Uma outra Europa é possível

Dos temas ausentes na campanha para as eleições de 17 de Março
a problemática da União Europeia não foi certamente o menos
importante. Nem mesmo o facto de em véspera das eleições
se ter realizado o importante Conselho Europeu de Barcelona, e de uma das questões
em exame ter sido a tão decantada "estratégia de Lisboa",
uma pérola de hipocrisia neoliberal de que o então primeiro-ministro
Guterres tanto se gabava, logrou, com a honrosa excepção da CDU,
tirar a "questão europeia" da sombra. É mesmo de anotar
que o tal que defendeu a obrigatoriedade do canto do hino nacional nas escolas,
o demagogo afastado do Partido Popular Europeu pelo seu "anti-europeÍsmo",
entrou mudo e saiu calado sobre a actualíssima questão do novo
salto federalista em gestação, com a convocação
de uma "Convenção" antidemocrática, saída
das combinatas entre a social-democracia e a direita.

Como foi isto possível precisamente quando está em marcha uma
nova fase da União Europeia que condiciona estruturalmente a independência
e a soberania de Portugal, quando o presente e o futuro do país ficam
tão profundamente condicionados nas suas políticas económicas
e sociais (das imposições do Pacto de Estabilidade às consequências
do alargamento em matéria de fundos comunitários), no campo jurídico
e da segurança interna (de Schengen ao mandado de busca europeu), no
plano da defesa (com a subordinação à NATO e a um "exército
europeu" em construção), no âmbito da política
externa (entretanto já submissa e esvaziada, em nome da PESC, de qualquer
rasgo de brio patriótico)?

Como foi isto possível precisamente quando, perante o imenso drama do
povo palestiniano a União Europeia claudicava vergonhosamente, procurando
cobrir com inofensivas flores de retórica a sua colaboração
de facto com o terrorismo sionista e a arrogância imperial dos EUA, ao
ponto de ajoelhar perante a humilhação de Solana, impedido de
se encontrar com Arafat? Quando, aos gigantescos orçamentos militares
dos EUA e á insolente exibição do seu músculo nuclear,
a União Europeia tem respondido, não com firme oposição
e contrapropostas de desarmamento, mas com a competição militarista
e o reforço do complexo militar-industrial?

A razão desta autentica conspiração do silêncio,
é afinal bem simples. Tal como as respectivas "famílias europeias",
PS e PSD coincidem nas grandes questões estruturantes do processo de
integração em curso. Com nuances, ambos partilham as políticas
económicas determinadas pelo grande capital na sua corrida ao máximo
lucro. Ambos aceitam as teses centrais da globalização capitalista
e expressaram acordo às grandes linhas de ataque a conquistas e direitos
dos trabalhadores saídas de Barcelona. Ambos partilham no plano institucional
as teses federalistas mais em moda. Ambos consideram intocáveis a NATO,
a aliança transatlântica com os EUA, a transformação
da União Europeia num bloco económico-político-militar
rivalizando com os EUA e o Japão no cenário mundial. Daí
o pacto de silêncio, para não prejudicar o jogo da alternância
entre políticas que tem a mesma matriz de classe.

Entretanto, é necessária e urgente a tomada de consciência
do povo português quanto à problemática europeia. Esta Europa
em construção, do grande capital e das grandes potências,
contra a qual se manifestaram 300 mil pessoas em Barcelona, tem de ser seriamente
questionada. Quanto mais não fosse por causa de um Pacto de Estabilidade
que está a ser invocado pelo governo da direita para impor um duro aperto
de cinto aos trabalhadores. Mas por muitas outras razões. As já
antes referidas e pelo menos uma mais: a viragem à direita verificada
nas eleições legislativas de vários países - Áustria,
Itália, Dinamarca, Portugal, regionais na Alemanha - com um inquietante
avanço da extrema- direita. O caso da primeira volta das eleições
presidenciais francesas constitui um sério alerta. O crescimento das
injustiças e desigualdades sociais, a exploração do trabalho
emigrante, uma dinâmica federalista que empobrece a democracia e ignora
legítimos sentimentos nacionais, constituem um perigosíssimo caldo
de cultura.

Contra isto há que continuar a lutar. Uma outra Europa é possível,
uma Europa de povos e países soberanos e iguais em direitos.