A recente proposta de regulamento para uma dita “reforma do mercado de electricidade da União Europeia (UE)”, apresentada pela Comissão Europeia, não só não responde aos problemas concretos que resultam da liberalização do sector como pode agravar o enquadramento que está na sua origem, contrário aos interesses do povo português e ao desenvolvimento de Portugal.
A proposta da Comissão Europeia faz, uma vez mais, prolíferas referências ao recurso às energias renováveis, à necessidade de eliminar os consumos do gás natural e de outros combustíveis fósseis. Menciona também a importância do combate à volatilidade dos preços e à falta de transparência na sua formação, indo ao ponto de referir a urgência da protecção dos consumidores face ao aumento dos preços. Não é, contudo, difícil alcançar que o objectivo da UE, tanto perante o conteúdo das propostas agora apresentadas, como de acordo com a sua reiterada prática política, visa salvaguardar os interesses dos grandes grupos privados do sector energético e dar continuidade a um mercado manifestamente contaminado pelas suas naturais características monopolistas, agravadas por práticas oligopolistas.
A presente proposta, além de manifestamente irrisória perante a grandeza da crise energética e socioeconómica, e que já mostrava evidentes sinais no período pós-pandemia, privilegia o aprofundamento do processo de liberalização, recusando as necessárias e urgentes intervenções, entre outras, de contenção de preços através de regulação com critérios de interesse público e comum.
Apontando o agravamento da guerra na Ucrânia no último ano como a principal causa dos problemas energéticos e do agravamento de preços, a proposta ignora que os aumentos na energia se vêm agravando no mercado grossista da electricidade desde 2021 e, consequentemente, pelas opções políticas da UE, nomeadamente a insistência na política de sanções, com consequências sociais e económicas extremamente negativas.
A proposta apresentada, que prevê a revisão de diversos actos legislativos da UE – Regulamento Electricidade, a Directiva Electricidade e o Regulamento REMIT –, mantém intocado o sistema de preços marginais no mercado diário, de modo que a tecnologia mais cara – normalmente o gás – fixe o preço de outras formas de produção de energia, o que não só não garante que se reduza o impacto do preço dos combustíveis fósseis nas facturas de electricidade, como visa salvaguardar os interesses dos grandes grupos económicos a operar no sector, nomeadamente através do prolongamento dos períodos de vigência dos contratos estabelecidos.
Simultaneamente, procura de forma inaceitável responsabilizar o “consumidor” na relação contratual com os operadores, quando é no mercado liberalizado e na sua naturezaespeculativa que reside o problema.
A Comissão Europeia procura ainda reforçar o seu controle sobre o “mercado único da energia” atribuindo à Agência da União Europeia de Cooperação dos Reguladores da Energia maiores poderes para monitorizar o mercado grossista da energia, procurando assim
subordinar as autoridades nacionais aos seus desmandos e aos interesses das grandes companhias privadas do sector, descurando os interesses dos consumidores domésticos e das micro, pequenas e médias empresas.
Os deputados do PCP no Parlamento Europeu reafirmam que a solução para os problemas energéticos passa por medidas imediatas de intervenção e regulação no mercado, entre outras:
- a definição de preços máximos na energia e combustíveis;
- a assunção de uma taxa única de IVA para 6%, a par de uma cabal tributação fiscal dos lucros excessivos ou indevidos dos grupos de produção e comercialização de energia;
- pôr termo à regra marginalista estabelecendo como ponto de partida dos preços e margens dos combustíveis líquidos o valor do custo real de produção.
Medidas que não ignoram a necessidade de ir mais além, rompendo com a política energética da UE assente na liberalização do sector, recuperando a propriedade pública e o comando estratégico do Estado sobre as principais empresas do sector energético que foram
privatizadas, o restabelecimento de serviços de energia públicos de qualidade e a planificação nacional e democrática do desenvolvimento do sistema energético, assente numa base de solidariedade e cooperação internacional.
Objectivos que deveriam pautar a intervenção do Governo Português no quadro da intervenção nas discussões em matéria de política energética na UE.
Os deputados do PCP no Parlamento Europeu continuarão a intervir, comprometidos com a defesa do interesse dos trabalhadores, do povo português e do desenvolvimento nacional.
Bruxelas, 29 de Março de 2023