Declaração política sobre o empenho demonstrado pelos trabalhadores na luta pela defesa dos seus direitos e considerações sobre o que se entende ser o significado dos resultados negativos apresentados pela banca portuguesa no ano de 2011
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
O Governo e a troica estrangeira que hoje regressa a Portugal não podem ignorar a voz da revolta e do protesto das trabalhadoras e dos trabalhadores que, no passado sábado, vindos aos milhares, de todo o País, inundaram o Terreiro do Paço e o transformaram numa torrente de povo contra o pacto de agressão imposto a Portugal pelas mãos do PS, do PSD e do CDS-PP.
«O FMI não manda aqui!», gritaram centenas de milhares no passado sábado.
Sim, Srs. Deputados, ouçam bem o povo: nem o FMI, nem a União Europeia ou o Banco Central Europeu mandam nos trabalhadores portugueses; nem a Sr.ª Merkel, o seu Ministro das Finanças ou o alemão Presidente do Parlamento Europeu mandam em Portugal. Podem mandar ou comandar o Governo português, podem mandar ou comandar os partidos que subscreveram o Memorando da troica, mas nunca mandarão no nosso povo, não conseguirão nunca levar o nosso País ao declínio ou à pobreza generalizada, não 16 DE FEVEREIRO DE 2012 17
conseguirão nunca fazer-nos regressar aos níveis de exploração e ao desprezo pelos direitos, semelhante aos que existiam em Portugal há 38 anos!!
A grandiosa manifestação dos trabalhadores portugueses no sábado, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, não foi só a expressão da luta combativa contra as imposições das «troicas» e de profunda confiança no futuro; foi também a demonstração viva de que a velha teoria das inevitabilidades, o estafado coro da ausência de alternativas e a chantagem ou as ameaças sobre quem trabalha, sobre os pequenos empresários e a generalidade do nosso povo têm os dias contados e, mais tarde ou mais cedo, irão parar ao caixote do lixo da história.
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Na semana passada, a banca portuguesa apresentou os resultados de 2011. Os resultados negativos superiores a 1000 milhões de euros constituem uma espécie de megaoperação contabilística, certamente concertada com o Banco de Portugal e que também conta com o apoio e a participação ativa do nosso Governo.
São pelo menos quatro os objetivos desta operação contabilística.
Primeiro, ilibar os acionistas das suas responsabilidades por anos de administrações irresponsáveis e imprudentes, só vocacionadas para a obtenção de lucros fáceis, para proporcionar distribuições de dividendos milionárias e para receber prémios tão chorudos quanto imorais.
Segundo, justificar com estes prejuízos negativos novos financiamentos do Estado, isto é, mais transferências de capital feitas à custa dos contribuintes e dos impostos de quem trabalha, importando, aliás, afirmar com clareza que esses prejuízos se explicam porque os bancos decidiram, concertadamente, concentrar em 2011 situações que nunca quiseram tratar e que se arrastavam há anos sem expressão em resultados.
Terceiro, evitar, através desses financiamentos do Estado — que alguns banqueiros, descaradamente, até fingem rejeitar —, que as necessidades de recapitalização, de reforço de provisionamento ou de aumento de liquidez sejam apenas resolvidas pelos acionistas privados, afinal, os únicos responsáveis pela situação criada.
Quarto e último objetivo desta operação: fazer crer ao País e aos portugueses que os sacrifícios são para todos e até já atingem a banca e o sistema financeiro, numa inqualificável, inaceitável e mistificadora operação ideológica.
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Como é que o País pode aceitar que estes prejuízos traduzam uma distribuição equitativa de sacrifícios quando, no preciso momento em que apresentam resultados negativos, o Banco de Portugal e o Primeiro-Ministro vêm a terreiro, em coro bem afinado com os banqueiros, afirmar que os bancos estão mais fortes do que nunca?
Como é que se pode aceitar que os fundos de pensões não estivessem devidamente suportados e o regulador não tivesse imposto taxas de desconto adequadas? Quem são os responsáveis? E como se pode aceitar que seja agora o Estado a financiar, em centenas de milhões de euros, a recapitalização imposta pelo insuficiente provisionamento?
Como se pode aceitar que os níveis de capitais próprios, fixados há muito, não estivessem a ser cumpridos pela banca e isso só ocorra em 2011? E como se compreende que, também aqui, seja o Estado a suprir, com dinheiros de todos nós, o desleixo irresponsável dos banqueiros?
Como se pode aceitar que a invocação da pretensa falta de liquidez conduza o Estado a devolver à banca a quase totalidade dos fundos de pensões para comprar antecipadamente créditos de empresas públicas?
E, finalmente, como se pode aceitar que só em 2011 se contabilizem imparidades com muitos anos, incluindo a exposição à dívida grega, com a qual tanto ganharam os bancos, quando se financiavam a 1% no BCE para cobrarem 7 ou 8% aos gregos?
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Foi quase comovente a forma como os banqueiros apresentaram os resultados de 2011, alijando responsabilidades e atribuindo-as a um conjunto de adversidades quase inesperadas a que terão sido sujeitos. Como alguém bem disse, só lhes faltou dizer que os principais responsáveis pelos prejuízos da banca foram os cidadãos, ou seja, as principais vítimas da gestão agiota dos bancos.
Fiquem, porém, os banqueiros seguros de que o combate aos privilégios fiscais de que beneficiam e o combate à proteção inaceitável que continuam a receber do poder político continuará a ser objeto central da ação e da luta do PCP.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Pedro Filipe Soares,
Muito obrigado pelas perguntas e observações que fez. As afirmações que produziu vêm, no essencial, ao encontro daquilo que referi na tribuna. Permita-me que diga, de uma forma clara, que não estranho o silêncio das bancadas da direita e do Partido Socialista nesta matéria.
Não estranho o silêncio da troica, porque o programa de austeridade que nos impuseram, em maio do ano passado, tem uma componente essencial: salvar os interesses da banca, salvar os interesses financeiros. E aqui está o silêncio dos três grupos parlamentares para confirmar esta componente essencial!
Quando os bancos, em 2011, colocam como prejuízos os provisionamentos necessários para suportar os fundos de pensões, isto significa que quem vai suportar esse provisionamento não são os acionistas dos bancos mas, sim, com a participação e o beneplácito do Governo, os contribuintes. E sobre isto os senhores nada têm a dizer, tal como nada dizem sobre as imparidades, a agiotagem, que, durante anos, permitiu aos bancos obterem lucros fabulosos, dividendos fabulosos, prémios fabulosos, e concentrar as imparidades dessa agiotagem no ano de 2011. E, agora, para provisionarem essas imparidades, vêm buscar o dinheiro aos trabalhadores, aos impostos dos pequenos empresários, aos impostos do povo.
É isto que não vos convém debater aqui. Foi exatamente esta cumplicidade entre o poder político e o poder financeiro, esta submissão do poder político, dos grupos parlamentares da troica, ao poder financeiro que nós viemos confirmar com este debate aqui, na Assembleia da República, hoje.