Intervenção

Tribunal de Contas - Intervenção de Honório Novo na AR

Quarta alteração à Lei da Organização e Processo do Tribunal de Contas, aprovada pela Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto


Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado,

Esta proposta de lei vem, de facto, introduzir alterações sentidas e positivas, desde há muito exigidas e, poderia dizê-lo, exigíveis. Desde logo, é positivo que o Tribunal de Contas passe a exercer fiscalização sobre empresas municipais e intermunicipais, sobre as concessionárias de obras e de serviços públicos; é positivo que o Tribunal de Contas passe a poder investigar pessoalmente gestores ou utilizadores de dinheiros públicos sem problemas.

Todavia, Sr. Secretário de Estado, tudo isto coloca na ordem do dia o problema dos meios: se não houver meios capazes de responder aos novos desafios, pode o Governo estar, indirecta e — admitimos perfeitamente — inconscientemente, a contribuir para a desresponsabilização e para a descredibilização da própria
acção do Tribunal de Contas.

Quanto a nós, PCP, tudo faremos para que a falta de meios não venha a contribuir para essa desacreditação eventual. Mas basta ver os relatórios de actividade interna do Tribunal de Contas para percebermos que a situação é muito má. Basta ver o número de processos arquivados por insuficiência de provas ou de elementos para percebermos que a situação, já hoje, não é a que nos possa satisfazer.

Daí a primeira questão, Sr. Secretário de Estado: que compromissos públicos assume aqui hoje o Governo neste aspecto central de garantir meios capazes de permitir ao Tribunal de Contas responder a este acréscimo significativo e positivo de responsabilidades e competências?

Sr. Secretário de Estado, quando se fala de meios e instrumentos não se fala apenas de recursos humanos e financeiros, fala-se também de instrumentos de investigação. Também aqui, Sr. Secretário de Estado, não basta atribuir, e bem, competências de investigação da responsabilidade individual dos gestores, tem de permitir-se que o Tribunal de Contas aceda a todos os meios possíveis e já hoje disponíveis de investigação.

Daí a segunda questão: por que não se confere ao Tribunal de Contas a possibilidade de levantar o sigilo bancário fiscal? Por que não lhe é dada essa possibilidade ao menos nos mesmos termos, nos mesmos níveis em que é já hoje possível fazer esse levantamento, por exemplo, pela administração fiscal?

Não se entende que se dê esta responsabilidade e não se dê todos os meios de investigação ao Tribunal de Contas.

Não se entende!

Finalmente, Sr. Secretário de Estado, no debate que já travámos com o Presidente e o Vice-Presidente do Tribunal de Contas e com o Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público criaram-se consensos relativamente alargados sobre matérias em relação às quais importa ouvir a opinião do Governo.

Está o Governo disponível a aceitar que os cidadãos possam vir a intervir em juízo com base em relatórios produzidos pelo próprio Tribunal de Contas? Qual é a sua opinião? Está ou não o Governo disposto a condicionar e a limitar a faculdade criada de os órgãos de controle interno, isto é, os órgãos tutelados pelo poder político, pelo Governo (isto é, pelos governos, sejam eles quais forem), poderem intervir em juízo sem limitação? Ou melhor: está ou não o Governo disposto a condicionar e a limitar uma faculdade que pode, a manter-se nos termos propostos, quer o Sr. Secretário de Estado queira ou não, criar condições para um certo aproveitamento partidário do Tribunal de Contas?

Esta é uma questão central que tem de ser respondida pelo Sr. Secretário de Estado.

(…)

Sr. Presidente,
Sr. Ministro,
Sr. Secretário de Estado,
Sr.as e Srs. Deputados:

Os relatórios mais recentes da actividade do Tribunal de Contas revelam uma percentagem muito elevada de processos remetidos para o Ministério Público que são depois arquivados por falta ou insuficiência de elementos e de provas: foram 79% dos processos em 2005, foram 59% dos processos em 2004!

Os mesmos relatórios mostram que, no total, são mais de 12 000 as entidades, actualmente, com a lei que está em vigor, sujeitas ao controlo e à fiscalização do Tribunal de Contas: 5000 na administração central, outras tantas na administração local, cerca de 800 na administração regional e 900 no sector público empresarial, com a actual lei.

Estes indicadores mostram bem o volume de trabalho que recai sobre o Tribunal de Contas e revelam igualmente uma situação muito pouco confortável, ao nível dos meios disponíveis, para levar a bom porto todas as atribuições que estão já hoje constitucionalmente cometidas ao Tribunal de Contas.

Sr. Secretário de Estado, isto remete-nos para as consequências possíveis das alterações agora propostas pelo Governo, que não coloca em causa as propostas, pode é colocar em causa o funcionamento.

É proposto o alargamento de competências e da esfera de actuação do Tribunal de Contas. O Governo propõe — e bem — que o Tribunal de Contas passe a fiscalizar empresas municipais, intermunicipais e regionais, propostas que, aliás, esta semana também um projecto de lei do Bloco de Esquerda veio, no fundamental, secundar.

Para além destas alterações, o Governo propõe que o Tribunal de Contas passe também a fiscalizar empresas concessionárias de serviços públicos e de obras públicas e, igualmente, passe a desenvolver investigação de gestores e utilizadores de dinheiros públicos em qualquer entidade, seja ela qual for, mesmo, e bem, em empresas privadas desde que beneficiárias de dinheiros públicos.

Face a este significativo aumento de entidades a serem fiscalizadas, face ao acréscimo de responsabilidades atribuídas ao Tribunal de Contas, que esta bancada subscreve por inteiro, importa dotar o Tribunal dos meios humanos e financeiros que este venha a considerar necessários para o exercício pleno das
novas atribuições. Caso isso não se venha a verificar — e pode crer, Sr. Secretário de Estado, que o PCP estará muito atento a isso, apesar das suas declarações —, será impossível melhorar os indicadores insuficientes, que hoje são visíveis nos relatórios de actividade do Tribunal de Contas, e estar-se-á a contribuir para a eventual descredibilização desta alteração legislativa e a não permitir ao Tribunal de Contas responder cabalmente aos novos desafios que são lançados.

Simultaneamente, Sr. Secretário de Estado, importa que se dote o Tribunal de Contas de todos os instrumentos de investigação que lhe permitam apurar responsabilidades pessoais e individuais dolosas. Por isso, considerámos não só possível mas necessário e imprescindível que o Tribunal de Contas passe a dispor, para esses exactos efeitos, da capacidade de aceder a informações bancárias e fiscais reservadas, capazes de o dotar de meios eficientes de investigação. Ora, desta questão (não sei porquê!) o Sr. Secretário de Estado «fugiu como diabo da cruz». Espero que na próxima vez não fuja e assuma esta resposta, por favor.

O PCP julga ainda necessário melhorar alguns outros aspectos da proposta de lei, em sede de especialidade. Desde logo, alguns que permitam ao Tribunal de Contas a possibilidade de acompanhar on line os elementos relativos à execução orçamental, que, aliás, o PCP, como outros partidos, tem vindo recorrentemente a sublinhar em sede de debate da Conta Geral do Estado.

Noutro plano, entendemos que o debate já produzido em sede de Comissão, com o Presidente e Vice-Presidente do Tribunal de Contas e com o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, permite criar perspectivas de consensualizar em especialidade, pelo menos, quatro alterações à proposta de lei, que vou passar a enunciar, embora tenha registado, Sr. Secretário de Estado, que, pelas respostas que nos deu, parece que o Governo está a fugir desse consenso, o que é absolutamente lamentável, a menos que tenha havido alguma dificuldade de comunicação entre o Governo, o Ministério, o Sr. Secretário de Estado, e a sua bancada.

E quais são essas quatro questões? Primeiro, permitir, em certas condições e perante um relatório do Tribunal de Contas a que o Ministério Público entendeu não dar seguimento em juízo, a interposição de acções populares.

Segundo, encontrar dispositivos internos que permitam a consensualização entre relatórios oriundos de diversas entidades, designadamente de órgãos de controlo interno e do Tribunal de Contas.

Terceiro, limitar e condicionar a faculdade isolada e desregrada que se propõe atribuir aos órgãos de controlo interno para intervir em juízo, impedindo que estes órgãos, estritamente tutelados pelo Governo — isto é, por V. Ex.ª, Sr. Secretário de Estado –, possam ser (deixe-me utilizar um termo vulgarizado e mal usado pela Ministra da Educação, mas vou usá-lo propriamente) capturados partidariamente pelo partido, ou partidos, que estiver no poder Executivo.

Quarto, reflectir, através de um alargamento ou de melhor caracterização, sobre o conjunto de situações passíveis de serem objecto de acção sancionatória, designadamente para obter uma melhor adequação ao tipo de infracções que podem vir a ser detectadas nalgumas das novas entidades sobre quem vai passar a exercer fiscalização, caso das empresas municipais ou das concessionárias de serviços públicos e de obras públicas.

Uma palavra final, Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: O PCP considera positiva a apresentação desta proposta de lei e entende que há mesmo condições para melhorar alguns dos seus aspectos e normas, se o Governo não fugir ao consenso que tinha sido já conseguido nesta Casa.

Vamos ver!

Se assim for, dar-se-ão mais alguns passos na criação das condições necessárias, alargadas e reforçadas de intervenção do Tribunal de Contas, que é, como se sabe, um órgão essencial para a verificação da conformidade, para a aferição do controlo de gestão e para a avaliação da eficiência na utilização dos dinheiros públicos.

 

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