Sendo certo que o acesso aos recursos é a questão central que sempre se coloca ao sector da pesca a questão dos rendimentos e do custo dos factores de produção determinam, na prática, a sua sustentabilidade, ou falta dela.
Quanto ao acesso aos recursos este tem sido sucessivamente restringido quer por perda de oportunidades quer por limitações das possibilidades de pesca, por força da imposição de uma politica de restrição, tantas vezes desadequada e sem sustentação científica.
Noutros casos ainda, admite-se, a escassez de alguns recursos tem conduzido ao mesmo resultado de diminuição das capturas.
A consequência, por demais conhecida, traduziu-se numa diminuição acentuada dos meios de produção, fortemente apoiada por uma politica de incentivo aos abates de embarcações e de uma brutal diminuição dos postos de trabalho.
Em qualquer caso, considerando o sector em termos globais, por força da diminuição dos desembarques, como é natural, verificou-se só por esse facto, uma diminuição acentuada do rendimento global do sector.
Uma vez que o consumo se manteve relativamente estável a esta diminuição de oferta de pescado, por via da diminuição dos desembarques, deveria corresponder um aumento dos preços na 1ª venda, o que de todo não se verificou, antes assistindo-se a uma estagnação dos preços pagos à produção ou mesmo à diminuição dos mesmos, o que obviamente tem tido fortes consequências negativas nos rendimentos dos pescadores e proprietários das embarcações.
E isto acontece, ao mesmo tempo que, no consumidor, os preços têm aumentado regular e consistentemente, mais do que seria razoável.
Ora se é verdade que o aumento das importações têm sustentado o elevado consumo de pescado e de algum modo podem ter tido um efeito de contenção dos preços, tratando-se sobretudo de importações de uma espécie, o bacalhau, o facto não explica a estagnação dos preços da generalidade das espécies.
É pois no mecanismo de formação dos preços na 1ª venda e subsequente comercialização dos produtos da pesca que se encontram as razões da estagnação dos preços pagos à produção
Aqui chegados, haverá que referir que, em Portugal, a pesca costeira, a que corresponde a quase totalidade dos desembarques, envolve cerca de 10.000 embarcações, podendo afirmar-se que será constituída por três segmentos distintos, com peso relativo bem diverso e também com problemas e realidades bem diferentes entre si.
Refiro-me em concreto à pesca do arrasto costeiro que representará cerca de 1% das embarcações e à volta de 10% dos desembarques nacionais, da pesca do cerco que envolve pouco mais de 1% das embarcações e certamente mais de 50% das capturas e às restantes embarcações, ditas polivalentes, que envolve as restantes quase 98% das embarcações a que corresponderá cerca de 40% dos desembarques de pescado.
Se contudo, considerarmos os valores dos desembarques, teremos que a pesca polivalente contribui com mais de 60% do valor quedando-se, tanto a pesca do cerco como a pesca do arrasto costeiro, com menos de 20% cada.
Interessa referir estas relações dos vários segmentos da frota, mesmo que de uma forma grosseira, sem preocupações de rigor absoluto, já que cada um deles, no que respeita à comercialização do produto da pesca, têm necessidades, problemas e capacidades diversas e, consequentemente, exigem abordagens e soluções também elas diversas.
Desde logo, em primeiro lugar, a maioria do pescado destinado directamente ao consumo, ao passar pela lota, está dependente da intervenção dos compradores/comerciantes de pescado que a seu bel prazer e no seu interesse controlam a 1ª venda impondo preços muito abaixo do que seria justo.
É por isso evidente que interessa e exige-se a intervenção neste acontecimento impondo-se a criação de uma taxa máxima de lucro aos comerciantes, procurando-se que por essa via, estes se obriguem a valorizar o pescado na 1ª venda, para manter um lucro que sustente a sua actividade, e ao mesmo tempo garantir uma descida dos preços no consumidor para níveis mais adequados.
Esta questão da 1ª venda em lota, aplica-se à maioria da frota e tem particular importância para a pequena pesca e em geral para a pesca dita polivalente, cuja produção se destina, e sustenta, o consumo humano directo de produtos de pesca, geralmente sem qualquer tipo de transformação.
Neste particular, tendo em conta as características desta frota, a existência da Docapesca assume particular importância, tanto na medida em que corresponde a uma estrutura disponível que se encarrega do processo da 1ª venda como, para além disso, torna possível algumas funções do Estado que vão desde a cobrança de impostos e taxas, em que sobrelevam as contribuições para a Segurança Social, até à estatística e ao controlo das espécies descarregadas, necessária à gestão do esforço de pesca.
Em qualquer caso, é por demais evidente que o processo de venda em lota, controlado pelos comerciantes, ultimamente com a intervenção concertada das grandes superfícies de distribuição, que acentuaram a concentração dos compradores, face à perecidade do produto que é apresentado à venda e à vulnerabilidade dos produtores, deixa os pescadores perfeitamente indefesos.
Face a isso, torna-se necessária a melhoria da organização dos pescadores, particularmente dos da pequena pesca, o que implica a existência de programas de apoio à sua associação e organização que de algum modo lhes permita intervir directamente na comercialização e distribuição do pescado.
As Organizações de Produtores, tal como existem, não respondem a esta realidade, porque pouco intervêm, para além do aproveitamento possível dos mecanismos existentes para algumas, poucas, espécies, (o aproveitamento do mecanismo de retirada para a sardinha é o único que tem algum significado) não intervindo propriamente na comercialização e porque na sua esmagadora maioria correspondem apenas à frota de cerco.
De resto a chamada Organização Comum de Mercado, não responde nem tem respondido às necessidades que se colocam ao sector.
Para a maioria de produção nacional não se colocam problemas de escoamento do produto, antes se assistindo a uma escassez do mesmo face às necessidades do consumo.
Só no caso da sardinha se colocarão problemas de escoamento, dada a natureza e a quantidade do produto capturado.
Desde logo a continuada destruição da indústria da conserva em molhos tem sido determinante para as dificuldades que a pesca dirigida a esta espécie tem sentido.
É obvio, que só o apoio ao desenvolvimento desta indústria tanto no plano do apoio à instalação de novas unidades industriais como no plano do escoamento do produto (as conservas), terá um real significado numa sustentável resolução dos problemas da frota do cerco e no aproveitamento do importante recurso que é a sardinha.
Entretanto, o apoio através dos mecanismos existentes, nomeadamente, o do apoio à retirada, quando os preços atingem valores insustentáveis, deve ser mantido, porventura, desenvolvido.
Em qualquer caso os preços de retirada devem ser melhorados, invertendo-se a politica que tem sido seguida, sob pena de não garantirem e continuidade da pesca do cerco.
Em menor medida, mas igualmente importante, afigura-se a manutenção dos mecanismos de apoio à congelação/ transformação e à armazenagem, embora no esquema actual, resultem num apoio aos comerciantes e, eventualmente, aos industriais que exercem a sua actividade a jusante do sector da pesca e só indirectamente a este.
Por último, no que à comercialização diz respeito, haverá que analisar a possibilidade da venda directa por parte dos pescadores.
Na verdade, só por si, a eventual venda directa não resolve nenhum problema, se for entendida como substituição ao sistema de venda em lota, já que a dependência em relação aos compradores organizados se mantém, porventura se agravaria, já que deixaria de haver qualquer tipo de controlo e certamente desapareceria a transparência e visibilidade no processo da 1ª venda.
A questão parece estar na possibilidade dos pescadores se organizarem no sentido da sua intervenção directa na distribuição do pescado, porque não, em concorrência com os restantes intermediários.
No mesmo sentido, poderia funcionar a criação de uma entidade pública de distribuição de pescado que com a sua intervenção regularizasse os preços, mantendo o necessário abastecimento público de pescado.
A outra vertente do problema, no que à sustentabilidade do sector diz respeito, é a dos custos dos factores de produção e de entre estes, o brutal aumento que se tem verificado, nos custos dos combustíveis.
Quanto a este problema as soluções não serão muitas, já que o problema é tão só devido ao exagerado valor que atingiram sem que, recorde-se, possam ser repercutidos nos preços de venda, tornando, só por si, insustentável a manutenção de actividade.
A verdade é que, das duas uma, ou se limita os preços dos combustíveis a níveis sustentáveis, necessariamente inferiores aos preços actuais, ou se apoia directamente os custos dos mesmos desenvolvendo parte das verbas com eles dispendidas, independentemente do combustível utilizado.
A criação de um fundo de garantia, comparticipado, que garanta a estabilidade do preço dos combustíveis ou o apoio directo ao preço dos combustíveis utilizados (gasóleo e gasolina), através de uma compensação indemnizatória são algumas medidas possíveis que urge encarar.
Sem que se tenha em conta a questão dos preços na 1ª venda e sem que se tenha em conta o elevado custo dos factores de produção, dificilmente se poderá encarar a sustentabilidade do sector da pesca.
E a sustentabilidade do sector não é uma questão de somenos importância, já que o sector da pesca é um sector de importância estratégica para o abastecimento público de pescado e para a soberania e independência nacional