Intervenção de

Tribunais Judiciais - Intervenção de João Oliveira na AR

Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais

 

 

Sr. Presidente,

Sr. Ministro da Justiça,

Ouvi com muita atenção a intervenção que acabou de realizar sobre esta matéria e gostaria de começar por registar a habilidade que o Sr. Ministro tem utilizado ao longo do tempo relativamente a esta proposta (proposta de lei n.º 187/X) ao dizer que este Governo não irá encerrar tribunais. De facto, este Governo não poderá encerrar tribunais porque a entrada em vigor da proposta de lei em todo o território nacional está prevista para 2010, o que já extravasa o âmbito desta legislatura. Portanto, o Sr. Ministro, com este Governo, não poderá certamente encerrar tribunais.

Gostaria que o Sr. Ministro nos fornecesse um dado bem concreto, que nos dissesse em que artigo da proposta de lei se diz que nenhum dos tribunais actualmente existentes irá ser encerrado. É porque não há um único artigo da proposta de lei que diga aquilo que o Sr. Ministro tem sucessivamente repetido, pelo que gostaria que nos esclarecesse sobre esta matéria.

Gostávamos também que nos dissesse onde é que irão ser criados os novos tribunais, os novos serviços de justiça, porque não serão certamente criados tribunais; poderão ser criados juízos a substituir os tribunais de hoje, mas os tribunais não serão criados.

Gostava que nos dissesse também onde é que serão criados os novos serviços de justiça porque o estudo em que se baseia a proposta de lei do Governo determinava a existência de muitos encerramentos.

Sr. Ministro, em terceiro lugar, há uma série de questões que são avançadas como sendo grandes inovações introduzidas pela proposta de lei em termos de organização judiciária, mas gostávamos que o Sr. Ministro explicasse por que é que o actual regime não permite que elas se concretizem, a começar pela justiça mais especializada que o Sr. Ministro tantas vezes tem afirmado que poderá estar ao alcance de todos os cidadãos, quando até agora só era acessível aos cidadãos e às empresas dos grandes centros urbanos. Por que é que, até hoje, essa justiça mais especializada não pôde estar ao alcance de todos os cidadãos? Por que é que o Governo não tomou medidas no quadro do actual modelo? Quais eram os estrangulamentos que o actual modelo introduzia para que essa impossibilidade se verificasse?

Em relação aos gabinetes de apoio aos magistrados, em que é que o actual modelo não permitia que esses gabinetes de apoio fossem criados ou que os tribunais fossem dotados de assessores?

Por que é que o novo modelo prevê, por exemplo, um regime de mobilidade dos funcionários com um quadro territorial superior, quando hoje faltam 1600 funcionários e temos quadros subdimensionados?

Em que é que o modelo actual falhou e como é que o novo modelo vai resolver estes problemas?

Por último, Sr. Ministro, coloco-lhe uma questão muito concreta. Sr. Ministro, o concelho de Mora, que pertence ao distrito de Évora e que dista 60 km de Évora, está, neste novo mapa judiciário, integrado na área territorial do tribunal de comarca de Portalegre.

Gostávamos que o Sr. Ministro nos explicasse como é que os habitantes do concelho de Mora vão ficar mais perto da sede de comarca do seu tribunal.

(...)

Sr. Presidente,

Srs. Membros do Governo,

Sr.as e Srs. Deputados:

Falar de morosidade, dos custos da justiça, da acumulação de processos, da falta de equipamentos adequados ou de instalações degradadas é falar apenas dos problemas com que se confrontam aqueles portugueses que conseguem aceder ao sistema judicial.

A estes temos de juntar todos aqueles portugueses que não acedem à justiça porque não têm dinheiro para pagar as custas processuais, que não têm acesso ao apoio judiciário ou que não podem aceder aos tribunais porque a lei os empurra para o florescente mercado privado da justiça salomónica das arbitragens e das mediações.

O que todos estes problemas têm em comum é que nenhum deles é novo, nenhum deles é resultado da acção exclusiva de um só governo e todos eles têm sido agravados com as políticas prosseguidas pelo PS e pelo PSD, com ou sem o CDS - aliás, um motivo acrescido para que a próxima moção de censura, que vamos discutir no dia 8, seja votada favoravelmente.

No que respeita ao estado em que se encontra a actual organização judiciária, a conclusão da sua inadequação às necessidades do País e dos cidadãos é óbvia. No entanto, ao invés de explorar as potencialidades e capacidades do actual modelo, ao invés de dotá-lo dos meios e instrumentos de que carece, o Governo propõe um novo modelo, tentando «branquear» as responsabilidades que tem no estado actual do sistema judiciário.

A proposta de lei abre portas ao encerramento de tribunais actualmente existentes, agravando as dificuldades de acesso dos cidadãos à justiça. O modelo proposto pelo Governo concentra recursos e não garante que se mantenham em funcionamento os tribunais actualmente existente. Aliás, se compararmos o estudo que serviu de base à elaboração da proposta com o modelo que hoje discutimos, fica claro que o Governo não desistiu da intenção de encerrar tribunais.

Apenas não tem coragem para dizer, desde já, quais são os que encerram.

A proposta do Governo introduz igualmente novos factores de constrangimento na actuação dos juízes e no funcionamento dos tribunais. A reconfiguração do papel do juiz presidente, o âmbito das competências que lhe são atribuídas e a criação da figura do magistrado coordenador do juízo introduzem uma estrutura piramidal no funcionamento dos tribunais que pode constranger a actuação judicial.

A definição de «objectivos mensuráveis», como se diz no texto da proposta, para cada unidade orgânica, evidencia uma preferência pela justiça feita «à peça», que se possa mostrar nas estatísticas, subalternizando a preocupação, que devia ser central, com a qualidade da justiça e a adequação das decisões aos casos concretos.

Por outro lado, o Governo, que diz permitir o acesso dos cidadãos a uma justiça mais especializada, acaba com os tribunais de competência especializada, transformando-os em meros juízos dos tribunais de comarca, sem dizer onde e quando vão ser criados.

Esta desqualificação assume particular importância no que respeita à justiça laboral. Procurando ignorar a história de luta que conduziu à autonomização do direito laboral, menosprezando os resultados da criação dos tribunais de trabalho no nosso país, desconsiderando a importância que estes tribunais assumem no quadro em que vivemos, de crescente desprotecção dos trabalhadores, o Governo propõe que troquemos os actuais 66 tribunais de trabalho pela mera possibilidade de criação de juízos de trabalho nas 39 comarcas.

Com esta proposta de organização judiciária, o Governo propõe que a Assembleia da República assine um «cheque em branco» para que o Governo possa encerrar tribunais. O Governo propõe que esta Assembleia abdique de garantir que existe, em todo o País, uma rede de tribunais adequada às necessidades dos cidadãos e às exigências da justiça.

Para estas propostas, não contarão com o voto do PCP.

 

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