresso: a guerra surge cada vez mais como a resposta do imperialismo à crise do seu sistema de exploração e opressão.

Uma resposta dirigida contra todos aqueles que considera serem um obstáculo aos seus intentos, em defesa da hegemonia mundial das grandes potências imperialistas, a começar pelos EUA, e do domínio dos grandes grupos económicos e financeiros que determinam o poder político e mostram ser capazes dos maiores crimes para defender o seu poder.

Uma acção predadora e destruidora sustentada nos mais sofisticados e potentes meios e instrumentos de difusão de informação e de domínio ideológico, nomeadamente os grandes meios de comunicação de massas de influência planetária, cada vez mais centralizados e sob o domínio das classes dominantes, onde impera a desinformação, a intoxicação e a manipulação das consciências para servir os seus interesses.

Diziam Marx e Engels que “as ideias de uma época foram sempre apenas as ideias da classe dominante” e é para assegurar que assim seja, que a burguesia dominante actua e age.

Toda uma situação que coloca exigentes responsabilidades aos comunistas e a necessidade de fortalecer a convergência e a cooperação das forças patrióticas, progressistas e revolucionárias, numa ampla frente anti-imperialista, que contrarie a ofensiva do imperialismo e abra caminho à construção de uma nova ordem internacional, de paz, soberania e progresso social.

Os que lá do alto dos seus privilégios glorificam o capitalismo como último dos sistemas de organização social dos homens, não apagam o rasto de violência, exploração, dominação e rapina devastadora de recursos que desde Marx o mundo conheceu e conhece. Não apaga a realidade da acentuação das desigualdades do planeta e a sua expressão, inclusive nos países mais desenvolvidos. Não apaga o escandaloso e contínuo processo de concentração e centralização de riqueza nas mãos de uma escassíssima minoria possidente, detentora dos grupos económicos transnacionais e os ligados à grande especulação financeira, que ano após ano acumulam uma incomensurável riqueza, como o revelam as mais diversificadas fontes, mesmo as mais insuspeitas, como as agências de notação financeira, à custa do árduo trabalho de milhões e milhões em todo o mundo.

No ano que findou, 2017, foi mais um ano de acumulação e concentração. As 500 pessoas mais ricas do planeta ficaram 1 bilião de dólares mais ricas do que em 2016.

Assim se alarga o fosso das desigualdades e o número de países onde o peso dos rendimentos do 1% mais rico da população é igual à riqueza dos 99% restantes. Em Portugal, é a mesma lógica de aprofundamento das desigualdades que impera.

A extraordinária centralização do capital no plano planetário, onde cerca de um milhar e meio de grandes empresas multinacionais controlam hoje mais de 60% da economia mundial e com ela a crescente concentração também do seu poder em instâncias supranacionais dominadas pelas principais potências que agem em seu nome, tal como o conjunto dos seus governos nacionais que hegemonizam, reflecte bem o acerto das previsões do Manifesto sobre o processo de mundialização capitalista e suas consequências na vida dos trabalhadores e dos povos, em resultado da dinâmica exploradora e recolonizadora de nível global que a sua própria natureza e sobrevivência impunha.

Esse processo de expansão mundial que se intensificou nos últimos anos, com a denominação de globalização capitalista, essa expressão transformada de uma tendência que o Manifesto identificou quando mostrava que “a burguesia não pode existir sem revolucionar continuamente os instrumentos de produção” ao mesmo tempo que revelava que esta transportava uma tendência de expansão universal, bem expressa na afirmação: - “a necessidade de um mercado em constante expansão para os seus produtos, lança a burguesia,(ou seja o capitalismo) por todo o globo terrestre, criando um mundo à sua imagem, desde a esfera económica aos domínios da política e da cultura”, sustentando “a acumulação da riqueza nas mãos privadas”.

Uma tendência que mais que expressar a inevitabilidade de um movimento eterno lhe determina antes, os seus limites históricos, enquanto formação económica e social, acentuando as suas contradições e, particularmente, a sua contradição fundamental – aquela que resulta do crescente alargamento do carácter social da produção e a sua apropriação privada, que aprofunda a sua natureza exploradora, opressiva e predadora.

Nestas quase duas primeiras décadas do século XXI essa natureza revela-se de forma dramática, para além do aumento das desigualdades na distribuição da riqueza quer entre classes, quer entre países, na intensificação da apropriação das conquistas da ciência e da técnica pelo grande capital, pelo ataque às soberanias nacionais, pela intensificação da exploração do trabalho, pela redução ou destruição de direitos laborais e sociais, pelo uso da dívida externa como instrumento de domínio económico e político, por um incessante crescimento do grau de financeirização do capital, por um cada vez maior saque de recursos naturais e riquezas aos «países em desenvolvimento».

Liberto do condicionamento da existência da URSS e do sistema socialista mundial, impulsionado pelo desenvolvimento impetuoso da chamada revolução tecnológica digital, o capitalismo tomou o “freio nos dentes” na procura de garantir a máxima taxa de lucro, impondo de forma sistemática o nivelamento por baixo das condições de trabalho, rebaixando salários e liquidando direitos, aumentando o tempo de trabalho, impondo novas formas de exploração e levando a precarização das relações de trabalho para níveis cada vez mais próximos da realidade laboral do século XIX.

Novas formas de exploração que não se limitam a essas muito proclamadas e modernas formas de actividade das plataformas digitais, onde a precarização das relações de trabalho assumem as mais mirabolantes formas de exploração que vão desde aquelas que agrupam pessoas, que denominam “ trabalhadores na nuvem”, desempenhando uma tarefa colectiva e onde cada um é pago à peça ou à tarefa executada ou às plataformas de recrutamento de trabalho temporário e de contrato com “horário zero”.

Formas de organização de trabalho onde predomina a generalização do trabalho irregular, a tempo parcial, a prazo, ao dia e à hora, sem horários, sem dias de descanso, sem condições, sem direitos, com as ferramentas e os equipamentos e meios de trabalho a cargo dos próprios trabalhadores, mas também a exigência de disponibilidade 24 horas por dia e de flexibilidade de horário e com o patronato desobrigado relativamente às férias, feriados e outras condições de trabalho que constituem direitos do trabalhador.

Novas formas de exploração que não são exclusivas da utilização das novas tecnologias, mas que estão presentes nas outras formas de organização da produção e da distribuição que se traduzem na imposição de trabalho forçado e não remunerado, nomeadamente com a redução de dias de férias e corte de dias de descanso obrigatório, mas também através de outros mecanismos, tais como as novas flexibilidades na organização do tempo de trabalho: banco de horas; adaptabilidade individual; adaptabilidade grupal; tempo de disponibilidade; trabalho a tempo parcial com intermitências.

Novas formas de exploração que são potenciadas pela liquidação do direito de contratação colectiva para rebaixar salários e liquidar direitos, incluindo o direito à greve.

Os avanços da ciência e da tecnologia, que deveriam servir para libertar e facilitar a vida dos povos, são objecto de uma exclusiva apropriação dos ganhos pelo capital.

As promessas de que a globalização capitalista e o avanço tecnológico permitiriam reduzir as desigualdades, aumentar salários e reduzir horários desapareceram na voragem de um capitalismo que há muito deixou cair a máscara que o apresentava de rosto humano.

Nada mais contrário à essência do materialismo dialético e histórico não reconhecer e ter em conta as profundas alterações verificadas no mundo desde o tempo do Manifesto e pretender encontrar nele ou em geral no acervo marxista a resposta pronta para os problemas do mundo contemporâneo. Sim, o mundo mudou muito, mas não mudou a natureza exploradora do capitalismo e a exigência da sua superação revolucionária. Mais ainda. O desenvolvimento do capitalismo, a época da passagem do capitalismo ao socialismo inaugurada pela Revolução de Outubro, a globalização imperialista, a centralização e concentração sem precedentes do capital, a crescente polarização social, tudo isto significa que as condições materiais objectivas para a passagem ao socialismo estão cada vez mais maduras. Mas o capitalismo não cairá por si. A sua superação exige a intervenção revolucionária da classe operária e das massas, exige a intervenção de fortes partidos comunistas e do fortalecimento da sua cooperação e solidariedade internacionalista levando à prática a célebre palavra de ordem do Manifesto: proletários de todos os países, uni-vos!. O PCP fará tudo o que estiver ao seu alcance pela unidade e reforço do movimento comunista e revolucionário internacional e o fortalecimento da frente mundial anti-imperialista.

O Manifesto tem naturalmente as marcas do seu tempo. Mas nele encontraremos não apenas a recusa das fatalidades do actual viver social e a rejeição das verdades absolutas e eternas no seu dialéctico olhar e apreender do mundo, mas também o incitamento à audácia do pensamento e da acção.

Ler e reler o Manifesto é ainda a melhor forma da sua evocação e uma necessidade para quem luta com olhos postos no futuro.

Ele está presente como instrumento de combate, não como uma receita, mas como uma permanente interpelação, como um desafio sistemático à necessidade de apreender a realidade do capitalismo dos nossos dias e as suas contradições; como um apelo persistente à avaliação das nossas experiências e das experiências alheias, lá aonde há vitórias, mas também onde a derrota ou revés se impôs, para de umas e de outras tirar lições e continuar a luta, como fizeram os seus próprios autores perante os acontecimentos da Comuna de Paris e fazemos hoje face às derrotas da Revolução de Outubro. O Manifesto é um chamamento ao tomar partido, com o Partido da classe operária e de todos os trabalhadores, cada vez mais robustecido, na transformação revolucionária da sociedade e na construção de mundo liberto de exploração e opressão capitalistas – um chamamento à luta pela emancipação dos trabalhadores e dos povos.

Comemoramos 170 anos do Manifesto reafirmando o compromisso do PCP com o projecto comunista. Um projecto que o PCP tudo fará para continuar a honrar, cumprindo as suas responsabilidades nacionais e internacionais de grande força da liberdade, da democracia, do progresso social, do socialismo, ao serviço dos trabalhadores, do povo e do País.

  • II Centenário de Karl Marx
  • Central
  • Engels
  • Friedrich Engels
  • Karl Marx
  • Manifesto do Partido Comunista
  • Marx