Projecto de Resolução N.º 542/XV/1.ª

Travar a especulação, garantir e proteger o direito à habitação

Exposição de motivos

O acesso à habitação constitui hoje uma das maiores preocupações no País.

Quem procura casa não a encontra, porque os preços são absolutamente proibitivos. Quem tem casa e paga renda (ou prestação ao banco) enfrenta custos que não param de aumentar, e vive em constante sobressalto de poder vir a ficar sem casa. Esta é a realidade de milhares e milhares de famílias.

Os jovens saem cada vez mais tarde da casa dos pais, não se conseguem autonomizar, porque o salário é baixo, porque o vínculo laboral é precário, porque não têm estabilidade que lhe permita assumir outros compromissos, isto num contexto em que os custos com a habitação assumem valores especulativos e inacessíveis para grande parte da população. Em muitos casos, não tendo condições para pagar os custos com a habitação, já não procuram uma habitação, mas um quarto, partilhando casa, ou são forçados a ficar em casa dos pais. O País está a regressar ao passado.

No arrendamento, o brutal aumento dos valores de rendas levou à expulsão de milhares de inquilinos das suas casas e dos seus bairros, devido à famigerada lei dos despejos, que na verdade precarizou o direito à habitação e introduziu mecanismos que facilitam o despejo. Em 2022 os despejos voltaram a aumentar, ficando muito próximo do número de despejos verificado em 2019. Em 2022 deram entrada no balcão nacional do arrendamento, verdadeiro balcão dos despejos, 2.329 pedidos de procedimento especial de despejo, enquanto em 2019 tinham entrado 3.229 pedidos. Todavia, a experiência comprova que estes números estão muito longe de alcançar a verdadeira dimensão do problema, tendo em conta os milhares e milhares de inquilinos que não são formalmente despejados, mas que são confrontados com o fim dos contratos de arrendamento e o aumento insuportável das rendas.

As famílias com crédito à habitação estão já a sentir os impactos do aumento das taxas de juro no aumento da prestação mensal do crédito à habitação. Há famílias cuja prestação aumentou 100, 200, 300, 400 euros, algumas com aumentos de quase 80%. As taxas de juro já vão no quinto aumento consecutivo: em março prevê-se novo aumento e a perspetiva é que não ficará por aqui, tornando cada vez mais sombria a vida de milhares de famílias.

Enquanto as condições de vida das famílias se degradam dia após dia e os salários e as pensões perdem poder de compra, há quem esteja a ganhar e muito.

Em 2022, os 5 principais bancos portugueses obtiveram lucros superiores a 2,5 mil milhões de euros, o que corresponde a um aumento de 81%.

Lucros obtidos à custa do empobrecimento das famílias, registando-se uma enorme transferência dos rendimentos do trabalho para o capital.

Entretanto, o Governo, correndo “atrás do prejuízo”, anunciou um conjunto de medidas na área da habitação. No fundamental, são medidas que não dão resposta aos problemas imediatos sentidos pelas famílias e que promovem a especulação. O Governo propõe ainda mais benefícios fiscais que favorecerão sobretudo aqueles que têm obtido chorudos lucros com a especulação da habitação: os fundos imobiliários e os grandes proprietários; usa os recursos públicos para continuar a alimentar a subida das rendas e das taxas de juro ao invés de enfrentar os interesses da banca e do imobiliário; mantém os regimes fiscais de privilégio como é exemplo o regime dos residentes não habituais, excetuando os vistos gold, cuja revogação já tardava. Sobre a lei dos despejos, nem uma palavra.

Para o Governo a habitação continua a ser uma mercadoria e não um direito consagrado na Constituição da República. Assenta as medidas anunciadas na lógica do mercado especulativo, que já revelou que, não só não resolve o problema do acesso à habitação, como é responsável pelo seu agravamento.

No debate público sobre as medidas anunciadas pelo governo tem-se desviado a atenção das questões essenciais, para aspetos acessórios, centrado na suposta violação do direito à propriedade privado, para esconder este grave problema social e a convergência entre PS, PSD, Chega e IL, na recusa para enfrentar a especulação

Os anúncios do Governo não rompem com as opções políticas das últimas décadas, em que a habitação foi tratada como subproduto da especulação imobiliária e financeira, empurrando as famílias para o endividamento, em que o Estado esteve ausente, demitindo-se das suas responsabilidades de garantir a todos o direito à habitação.

A habitação cumpre uma função social – suprir uma necessidade básica. A habitação é a base da estruturação e organização de uma família.

Sendo um bem essencial, a prioridade tem de ser proteger a habitação das famílias e assegurar o acesso à habitação a todos. Para O PCP é o direito à habitação que tem de ser protegido e não os lucros.

Para assegurar o acesso à habitação, combater a especulação e garantir que nenhuma família entre em situação de incumprimento e possa ver-se forçada a abandonar a habitação, o PCP propõe um conjunto de medidas para travar a subida das prestações do crédito à habitação, proteger os inquilinos dos despejos e das subidas de rendas, bem como aumentar a oferta pública de habitação.

É preciso enfrentar os interesses da banca, dos grandes proprietários e dos fundos imobiliários, desenvolver uma política de habitação em que o Estado se assuma como grande promotor de Habitação, intervindo de forma a garantir esse direito, contrariando a lógica nefasta da especulação e da acumulação de lucro à custa das condições de vida das populações. 

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte resolução:

Resolução

A Assembleia da República, nos termos n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomenda ao Governo que:

  1. Adote as seguintes medidas para a proteção da habitação própria:
    1. Definição de um spread máximo de 0,25% a praticar pela CGD;
    2. Criação de um mecanismo associado à Taxa Anual Efetiva Global (TAEG) determinando que a subida das taxas Euribor tenha como primeira consequência a redução das margens de lucro dos bancos que resultam de um conjunto de custos e encargos associados aos créditos à habitação (taxas e comissões bancárias, seguros, anuidades de cartões de crédito, entre outros), assegurando que a totalidade dos encargos com o crédito (amortização de capital, juros, outros custos e encargos) não ultrapasse o valor da TAEG definido no início do contrato;
    3. Criação de um regime legal de renegociação dos contratos de crédito à habitação, mediada por equipas do Banco de Portugal, considerando um limite de 35% de taxa de esforço e com extensão do prazo para pagamento do crédito;
    4. Aplicação de uma moratória de capital no pagamento do empréstimo(envolvendo dispensa de amortização de capital e limitação do pagamento de juros a uma taxa igual àquela que é utilizada para o financiamento dos bancos) por um período máximo de 2 anos, sendo o prazo de pagamento do empréstimo automaticamente prolongado por período idêntico;
    5. Criação de um regime específico de dação em cumprimento, admitindo a entrega da casa ao banco sem possibilidade de oposição deste e deforma a que a dívida seja considerada integralmente extinta e que quem entrega a casa possa ser compensado se ela for vendida posteriormente por um valor superior ao que foi considerado aquando da entrega;
    6. Possibilidade de conversão do crédito à habitação em arrendamento, compossibilidade de retoma do empréstimo no prazo de 10 anos, deduzindo do capital em dívida o valor total das rendas entretanto pagas;
    7. Proibição de penhora ou execução de hipoteca do imóvel que constitua habitação própria permanente quando se comprove a inexistência de rendimentos suficientes para assegurar a subsistência do devedor ou do seu agregado familiar;
    8. Proibição de limitação de acesso ao crédito em consequência do recurso às medidas referidas nos números anteriores.
  2. Adote as seguintes medidas para a proteção da habitação arrendada:
    1. Fixação do limite máximo do valor da renda nos contratos de arrendamento que venham a ser celebrados, correspondente à aplicação do coeficiente de 1,0043 ao valor da última renda praticada no arrendamento de imóvel que tenha estado sujeito a arrendamento nos24 meses anteriores;
    2. Proibição de despejo quando se comprove a inexistência de rendimentos suficientes para assegurar a subsistência do inquilino ou do seu agregado familiar;
    3. Proibição de denúncia do contrato quando se comprove a inexistência de rendimentos suficientes para assegurar a subsistência do inquilino ou do seu agregado familiar e quando se demonstre que a renda paga corresponde a uma taxa de esforço igual ou superior a 25%;
    4. Revogação do Novo Regime de Arrendamento Urbano, adotando legislação que reforce a proteção dos inquilinos, remova os mecanismos de facilitação do despejo e que regule os valores das rendas.
  3. Adote medidas para garantir o acesso à habitação:
    1. Assunção pelo Estado da sua responsabilidade enquanto promotor público de habitação, com o objetivo de alargar a oferta e disponibilização de habitação pública para suprir as carências identificadas;
    2. Identificação, reabilitação e disponibilização de imóveis do Estado que possam ser destinados à habitação, proibindo a alienação de património público com características que permitam a sua utilização para fins habitacionais;
    3. Promoção, através do movimento cooperativo, sector social e mutualista de um parque habitacional, a custos e qualidade controlados, destinado a o regime de renda condicionada;
    4. Criação de programas cooperativos, abertos a uma base alargada de agentes, destinados à recuperação e reabilitação de habitação;
    5. Disponibilização pelo Estado de uma linha de crédito a taxa reduzida destinada à recuperação e reabilitação de imóveis atualmente devolutos ou destinados a fins não habitacionais e que passem a ser destinados a habitação no regime da renda condicionada;
    6. Implementação de um regime simplificado de posse administrativa pelo IHRU, em articulação com as autarquias, de imóveis devolutos da propriedade de fundos imobiliários, ou de outros proprietários que não recorram ao mecanismo anterior, disponibilizando-os para arrendamento no regime da renda condicionada;
    7. Limitação da aquisição de habitações por fundos imobiliários;
    8. Limitação da mobilização de habitações para uso de Alojamento Local em áreas de declarada carência habitacional.