Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

Tributa os dividendos distribuídos por sociedades gestoras de participações sociais

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Tributa os dividendos distribuídos por sociedades gestoras de participações sociais (Altera o artigo 51.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro, e o artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios
Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho)
(projecto de lei n.º 449/XI/2.ª)

Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos,
Desengane-se, nós não apresentamos iniciativas para causar dificuldades ao PS. O PS causa as suas próprias dificuldades, como é bem visível para todos os portugueses.
Apresentámos esta iniciativa na sequência de declarações do Primeiro-Ministro e do Ministro das Finanças sobre a indignidade deste posicionamento da PT e de outras empresas. Portanto, o que fizemos — já sabemos que os senhores têm dificuldade quando se trata de tributar os lucros dos grupos económicos — foi pegar na formulação jurídica do Governo e dizer, simplesmente, que se isto se aplica a 2011 e estas empresas querem fugir pagando em 2010, então aplique-se também em 2010.
A Sr.ª Deputada diz que nós desvalorizamos essa norma do Orçamento para 2011. Não, Sr.ª Deputada, tanto não desvalorizamos que até queremos que ela se aplique em 2010! E aí é que está o ponto! Vamos hoje aqui discutir, Sr.ª Deputada, se estas empresas que estão a tentar fugir ao pagamento do imposto vão ou não pagá-lo. E é isso que a Sr.ª Deputada tem que dizer ao País, ou seja, se está de acordo que elas paguem, como disseram o Primeiro-Ministro e o Ministro das Finanças, ou se está de acordo que elas não paguem, como querem os seus accionistas.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
O debate de hoje e a votação do projecto do PCP vão ser um teste a esta Assembleia da República e aos Deputados. Um teste para saber se há ainda um resto de independência do poder político face ao poder económico, ou se nem nesta cristalina questão da tributação da distribuição de dividendos de empresas como a PT a capacidade de decisão política do Governo e de alguns partidos se encontra completamente capturada pelos grandes grupos económicos.
Durante as últimas semanas, foram muitas as declarações de repúdio pela tentativa de fugir à tributação da PT e de outras empresas, incluindo, como foi já aqui referido, da parte do
Primeiro-Ministro, do Ministro das Finanças e de muitos Deputados de várias bancadas.
Os argumentos que foram sendo avançados contra a aprovação deste projecto não têm qualquer
fundamento.
Ao contrário da semana passada em relação à proposta do PCP de que fosse actualizada a taxa aplicável às mais-valias, já não há acordo com o PSD que condicione o voto do PS.
Com esta iniciativa do PCP, não se comprometem as contas públicas, argumento recorrentemente utilizado na última discussão orçamental para chumbar justas propostas desta nossa bancada. Não. Com esta iniciativa, melhora-se a situação das contas públicas, visto que a sua aprovação constituirá uma receita adicional de centenas de milhões de euros, mais de 200 milhões só no caso dos dividendos da PT. E aumenta-se a receita sem retirar aos salários, às prestações sociais, às reformas, retirando, justamente, aos que muito lucram e pouco pagam.
Com esta iniciativa do PCP, não há qualquer tipo de aplicação retroactiva da lei fiscal. Aliás, essa norma constitucional está lá por proposta do PCP e não do CDS, o qual, tanto quanto me lembro, não tinha nenhuma proposta nesse sentido.
Não se trata de um novo imposto mas da eliminação de um benefício que limitava a tributação destes dividendos. Era o que faltava que não houvesse retroactividade para aumentar o IRS sobre os salários e as reformas em 1 e 1,5 pontos percentuais, como o Governo e o PSD fizeram neste ano, mas, para tributar os dividendos dos lucros destas grandes empresas, já houvesse retroactividade.
A norma constitucional da proibição de retroactividade não significa que se considerem retroactivas as alterações feitas dos impostos já existentes, como é o caso desta iniciativa. Aliás, gostaríamos muito de saber o que se diria então em relação à criação de um novo escalão de 45% no IRS, em 28 de Abril de 2010, que se aplicou a todo esse ano; em relação à taxação das mais-valias bolsistas em IRS, aprovada em 26 de Julho de 2010, aplicando-se a todo o ano de 2010; ou, se o Sr. Deputado Victor Baptista quiser um exemplo que não é de IRS, a criação de uma taxa autónoma em IRC em 5 de Dezembro de 2008, que se aplicou (repare-se: foi publicado em 5 de Dezembro de 2008) a todos os rendimentos do ano de 2008. E o PCP esteve a favor de
todas essas propostas. Não se percebe como é que agora se invocam esses argumentos!?
Se alguém antecipa alguma coisa indevidamente, não é esta proposta do PCP. Todos sabem que em geral estes dividendos se distribuem em Abril ou Maio. Todos sabem que é perante a alteração das normas de tributação, anunciada com o Orçamento do Estado para 2011, que estas empresas decidiram antecipar a distribuição do dividendo para tentar não pagar imposto.
Não é o projecto de lei do PCP que antecipa o imposto para apanhar os dividendos, é a PT e as outras empresas que antecipam os dividendos para não pagar o imposto.
É também caricato que o PSD e outros venham falar de estabilidade fiscal. Logo no ano em que aumentou o IVA, em Julho, logo no ano em que o PSD ajudou a aprovar um aumento do IRS sobre os trabalhadores, também em Julho. Para o povo e os trabalhadores não é preciso haver estabilidade fiscal, mas para o grande capital é preciso sempre haver estabilidade fiscal.
Escusam também de vir com a velha tese de que esta, como qualquer medida que vise introduzir alguma justiça na tributação dos lucros, vai assustar os investidores. Alguém explica como é que esta medida, em 2010, assusta os investidores e a mesma medida, em 2011, já não assusta os investidores? De acordo com esta lógica, a única solução seria (e penso que é a solução do CDS) a de sermos um paraíso fiscal e aí, sim, teríamos muito investimento… Porém, como está bom de ver, não é nada assim.
E se, hoje, for aprovado este projecto de lei e a sua votação, na especialidade, decorrer de forma a que, ou na votação de amanhã, ou no máximo na de dia 9, seja aprovado em votação final global, só o veto do Presidente da República pode impedir a sua aplicação, em 2010.
Aliás, uma Assembleia que aprovou, de um dia para o outro, a falsa nacionalização do BPN, a
nacionalização dos prejuízos do BPN, agora não é capaz de, em uma semana, aprovar um diploma com três artigos para introduzir mais justiça fiscal, na opinião do Partido Socialista.
É, por isso, altura de o voto bater certo com o discurso. Votar contra este projecto de lei do PCP significa dar ao Grupo Espírito Santo, à Ongoing e a outros os milhões que o PS e o PSD retiraram, com o Orçamento do Estado, aos salários, às reformas ou ao abono de família.
Os que se preocupam com os tostões das prestações sociais, como é o caso do CDS, deixam passar os milhões dos lucros destas empresas.
É altura de sabermos se o Governo, quando anunciou, em Setembro, a intenção de tributar estes
dividendos, o fez com seriedade ou de forma capciosa para deixar espaço à manobra de roubo ao fisco que estas empresas se propõem praticar.
Os Deputados, titulares do poder político, eleitos pelo povo para o órgão de soberania que representa a pluralidade da nossa sociedade, é que vão decidir hoje o destino desta proposta do PCP.
Respeitamos totalmente as decisões, regras e processos internos de cada bancada, nos quais obviamente não nos imiscuímos, designadamente em relação à questão da disciplina de voto. Mas hão-de permitir-nos dizer o seguinte: é que, sempre que se trata de tocar em um cêntimo dos lucros de grandes grupos económicos, há sempre disciplina de voto. Costuma dizer-se que as excepções à disciplina de voto são para as questões de consciência. Mas é ou não uma questão de consciência decidir que quem tem lucros tem de pagar imposto? Sempre! E sobretudo num momento em que se impõem pesados e injustos sacrifícios à generalidade dos portugueses. Sobretudo, num momento em que, ao que parece, se vão estender estes sacrifícios até ao aumento do salário mínimo nacional, cujo compromisso o Governo se prepara para romper.
Se este projecto de lei for chumbado, prova-se que quem decide o voto destas bancadas não são elas mesmas ou a sua direcção, nem sequer o Governo e o seu núcleo duro. Quem decide é o poder económico.
Eles mandam e aqui há quem lhes vá obedecer.
Se este projecto de lei não for hoje aqui aprovado, a razão não será técnica ou económica. A razão será a de se querer proteger os lucros dos grandes grupos económicos, em vez de se proteger o interesse colectivo.
E essa é a responsabilidade política de todos e cada um dos Deputados desta Casa. Defender o interesse colectivo ou vergar-se perante o interesse de um punhado de accionistas.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Francisco Assis,
Respeitamos totalmente as decisões da bancada do Partido Socialista, e foi isso que quis salientar na minha intervenção.
Agora, há uma responsabilidade política pelas decisões que se tomam. E esta decisão que vamos agora tomar, como o Sr. Deputado há algumas semanas bem disse, é a decisão que vai impor, ou não, a tributação justa a estas empresas que querem fugir a ela.
Os senhores — o Sr. Deputado e outros Deputados da sua bancada — falaram, muitas vezes, na procura de uma solução técnica para o fazer e, agora, curiosamente, já não falam na solução técnica e dizem que esta norma só pode entrar em vigor em 2011.
Ora, aí é que está a grande contradição — e é essa contradição que temos de assinar.
Sr. Deputado, o que temos de perguntar, neste momento, é a quem interessa a decisão que cada bancada vai tomar. Se este projecto de lei for chumbado, a quem interessa esse chumbo? Interessa aos accionistas, que não vão pagar o imposto.
E aquilo que o Sr. Deputado Francisco de Assis diz que é equidade não é senão uma impunidade que tem de ser combatida e que nós, com esta iniciativa, queremos combater.

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