Afinal a história não se finou em 1989! Aí está a crise profunda, global, densa, sistémica do capitalismo. A provar que a sua natureza, exploradora, opressora, agressiva, predadora não resultava da competição com a URSS e o mundo socialista. Era, é, intrínseca ao sistema. A sua localização no centro do capitalismo não é um acaso. As causas dos problemas dos trabalhadores e dos povos são inerentes ao sistema, vivem dentro do sistema. E a responsabilidade da social-democracia, dos conservadores e outras forças de direita, resulta da sua indefectível assumpção do sistema capitalista.
A crise arrasta com fragor na sua torrente espectaculares falhanços económicos – caso do euro – falências monstruosas, bolhas especulativas – o sistema rebenta pelas costuras inchado de liquidez e lixo tóxico. Afunda países e regiões, desvenda paraísos fiscais que são o inferno dos povos e o céu e a lavandaria do grande capital, dos traficantes de armas, droga e órgãos. Produz a estagnação e a recessão.
As consequências sociais são dramáticas. As consequências políticas não são de menor monta.
A principal construção do capitalismo na Europa, a União Europeia, mete água por todos os lados.
E a guerra – sempre uma solução do capitalismo e do imperialismo para as suas crises – aí está, como diria Vieira, devorando “vidas e fazendas”.
A dimensão da crise mede-se pelo retorno em força das velhas soluções para responder à queda tendencial da taxa de lucro. A redução dos salários e o prolongamento da jornada de trabalho, ou seja, o aumento da exploração, pela desregulamentação e liberalização do mercado da força de trabalho e a imposições políticas.
A explosão da financeirização, desvia elevadas massas monetárias do investimento produtivo, travando assim a solução clássica - aumento da composição técnica do capital - para travar o declínio das taxas de lucro.
Aprofunda-se a crise de realização de mais valia. E elevados volumes de capital transmutam-se em capital fictício e lixo financeiro tóxico.
O sector financeiro, que desencadeia o pico da crise em 2007, despeja em cima dos Estados biliões de euros e dólares das suas privadas dívidas, somando novos problemas, a fragilização financeira e estrutural dos Estados e brutais restrições orçamentais.
A ideologia dominante, do capital, tem de continuar a dizer que tudo correu bem, salvo alguns pequenos defeitos... a corrigir. É a negação da crise. Vai insistir enfaticamente, que não há alternativa. Vão proclamar que não há salvação fora do capitalismo.
Com duas linhas vermelhas: a recusa de ver o capitalismo como causa dos problemas presentes dos povos; a ocultação e silenciamento de que a crise pôs em causa as bases «teóricas» do capitalismo e a sua sustentação apologética e propagandística. Recordo: após a queda da URSS, decretaram o capitalismo como último estádio do desenvolvimento da humanidade, «o fim da história»...e logo a eliminação de qualquer possível alternativa ao capitalismo.
É importante ver claro na escuridão das explicações da direita e social-democracia. Mesmo se elas são incapazes de resolver o que quer que seja. Porque mais não fazem que ocultarem a raiz capitalista da crise, promoverem o confusionismo ideológico e político e tentarem a diversão das massas da organização e luta.
Inventam, «bodes expiatórios» para explicar o que não podia ter falhado – o «funcionamento» do capitalismo. Indiciam razões da ordem da ética, da «crise dos valores, cívicos, morais». A crise das «elites» é a justificação repetida para a crise da União Europeia, sem líderes à altura do (mito) dos «pais fundadores».
Ou ainda a ganância dos gestores e titulares do capital. E a resposta é a Responsabilidade Social da Empresa. Contra a ganância a empresa ética, e o gestor com consciência social.
Cabem aqui os bancos alimentares, a sua versão financeira, o microcrédito, as ONG “humanitárias” e a exploração do «voluntariado».
Mas o centro da resposta à crise estrutural do capitalismo passa pela revolução das forças produtivas. Responder à queda tendencial da taxa de lucro, pelo aumento da produtividade, assegurando vantagens concorrenciais. (Há no entanto um pequeno problema descoberto por Marx: a substituição de trabalho vivo (trabalhadores) por trabalho morto (máquinas, sejam elas computadores), reduz a produção de mais valia e logo a prazo reduz a taxa de lucro, e lá voltamos à cegarrega…)
O capitalismo não vive sem revolucionar permanentemente as forças produtivas. As novas tecnologias são apresentadas como prova do sucesso do sistema. E faz jeito na justificação do desemprego: não é o capital que desemprega, é a nova tecnologia.
Agora chegou o Capitalismo 4.0: a robotização, a «fusão da tecnologia digital e Internet com a indústria convencional». A anunciada 4ª Revolução Industrial, anuncia o desaparecimento de empregos, substituindo trabalho por máquinas, agora dotadas de «inteligência». O capital quer concretizar um velho sonho: lucros sem trabalhadores.
De facto, o que a nova revolução tecnológica, prenuncia é a caducidade do trabalho submetido à relação social capitalista de opressão e exploração.
Qual é a versão da crise do capitalismo em Portugal? Versões que têm sempre por base a justificação, a defesa e absolvição, de 40 anos de política de recuperação capitalista, latifundista e imperialista.
A primeira é uma «nacionalização» da crise, reduzindo-a a um exclusivo problema «interno» de Portugal. Por vezes mesmo da responsabilidade de todo o povo porque elegeu gente responsável pelas desgraças. Como se não houvesse integração capitalista europeia, o seu mercado único e o euro. Como se não existisse a globalização capitalista, a livre circulação de capitais e tratados de livre comércio.
Depois é a corrupção, a promiscuidade e o roubo de bens públicos assacando-lhe a responsabilidade da Dívida Pública, enquanto se absolve a política de direita. É também a tese da «falência moral do capitalismo», constatando-se e cito «a degradação do capitalismo como livre empresa balizada por regras morais e códigos de conduta auto-regrados».
E é a «ideologia» (de esquerda, naturalmente) meter-se, sem ser chamada, nas decisões políticas, sem ter em conta a «realidade/racionalidade económicas». Teses onde a «realidade» uma segunda natureza, regida pela «ciência» económica de Cavaco Silva e Teodora Cardoso.
Mas as mais interessantes são as teorizações da idiossincrasia do capitalismo português. Em particular de um «capitalismo sem capital» e da «má qualidade dos capitalistas portugueses». O problema não é do capitalismo, é da sua versão portuguesa! Daí os apelos dramáticos ao capital e capitalistas estrangeiros.
O capital anda à rasca! Os teóricos do capitalismo, os seus ideólogos, os seus políticos, a oligarquia financeira andam preocupados com a crise...
Então isto não estava resolvido de uma vez por todas desde a queda do muro? E uma, como disse alguém «obscura inquietação, uma confusa consciência de que o sistema poderá estar em causa, talvez ameaçado», turva o seu ser.
A «democracia» não funciona como eles queriam. Há resultados surpreendentes e são eleitas estranhas personagens. Os referendos não decidem, conforme a vontade dos oligarcas. É a ingratidão, quando não ignorância, dos povos, os populismos, radicalismos e extremismos.
É por isso que o anticomunismo regurgita como sempre fétido, grosso e fraudulento. É por isso que muitos são os mercenários escrevinhadores a reescrever a história. É por isso que vivemos um tempo de muitas palavras, muitas imagens, muitos factos sobre o real para melhor esconder a realidade. Um tempo de pós verdade, pós política, fora das ideologias. De algaraviadas e amálgamas discursivas sobre os extremos que se tocam ou de que no «meio» está a virtude, para ocultar as responsabilidades políticas desse «meio», para negar alternativas fora do capital!
É um sistema a implodir de novas e velhas contradições. Pela incapacidade e impotência de as resolver, das oligarquias dominantes, a não ser com mais exploração e opressão.
Confirmado está o amadurecimento das condições objectivas para a superação revolucionária do capitalismo. Mas não vai morrer de morte natural por mais crises e guerras que possa parir. Nada está decidido.
São as lutas de massas, as lutas dos povos que o vão decidir. E é essa a nossa batalha, desenvolver a organização e a luta. Sem nos rendermos ao capitalismo.
A nossa intervenção tem de assegurar:
O combate ao capitalismo, às suas lógicas, mecanismos e objectivos, responsáveis pela crise;
A luta pelo socialismo, como única alternativa real.
Com uma grande confiança pela validade teórica e prática das teses dos construtores do movimento operário e socialista. Dos progressos sociais e civilizacionais abertos pela Revolução de Outubro. Pesem derrotas históricas, a humanidade avançou.
Confiança pela longa história de luta do PCP, pelo seu povo, por Portugal. E é o Partido que fomos, somos e vamos continuar a ser, o tempo e o espaço onde enraizámos esta força de determinação, de transformação, de revolução.