Projecto de Resolução N.º 415/XVII/1.ª

Valorização da Calçada Portuguesa e da profissão de Calceteiro

Exposição de motivos

A calçada portuguesa é um pavimento artesanal empedrado constituído por elementos de pedra natural, essencialmente calcários, que assentam no solo de forma relativamente homogénea e cuja disposição pode formar padrões decorativos por via do contraste cromático entre as pedras. Este pavimento encontra-se em 290 dos 308 municípios do país.

A elaboração da calçada portuguesa decorre em duas fases distintas: a produção da pedra de calçada e o seu assentamento, mais conhecido por calcetamento. A qualidade final do pavimento elaborado corresponde à soma destas duas fases, a elas acrescendo as propriedades da pedra utilizada.

A produção da pedra destinada ao pavimento constitui, também ela, uma atividade tradicional no nosso país. De acordo com a Associação de Exploradores de Calçada à Portuguesa, existem 55 pedreiras que, no seu conjunto, empregam 135 trabalhadores.

A grande maioria das empresas extratoras mantém uma estrutura familiar e as explorações distinguem-se umas das outras, seja pela especificidade da própria pedra, seja pelo método de produção adotado. O futuro destas unidades está ameaçado, tendo em conta que é um trabalho árduo, com salários baixos.

O assentamento da calçada é um trabalho cuja técnica parece ser, teoricamente, simples. No entanto, requer mestria nas operações que lhes estão associadas, nomeadamente, o emalhetar e o aparelhar das pedras. Trabalho que requer paciência e experiência, que é fisicamente exigente e desgastante, mas que é também arte e amor, declarado por vezes nas pequenas assinaturas que cada mestre calceteiro deixa nas suas obras.

De acordo com a Associação da Calçada Portuguesa, a prática é tradicionalmente transmitida de forma informal e mimética, mas também existem escolas de formação. No entanto, apenas seis ministram cursos, embora somente 22 alunos obtiveram certificação desde 2021.

O número de calceteiros veio diminuindo ao longos dos anos, estimando-se que haja cerca de 700 nos 280 municípios. Em Lisboa, na década de 1940, existiam cerca de 400 profissionais; hoje, são cerca de uma dúzia. É o “trabalho exigente, os baixos salários e o reduzido reconhecimento social tornam a profissão pouco atrativa para os jovens, e o número de calceteiros está atualmente em acentuado declínio.”

A calçada portuguesa assume uma dimensão social essencial para a preservação da memória e identidade social, profissional e cultural, de cujo saber-fazer dos calceteiros é voz.

Essa dimensão social é visível na valorização dos trabalhadores, dos calceteiros e das suas competências, por exemplo, em Fanhões, que se afirma como a “Capital dos Calceteiros” ou Gáfete, a “terra dos calceteiros”.

Estes trabalhadores são reconhecidos, pelo seu trabalho, pela sua mestria e pela sua competência. E também pela longa formação: desde aprendiz até mestre calceteiro (ou calceteiro-artista), é necessário um longo processo, que implica saber «onde está “o veio da pedra”, onde assentar o martelo, aprender a partir corretamente a pedra ou medir o solo e pavimentar com base na orientação dos moldes”.

Valorizar a profissão de calceteiro artístico implica a organização dos seus artesãos em grupo profissional, tendo já estabelecido, a 27 de fevereiro de 2025, o Núcleo de Calceteiros.

Em 2021, foi inscrita no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial a “Arte e Saber-Fazer da Calçada Portuguesa”. A 13 de março de 2025, a Associação da Calçada Portuguesa, submeteu a candidatura à Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO, com o intuito de ampliar o seu reconhecimento e afirmação.

A Associação pretende garantir que “a calçada portuguesa continue a ser um símbolo vivo da cultura nacional, respeitado e apoiado, e que todos os seus mestres calceteiros recebem o reconhecimento que merecem”.

A candidatura obteve o apoio de mais de 50 calceteiros de todo o país, tal como a colaboração de outras entidades ligadas à cultura, organizações profissionais e confederações de trabalhadores. Obteve também o apoio de oito municípios – Braga, Estremoz, Faro, Funchal, Lisboa, Ponta Delgada, Porto de Mós e Setúbal.

Falar da elevação da calçada portuguesa a Património Imaterial da Humanidade tem de comportar uma dimensão de defesa dos direitos dos trabalhadores que a constroem, para que possa efetivamente ser incutido um sentimento de continuidade e de respeito pela criatividade humana.

Há ainda outros ofícios associados ao saber-fazer da calçada portuguesa, desde logo, os de carpinteiro e de ferreiro, para a produção de moldes, ou amolação dos martelos.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte

Resolução

A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea b) do artigo 156.º e do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomendar ao Governo que:

  1. Mobilize os instrumentos necessários de valorização da calçada portuguesa e de divulgação dos modos tradicionais de saber-fazer.
  2. Valorize a profissão de calceteiro, promovendo a sua qualificação profissional e a sua estabilização laboral.
  3. Apoie a candidatura da “Arte e Saber-Fazer da Calçada Portuguesa” a Património Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO.