Um outro mundo é possível!


A realização, em Porto Alegre, de duas edições do
Fórum Social Mundial, em 2001 e 2002, veio tornar claro que, ao contrário
do que muitos teóricos e políticos da ideologia do pensamento
único procuravam demonstrar, o chamado "modelo neoliberal"
não é a estação final da história.

Para quem participou, como eu, na grandiosa manifestação que
culminou na abertura oficial do II Fórum Social Mundial e em diversas
das conferências, palestras, oficinas e outras iniciativas que decorreram
na enorme PUC (Pontifica Universidade Católica de Porto Alegre) e um
pouco por toda a cidade, não restam dúvidas que a generalidade
das cerca de 60 mil pessoas de mais de 100 países que por ali passaram
quer um mundo diferente, mais justo e mais solidário.

Mesmo que nem todos tenham a mesma opinião sobre as alternativas possíveis,
o traço de união é a rejeição do neoliberalismo
e, na maior parte, a recusa da guerra e a defesa da paz. O que não é
pouco, sobretudo se tivermos em conta que o 11 de Setembro tinha sido apenas
há alguns meses e que o imperialismo americano procura impor a sua ideologia
em toda a parte com a célebre afirmação de Bush de que
"quem não está comigo, está contra os EUA".

Para uns, como é o meu, caso, existe uma profunda e grave contradição
entre a velocidade vertiginosa do processo de globalização com
o avanço das novas tecnologias da informação e telecomunicações
e uma ordem económica internacional capitalista com uma organização
da sociedade baseada na exploração do homem pelo homem que são
inaceitáveis e que distorcem o próprio desenvolvimento material
e impedem o progresso da humanidade, pelo que somos contra a globalização
capitalista, contra o terrorismo, incluindo o terrorismo de Estado, como o de
Sharon na Palestina. Por isso, lutamos para que haja uma outra globalização,
a da solidariedade, da justiça, da igualdade, da plena democracia com
o respeito da diversidade, da autonomia, da identidade cultural de cada povo,
da soberania de cada país e dos direitos de todos ao desenvolvimento
e à paz, contra a expansão da indústria armamentista e
os processos de militarização da União Europeia ou dos
EUA. Daí, também, a firme oposição a projectos como
a ALCA, ao sistema anti-mísseis norte-americano e ao plano Colômbia.

Assim, é de grande importância que a luta contra esta exploração
capitalista se desenvolva quer a nível internacional, de que o Fórum
de Porto Alegre é um exemplo, quer no plano regional, seja na União
Europeia ou na América Latina, e ainda a nível de cada país,
seja no Brasil, na Argentina, na Venezuela ou em Portugal, na defesa dos direitos
dos trabalhadores e das populações, contra a pobreza e a exclusão
social, contra as enormes desigualdades e injustiças nas relações
entre os países que projectos como a ALCA tenderão a agravar,
tal como está a acontecer com os ataques aos serviços públicos
e as limitações aos direitos dos imigrantes e dos trabalhadores
na União Europeia.

Para outros, trata-se ainda e apenas de lutas pontuais, na área do ambiente,
da pobreza ou do controlo dos movimentos especulativos de capitais. Mas algo
existe em comum, a luta contra o neoliberalismo. Como se afirma no Apelo dos
movimentos sociais, intitulado "Resistência ao neoliberalismo, à
guerra e ao militarismo: pela paz e pela justiça social", este sistema
é dramático. Todos os dias, mulheres, crianças, idosos,
morrem de fome ou de falta de acesso aos cuidados médicos. Famílias
inteiras são expulsas da sua terra por causa da guerra, por projectos
industriais faraónicos, pelo desassoreamento das suas terras ou por desastres
ambientais. Sociedades inteiras sofrem desemprego, ataques contra os serviços
públicos e a solidariedade social. Eis porque, no Norte como no Sul,
se vêem multiplicar lutas e resistências pela dignidade e o respeito
dos direitos.

Ora, nesta luta comum, muitas e diversificadas formas podem e devem ser desenvolvidas,
seja pela abolição da dívida externa aos países
menos desenvolvidos, seja pelo controlo dos movimentos financeiros e pela aplicação
de uma taxa tipo Tobin, seja pela democratização do acesso à
terra e à água, seja pela aplicação do Protocolo
de Kyoto e do princípio da precaução, seja pela igualdade
de direitos e oportunidades entre homens e mulheres e de todos os povos ou pela
recuperação dos espaços de soberania económica e
política de cada Estado nas relações com países
mais poderosos e governos que controlam a economia global e o comércio
internacional.

Acreditamos que um outro mundo, mais justo, mais solidário, sem exploração
e sem guerra, é possível. Continuaremos a lutar com todos os que
defendem estas alternativas.

Ilda Figueiredo

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