O sistema de Ensino Superior Público (ESP) tem sido fustigado desde há décadas por uma política de subfinanciamento que resulta numa clara limitação das suas potencialidades e impossibilidade de acesso por parte de milhares jovens. A retórica da “competitividade” e a falácia da “atratividade” tomou posse da política educativa de Ciência e Ensino Superior tendo como pretexto, que o Estado se demita gradualmente das suas funções perante as instituições, e para que sejam essas instituições forçadas a recorrer a captação de receitas próprias que, na esmagadora maioria são resultado da cobrança de propinas.
Ao mesmo tempo, a ausência de uma política estratégica para o Sistema Científico e Tecnológico Nacional, que defina claramente o papel e missão das Universidades, Politécnicos e Laboratórios de Estado, vai contribuir para que essas instituições disputem financiamento e tarefas com prejuízo para todas e para o país.
Exemplo último desta política de destruição do ESP é um novo corte 42 milhões de euros decorrente do Orçamento do Estado de 2014 relativamente ao ano de 2013 que coloca em causa o normal funcionamento das instituições. Desde 2010 o ESP já sofreu um corte no financiamento público superior a 330 milhões de euros.
Neste contexto, o Governo avançou com o objetivo de implementar uma “Reforma da Rede de Ensino Superior”, sem que sejam do conhecimento público quaisquer documentos, estudos preparatórios, ou contributos recolhidos dos agentes educativos. Aliás, este processo tem sido feito à margem de qualquer discussão na Assembleia da República.
O PCP considera que avançar com alterações na rede do ESP num contexto em que o país está confrontado com as medidas de austeridade do Pacto da Troika e com o atual Governo PSD/CDS a solução será sempre negativa.
Recentemente, o PCP confrontou o Ministro da Educação e Ciência com os possíveis impactos deste processo na salvaguarda da missão das instituições, das perspetivas de desenvolvimento regional e de todos os postos de trabalho, exigindo um compromisso do governo que não existiriam quaisquer despedimentos de docentes e não docentes e encerramento de instituições, mas tal não foi assumido. Todavia, a rede pública de ensino superior em Portugal tem mostrado, apesar das grandes dificuldades impostas por sucessivos governos e de forma particularmente grave pelo atual Governo PSD/CDS, ser capaz de elevar a qualificação da população e traduzir-se em ganhos de desenvolvimento regional que de outra forma seriam impossíveis de alcançar.
O facto de se existir uma alargada oferta privada, demonstra que a oferta da rede pública ainda se situa muito aquém das necessidades do país. São muitos os que continuam a ser impedidos de entrar na rede pública e que sem alternativa tem que recorrer ao Ensino Superior Particular e Cooperativo.
Ora a diminuição da dimensão da rede pública e a contração dos respetivos recursos materiais e humanos gera ainda maior e crescente substituição do Ensino Público por Ensino Privado. Tal assimetria é agravada pelo facto de, em muitos casos, a rede pública de ensino ter sido profundamente influenciada por fatores pouco ajustados, nomeadamente a disputa de financiamento que conduziu ao surgimento de oferta formativa de forma desarticulada e norteada por objetivos de captação de alunos.
O Partido Comunista Português defende um sistema unitário para o Ensino Superior Público, um modelo de dignidade, qualidade e financiamento iguais para missões diversas, entre instituições ou mesmo entre unidades orgânicas de uma mesma instituição.
Ao contrário, os sucessivos governos e o atual Governo do PSD/CDS vêm executando uma política de aprofundamento da diferenciação e de desmantelamento do Ensino Superior Público. PSD e CDS, seguindo as orientações que já presidiam ao anterior Governo PS, pretendem agora orientar o Politécnico para as formações curtas, de especialização, até aqui tidas como ensino pós-secundário não superior. Uma tal política não se traduzirá na elevação da cultura científica da população, nem na capacitação dos indivíduos para fazer frente à situação económica e social que o país atravessa, mas antes na sua fragilização ante a ditadura do mercado que se consolida. O estreitamento da formação, a conversão dos politécnicos em institutos de formação profissional de banda estreita, no seguimento dos cursos profissionais do ensino secundário, é uma opção que tem como objetivo apenas satisfazer as necessidades de um mercado de trabalho desequilibrado, na medida em que não existe uma política de desenvolvimento, de aposta na industrialização do país, na agricultura e nas pescas e de dinamização da economia.
O PCP defende uma política de independência nacional, de aposta na produção e na valorização do trabalho e das suas componentes científicas e técnicas, o que exige uma rede pública de instituições de ensino superior público que responda às necessidades do país, bem como às necessidades de desenvolvimento económico e social. Tal política tem no Ensino Superior Público, Universitário e Politécnico, um dos eixos centrais.
A rede pública deve pois atentar às necessidades regionais e nacionais e ser dotada dos recursos necessários para que não seja forçada a sobreviver pela via de tarefas que não são matriciais e fundamentais. A Universidade e o Politécnico devem pois ter assegurada a sua capacidade e vitalidade pela via do Orçamento do Estado, deixando a prestação de serviços para o mundo empresarial, público ou privado. Da mesma forma, deixando as funções de soberania ou de prestação de serviços na área das “outras atividades de Ciência e Tecnologia” para os laboratórios, principalmente para os Laboratórios do Estado. A investigação, a criação e difusão do saber e da tecnologia devem ser cumpridas pela Academia, dotada que seja dos meios para o fazer.
O problema do Ensino Superior Público em Portugal não é a dispersão da rede – aliás, adequada ao território – nem tampouco a falta de sinergias entre instituições. O principal problema do Ensino Superior Público em Portugal é o seu subfinanciamento e a real incapacidade de consolidar uma massa crítica estável para a alimentação das necessidades do Sistema Científico e Tecnológico Nacional e da Economia.
O modelo de competição entre instituições e a sua total subordinação aos preceitos mercantilistas do Processo de Bolonha é expressão da organização da rede pública de ensino superior em função de objetivos de desresponsabilização do estado nesta função social e a transformação de um direito constitucional num negócio altamente lucrativo para os grupos económicos nacionais e internacionais.
Nesse Sentido, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português defende a rutura com a política de destruição do Ensino Superior Público e propõe uma verdadeira aposta no conhecimento e na tecnologia como passos necessários para a superação dos problemas estruturais do país. Deste modo, é necessário que a rede de ensino superior funcione como uma verdadeira rede e não como um mapa de instituições isoladas em competição constante entre si. É então imprinscindível que as instituições se articulem de modo a cumprirem efetivamente o seu papel na elevação da qualificação dos portugueses.
Assim, a Assembleia da República, nos termos regimentais e constitucionais em vigor, recomenda ao Governo que:
1. Estabeleça um plano estratégico de investimento no Ensino Superior Público que eleve gradualmente o financiamento público das instituições até à total supressão da necessidade de pagamento de propinas em 5 anos;
2. Estabeleça um plano de objetivos nacionais de qualificação, discutido e elaborado com todas as instituições e comunidades educativas;
3. Assegure o carácter unitário do Sistema de Ensino Superior Público, sem prejuízo das diferentes missões do Universitário e Politécnico;
4. Promova um amplo e profundo debate nacional sobre a distribuição social, económica e geográfica das instituições de ensino superior público, privilegiando a rede pública, assegurando que nenhuma instituição pública seja encerrada, salvaguardando características específicas de interioridade e necessidade de coesão territorial;
5. Assegure a salvaguarda de todos os postos de trabalho do pessoal docente, investigadores e pessoal não-docente, independentemente da natureza do vínculo.
Assembleia da República, em 20 de dezembro de 2013