Projecto de Lei N.º 46/XII

Tributa as mais-valias mobiliárias

Tributa as mais-valias mobiliárias

Realizadas por Sociedades Gestores de Participações Sociais (SGPS), Sociedades de Capital de Risco (SCR), Fundos de Investimento, Fundos de Capital de Risco, Fundos de Investimento Imobiliário em Recursos Florestais, Entidades não Residentes e Investidores de Capital de Risco (ICR)
(altera o Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 215/89, de 1 de Julho)

Exposição de Motivos

1 – Não obstante as declarações proferidas nos últimos dias por alguns responsáveis políticos, a verdade é que não é nada seguro que haja vontade política suficiente para passar das palavras aos actos por parte de quem parece ter finalmente descoberto, no final do Verão de 2011, que em Portugal há ricos e poderosos.

Há de facto ricos cujos rendimentos e património mobiliário e imobiliário é muito pouco ou quase nada tributado, mas há igualmente – e sobretudo - entidades muito poderosas que continuam a beneficiar de isenções e benefícios fiscais absolutamente injustificados e imorais, que fazem com que hoje seja quase irrisório ou mesmo nulo o valor do imposto sobre muitos dos milhares de milhões de euros em rendimentos que vão recebendo ao longo dos anos.

Um exemplo paradigmático desta protecção aos poderosos, que lhes tem sido (e continua a ser) garantida pelos sucessivos Governos, do PS e do PSD/CDS, é a história recente da tributação das mais-valias mobiliárias devidas por sujeitos passivos, singulares e colectivos. Importa a este propósito recordar que durante mais de dez anos – entre 2000 e 2010 - a tributação das mais-valias mobiliárias se limitou à aplicação de uma taxa irrisória de 10%, (ainda assim só) aplicável aos acréscimos de rendimentos, em sede de IRS, resultantes da alienação de participações sociais detidas por períodos inferiores a um ano. Esta situação foi o resultado de uma tremenda reviravolta política do PS e do Governo de António Guterres que revogaram as normas consensualizadas no ano 2000 para tributar, de forma adequada, todas as mais-valias mobiliárias, independentemente do tempo de posse por parte dos respectivos titulares.

Ao longo desses dez anos perderam-se muitos milhões de euros de receitas fiscais passíveis de terem sido recebidas pelo Estado se a tributação das mais-valias mobiliárias tivesse entrado em vigor nas condições previstas na reforma de 2000, e se essa tributação fosse também aplicada a rendimentos do mesmo tipo e natureza obtidos por sujeitos colectivos, em sede de IRC. Ao longo desses dez anos, inúmeras iniciativas legislativas neste sentido, propostas designadamente pelo PCP, esbarraram na oposição de sucessivas maiorias parlamentares – do PSD/CDS, entre 2002 e 2004, do PS, a partir de meados de 2005 – irmanadas na mesma falta de vontade política em introduzir níveis aceitáveis de equidade fiscal.

2. Durante o ano de 2010, o então Governo Sócrates, depois de duas campanhas eleitorais (2005 e 2009) e uma legislatura (2005-2009) a anunciar que queria “melhorar a equidade na obtenção de recursos”, designadamente através da aproximação “do regime de tributação das mais-valias mobiliárias ao praticado na generalidade dos países da OCDE”, acabou por ceder e propor a tributação das mais-valias mobiliárias, à taxa de 20%, mas limitando essa tributação aos rendimentos de pessoas singulares, em sede de IRS, deixando intencionalmente de fora os mesmos rendimentos quando obtidos por entidades sujeitas de IRC, isto é, recusando-se a tributar as mais-valias mobiliárias obtidas por Sociedades Gestoras de Participações Sociais, por Fundos de Investimento de diferentes natureza, por entidades não residentes e por diversos tipos de sociedades de capitais de risco.

Durante o debate ocorrido em 2010 ficou a saber-se, oficialmente, que, apenas com a tributação das mais-valias bolsistas em sede de IRS, a receita fiscal adicional anual estimada poderia ser superior a 200 milhões de euros. Mas a verdade é que, mantendo a quase isenção plena na tributação de mais-valias mobiliárias em sede de IRC, particularmente no que respeita a SGPS e à generalidade dos fundos de investimento, tal como a que incide sobre entidades não residentes, estava-se não só a manter a isenção fiscal sobre muitos mais rendimentos da mesma natureza como também se estava a criar um caminho de fuga à tributação de parte dos detentores de participações mobiliárias tributáveis em IRS, que as podem transferir para entidades sujeitas a IRC, mantendo-as, assim, fora do âmbito de tributação.

Ou seja, o PS e o seu Governo da altura, de mãos dadas com o PSD e o CDS, ao manterem na quase total isenção de tributação as mais-valias mobiliárias obtidas em sede IRC, não só continuam a desprezar, deliberadamente, receitas fiscais adicionais certamente bem superiores a 200 milhões de euros anuais como também permitem desenvolver o “caminho legal da evasão” para os rendimentos das mais-valias mobiliárias tributadas em sede de IRS.

3. O país está confrontado com as consequências económicas e sociais resultantes da aplicação de sucessivos programas de austeridade, desde os PECs propostos pelo Governo Sócrates e viabilizados pelo PSD, até ao Programa de Estabilização Financeira imposto pelo FMI e pela União Europeia, aceite pelo PS, pelo PSD e pelo CDS e incorporado no programa do actual Governo da Direita. O nosso País, os trabalhadores e o Povo confrontam-se com políticas económicas, sociais e fiscais que não só estão a provocar e a agravar uma profunda recessão económica como vão aumentar, ainda mais, a nossa dependência externa, contribuindo de forma acentuada para o aumento do desemprego, para o aumento da pobreza e da exclusão, para o agravamento das assimetrias sociais e das condições de vida da esmagadora maioria da população, reforçando-se de forma insustentável as políticas de flagrante iniquidade fiscal, com aumentos de transportes, de IRS e de IVA, e o corte de cerca de 50% do subsídio de Natal.

Num contexto em que alguns responsáveis partidários, da área do Governo da Direita mas igualmente da área do Partido Socialista, fazem declarações públicas no sentido de se tributarem de forma especial os mais ricos e poderosos para melhor se fazer face ao que designam por “esforço nacional para enfrentar a crise”, o PCP entende dever confrontar tais responsáveis e partidos com a possibilidade concreta de abandonarem a retórica e de darem passos palpáveis nessa direcção.

A tributação das mais-valias mobiliárias deve assim passar a ser um regra geral e universal, aplicável à generalidade dos rendimentos assim obtidos por todos os sujeitos passivos, sejam eles singulares ou colectivos. Desta forma se passarão a tributar milhões de euros de mais-valias mobiliárias realizadas em sede de IRC, por diversos tipos de entidades que até agora têm permanecido, no fundamental, sem qualquer tributação.

Com esta proposta está-se, no fundamental, a repor iniciativa semelhante do PCP que foi no passado rejeitada pela conjugação dos votos do PSD, do CDS e do PS. Mas, com esta proposta está-se também a dar uma segunda oportunidade a estes partidos para comprovarem se afinal é real ou virtual a sua intenção, recentemente proclamada, de tributar os mais ricos e poderosos deste País.

No concreto, o PCP propõe que passem a ser tributados, em IRC, os rendimentos das mais-valias obtidas pela alienação de participações sociais ou de bens mobiliários; propõe-se que passem a ser tributados, à taxa de 21,5%, as mais-valias mobiliárias obtidas pelas Sociedades Gestoras de Participações Sociais, Sociedades de Capital de Risco, Investidores de Capital de Risco e, de forma global, Entidades não residentes, e propõe-se igualmente que passem a ser tributadas, à taxa de 21,5% (em vez de uma taxa de 10%), as mais-valias mobiliárias obtidas por Fundos de Investimentos, Fundos de Capital de Risco e Fundos de Investimento Mobiliários em Recursos Florestais.

Tendo em conta o exposto, o Grupo Parlamentar do PCP, ao abrigo das disposições regimentais e constitucionais aplicáveis, apresenta o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1.º
Alteração ao Estatuto dos Benefícios Fiscais

Os artigos 22.º, 23.º, 24.º e 32.º, que integram o Capítulo III – “Benefícios fiscais ao sistema financeiro e mercado de capitais” do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, abreviadamente designado por EBF, passam a ter a seguinte redacção:

“Artigo 22.º
(…)
1 – […]:
a) […]:
1) […];
2) […];
3) […].
b) […];
c) Tratando-se de mais-valias, obtidas em território português ou fora dele, há lugar a tributação, autonomamente, nas mesmas condições em que se verificaria se desses rendimentos fossem titulares pessoas singulares residentes em território português, à taxa de 21,5%, sobre a diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias obtidas em cada ano, sendo o imposto entregue ao Estado pela respectiva entidade gestora, até ao fim do mês de Abril do ano seguinte àquele a que respeitar.
2 – […].
3 – […].
4 – […].
5 – […].
6 – […].
7 – […].
8 – […].
9 – […].
10 – […].
11 – […].
12 – […].
13 – Os rendimentos, de qualquer natureza, dos fundos de fundos, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, têm um regime fiscal idêntico ao estabelecido no presente artigo para os rendimentos, de idêntica natureza, dos fundos de investimento.
14 – […].
15 – […].
16 – [revogado].

Artigo 23.º
(...)
1 – […].
2 – […].
3 – […].
4 – […].
5 – […].
6 – […].
7 – O saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias resultantes da alienação de unidades de participação em fundos de capital de risco é tributado à taxa de 21,5%, quando os titulares sejam entidades não residentes ou sujeitos passivos de IRS residentes em território português, que obtenham os rendimentos fora do âmbito de uma actividade comercial, industrial ou agrícola e não optem pelo respectivo englobamento.
8 – […].
9 – […].

Artigo 24.º
(…)
1 – […].
2 – […].
3 – […].
4 – […].
5 – […].
6 – […].
7 – O saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias resultantes da alienação de unidades de participação em fundos de capital de investimento imobiliários em recursos florestais é tributado à taxa de 21,5%, quando os titulares sejam entidades não residentes ou sujeitos passivos de IRS residentes em território português, que obtenham os rendimentos fora do âmbito de uma actividade comercial, industrial ou agrícola e não optem pelo respectivo englobamento.

Artigo 32.º
(…)

1- […].
2– [revogado].
3- [revogado].
4- […].
5 – […].
6- […].
7- […].
8– […].
9-– [revogado]”

Artigo 2.º
Norma revogatória

É revogado o artigo 27.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho.

Artigo 3.º
Entrada em vigor

A presente Lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.

Assembleia da República, em 31 de Agosto de 2011

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