Intervenção de João Ramos na Assembleia de República

Venda de carne de cavalo por carne de vaca – Fraude económica e um grave problema de saúde pública

Sr.ª Presidente, Srs. deputados,

Em meados de janeiro surgiram indícios de uma fraude económica, que viria a alastra-se pela Europa de uma forma descontrolada. Inicialmente detetada em Inglaterra veio a revelar-se um emaranhado que chega até à Roménia. Uma mega fraude que vende cavalo por vaca. Uma fraude que furou os mecanismos de controlo alimentar europeus.

Vejamos o “filme” do problema em Portugal, neste mês de fevereiro:

-A 9 – Ministério da Economia
“Não foram detetadas irregularidades semelhantes às das notícias em Inglaterra e Irlanda”. Afirmação, depois de uma “operação a nível nacional entre 22 e 24 de Janeiro” da ASAE.

- A14 – Ministério da Agricultura
“não foi detetada até ao momento em Portugal nenhuma situação semelhante ao observado noutros países”. A ASAE está “a acompanhar e monitorizar a situação”

-A 15 – notificação do Sistema Comunitário de Alerta Rápido para a Alimentação
Lasanha de carne de cavalo proveniente de França, processada no Luxemburgo, com matéria-prima da Roménia, foi distribuída em vários países da Europa, sendo Portugal um deles!

-A 20 –
A ASAE depois de “recolher e analisar amostras de alimentos junto de operadores económicos nas duas últimas semanas”, detetou “situações pontuais de vestígios de carne de cavalo”.

- A 22 –
A ASAE apreende 45 mil quilos + 6 600 embalagens

Na RTP/Jornal 20 horas – António Nunes, Inspetor-geral da ASAE:

«Já o ano passado a ASAE tinha detetado uma situação dessas». Isto é, em 2012!
«Há cerca de 15 dias nós já tínhamos detetado um local onde se faz produção nacional de carne trabalhada». Isto é, cerca de 6/7 de fevereiro.

No decorrer destes processos a ASAE instaurou já cinco processos-crime a empresas portuguesas. E o problema chegou também já até à Madeira. Marcas como a Findus, a IKEA, a Néstle, o Grupo Jerónimo Martins entre outros, com ou sem consciência disso, venderam alimentos desconformes.

Daqui podemos retirar algumas conclusões. Os ministérios da Economia e Agricultura mentiram! Ou então é a ASAE que está a mentir! ASAE que também não fica bem na fotografia. Se já tinha havido um caso em 2012, porque não foi explorado do ponto de vista da pesquisa? Ou alguém acredita que o problema começou em Janeiro! Se a 6/7 de Fevereiro já a ASAE tinha detetado casos, como é que Álvaro e Cristas, a 9 e 14 dizem que não há nada? Se a 15 o Sistema Comunitário diz que havia lasanha em Portugal contaminada, como é que a 20 a ASAE fala de “situações pontuais com vestígios”? Aliás logo desmentida pelas apreensões que são noticiadas a 22. Tudo isto precisa de ser cabalmente esclarecido em nome da segurança alimentar dos portugueses.

Este é um problema classificado como de exclusiva “fraude económica”. Contudo a realidade parece desmentir esta abordagem. Esta fraude económica veio mostrar a falência de todo um sistema de segurança alimentar que deveria garantir os direitos dos consumidores e pugnar pela saúde pública.

O controlo agora feito tem vindo a mostrar também a presença de produtos proibidos e nocivos. Um estudo da Deco realizado em talhos da Grande Lisboa e do Grande Porto detetou a presença em carne picada de sulfitos utilizados para dar aparência de frescura à carne, presentes na maioria das amostras e em grande quantidade. Todas as amostras analisadas revelaram estar contaminadas com agentes patogénicos e a carne era conservada a temperaturas desadequadas.

Afinal ao contrário da renitência inicial dos ministérios em o reconhecerem, o problema estava instalado em Portugal e há contornos de crimes de saúde pública e não apenas de fraude económica.

Entende o PCP que é fundamental o esclarecimento sobre os contornos desta problemática e por isso apresentou um requerimento para audição na Comissão de Agricultura e Mar, da DECO, da ASAE e do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária. O requerimento foi aprovado, importa agora exigir a marcação rápida destas audições.

Mas este problema não está desligado de outro bastante grave. O sistema de sanidade animal atravessa graves problemas por incumprimentos por parte do governo, estando em causa a elaboração e cumprimento dos planos de controlo e erradicação de zoonoses. Dois meses de 2013 são passados e as Organizações de Produtores Pecuários (OPP), para lá do atraso de 2012, nada sabem sobre o futuro em matéria de sanidade animal. Também as recolhas de sangue e tuberculinas se têm reduzido de forma significativa. Aliás, já em dezembro denunciávamos o não assegurar pelas Direções Regionais de Agricultura das tuberculinas, das vacinas REV1 e dos destacáveis dos passaportes sanitários.

A partir da década de 80 do século passado, o Estado foi passando a responsabilidade pela sanidade animal para as organizações de produtores e agricultores, através dos Agrupamentos de Defesa Sanitária. Depois de passar as responsabilidades corta agora no financiamento. O governo deve às OPP todo o ano de 2012, num total de 12 milhões de euros. Estes atrasos levaram já à falência de organizações. Questionada pelo PCP a senhora ministra foi incapaz de assumir um compromisso de pagamento, dizendo apenas que tudo fará para em 2013 pagar o ano de 2012. Poucas certezas para um setor que não pode esperar. A solução do governo foi a criação de uma taxa a aplicar às grandes superfícies comerciais, que, abusando do seu estatuto e contando com a conhecida complacência do Estado para com os grandes grupos económicos ao contrário da perseguição às pequenas empresas, vieram já anunciar que não a pagarão. Dos cerca de 12 milhões de euros necessários anualmente para suportar o sistema, o governo só conseguiu arrecadar um milhão com a referida taxa.

O pagamento do sistema de sanidade e as OPP não podem ficar reféns do cumprimento pela grande distribuição dessa taxa. É completamente insuportável que a ministra da agricultura, mantenha há mais de um ano esta situação, com as consequências de evidentes riscos para a saúde animal e pública.

Em dezembro a Comissão de Agricultura e Mar aprovou um requerimento do PCP para uma audição com o secretário de Estado com responsabilidade política na matéria. Em mais de dois meses o governo ainda não teve disponibilidade de vir à Assembleia prestar esclarecimentos. O PCP já requereu, como atrás referimos, o alargamento do âmbito desta audição juntando-lhe também as questões de saúde pública ligadas à venda de cavalo por vaca e ao estudo da DECO.

Este desinvestimento em sanidade animal vitima os laboratórios de Estado, promovendo a realização no estrageiro de análises que poderiam ser feitas em Portugal. Coloca também graves problemas aos laboratórios privados com dívidas acumuladas que recuam a outubro do ano passado. A desculpa é a lei dos compromissos.

O foguetório do sucesso das políticas de agricultura do governo esconde uma realidade que pode vir a ser dramática. Do ponto de vista da segurança alimentar, da sanidade animal e de potenciais limitações à comercialização dos nossos produtos pecuários. Um problema sanitário causado por limitações impostas às entidades com quem o estado contratualiza serviços que agora não paga.

Os riscos económicos são grandes. Os riscos para a saúde pública não são menores. O PCP não se tem cansado de alertar e de solicitar intervenção e só espera que não venha a ser necessário atribuir responsabilidades políticas a quem tem permitido o avolumar dos problemas. Mas se eles surgirem não hesitará em fazê-lo.

Disse.

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