Treze anos depois da privatização da ANA e da entrega da gestão dos aeroportos nacionais à Vinci foi apresentada na semana passada ao Governo a proposta desta multinacional francesa para a construção do Novo Aeroporto de Lisboa.
Treze anos de atraso face a uma das principais obrigações inscritas no contrato de concessão o que, por si só, é revelador das trágicas consequências para o País dessa mesma privatização. Mas tão ou mais grave do que isso, são as condições inscritas nessa proposta que constituiriam um novo assalto aos recursos nacionais. O PCP recorda que, de acordo com a auditoria realizada pelo Tribunal de Contas à privatização da ANA, a multinacional Vinci, não só já ultrapassou em lucros os cerca de 1000 milhões de euros que “investiu”, como se prepara para acumular, até ao final da concessão, cerca de 20 mil milhões de euros de lucros.
A proposta agora apresentada e que o Governo PSD/CDS se predispôs a acolher é inaceitável.
Uma proposta que, entre outras medidas, atira para 2037 a construção de uma infraestrutura estratégica que há muito deveria estar concluída; que alarga e intensifica a operação no Aeroporto da Portela sem um verdadeiro compromisso para o seu desmantelamento célere quando o que se exige é retirar o aeroporto dentro da cidade de Lisboa; que sobrestima os custos de construção do novo aeroporto em 8,5 mil milhões de euros, ao mesmo tempo que transfere para o Estado a responsabilidade de construção de todos os acessos, incluindo o da Terceira Travessia sobre o Tejo, podendo ser indemnizada pelo Estado caso os prazos não sejam cumpridos; que se propõe aumentar de forma gigantesca as taxas aeroportuárias em Lisboa, num valor de 10% ao ano acima do IPC, até atingir os 23,7 euros por passageiros (quase o dobro do que é actualmente), tal como aumentar as taxas dos restantes aeroportos 1% acima do IPC todos os anos a partir de 2026.
Acresce a tudo isto a intenção de prolongar por mais 30 anos a concessão dos aeroportos nacionais (até 2092!), ficando o Estado impossibilitado de reverter a concessão até 2067 (o limite actual é 2037), e garantindo, a valores de 2024, mais 12 mil e 500 milhões de euros de lucros para esta multinacional.
Sublinhe-se ainda que, neste percurso, colocar-se-á ainda a renegociação das actuais concessões das pontes 25 de Abril e Vasco de Gama (em vigor até 2030), entregues à Lusoponte e da qual a Vinci é accionista de referência.
A afirmação do Governo PSD/CDS de que a proposta da Vinci para o Novo Aeroporto não terá custos para os contribuintes, para além de uma monumental mentira, só pode ser entendida à luz da sua conivência com um dos mais descarados assaltos aos recursos nacionais a que o País já assistiu.
Esta situação, com o assalto aos recursos públicos e a sua saída para o capital estrangeiro, com os sucessivos atrasos e condicionamento do investimento público, com o comprometimento de opções estratégicas, com a promiscuidade entre o poder político e o poder económico e a corrupção a ela inerente, é o reflexo da tragédia das privatizações em Portugal. Se dúvidas houvessem, a recuperação do controlo público dos aeroportos nacionais, constitui uma exigência que mais cedo do que tarde precisa de ser concretizada.
Como se verificou noutras ocasiões, como aquela em que se tentou impor um aeroporto na Base Aérea n.º 6 no Montijo (Governo PS) a vida mostra que o País não está, nem pode estar perante factos consumados. O PCP não aceita que depois do assalto que representou a privatização da ANA, se acrescente agora outro assalto, a pretexto da construção do Novo Aeroporto.
Deve ser o País, e não uma multinacional francesa, a decidir, sem mais adiamentos, a forma como se concretizará a construção do Novo Aeroporto de Lisboa nos terrenos do Campo de Tiro de Alcochete.
O País não pode aceitar uma proposta que compromete o interesse nacional. Não serão manobras do Governo, a partir desta ou daquela alteração que viesse a ser feita, que iludirão a expressão criminosa das intenções da Vinci. Pelo contrário, a construção do NAL deve ser integralmente assegurada com os lucros da ANA: sem alargamento do contrato de concessão até ao final do século; sem o agravamento das taxas aeroportuárias; sem o interminável prolongamento da Portela ou indemnizações pelas obras em curso; sem manobras dilatórias que arrastem este investimento por mais 12, 15 ou 20 anos; sem o prolongamento das concessões das pontes sobre o Tejo; sem a privatização da TAP que o Governo também quer concretizar.
Nada, a não ser os interesses da Vinci, impedem que se concretize o que o País precisa.
E o País precisa urgentemente de avançar para a construção faseada do Novo Aeroporto de Lisboa, cuja primeira fase pode estar concluída em seis anos.
Precisa de retirar o aeroporto de dentro da cidade de Lisboa. Precisa de avançar com a construção da Terceira Travessia sobre o Tejo, em modo rodo-ferroviário, em articulação com a Linha de Alta Velocidade Ferroviária (na ligação Lisboa-Porto). Precisa de valorizar o conjunto dos aeroportos nacionais, incluindo o de Beja. Precisa de uma TAP pública, de uma companhia aérea de bandeira, como parte integrante de um projecto de desenvolvimento nacional.
O PCP, ao mesmo tempo que apela às populações, às múltiplas organizações, estruturas e entidades que não se têm conformado com este rumo para que intensifiquem a sua acção e façam ouvir a sua voz, assume desde já o compromisso de que confrontará o Governo PSD/CDS e as restantes forças políticas com mais este assalto e a necessidade de uma solução sem mais atrasos que assegure a construção do Novo Aeroporto e garanta os interesses do Povo e do País.