Intervenção de

Tratamento de dados referentes ao sistema judicial

 

Regime jurídico aplicável ao tratamento de dados referentes ao sistema judicial

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado da Justiça,

Sem prejuízo da intervenção que farei seguidamente sobre a proposta de lei em causa (proposta de lei n.º 246/X), gostaria de lhe colocar algumas questões que consideramos essenciais na análise deste diploma.

Em primeiro lugar, a proposta de lei em causa não refere qualquer medida relativamente às garantias de segurança que o Estado português deve ter na relação com os fornecedores informáticos das aplicações a utilizar no âmbito do sistema judicial.

Sabemos que o Governo português celebrou uma série de protocolos com a Microsoft que permitem a utilização de aplicações desta corporação internacional pelo Estado português, mas também sabemos, Sr. Secretário de Estado, que a Marinha dos Estados Unidos comprou uma aplicação de software livre desenvolvida pelo Exército português, porque entende que é fundamental que o Estado garanta, em determinadas funções, a existência, o funcionamento e a utilização de aplicações informáticas que permitam segurança na utilização dos dados, no seu armazenamento e no seu tratamento.

Portanto, Sr. Secretário de Estado, estando em causa o exercício de funções por órgãos de soberania e a utilização de dados dos cidadãos de especial melindre que envolvem o sistema de justiça, sendo certo que o Governo entende que esta informação não exige cuidados ou exigências especiais relativamente a quem fornece as aplicações informáticas que os vão gerir, gostaríamos de saber se o Governo entende ou não que é de adoptar uma orientação de privilégio a instituições nacionais e, até mesmo, a utilização de aplicações de software livre neste domínio, por motivos de segurança.

Por outro lado, Sr. Secretário de Estado, a proposta de lei também nada diz sobre o enquadramento profissional ou laboral dos técnicos que intervirão directamente na concepção, manutenção e desenvolvimento destes sistemas informáticos.

Gostaria de saber, antes de mais, se não o preocupa que os cerca de 100 trabalhadores que hoje lidam no Instituto de Tecnologias de Informação na Justiça (ITIJ) com o CITIUS, por exemplo, estejam numa situação de precariedade laboral, sujeitos a pressões que podem ter efeitos preocupantes na forma como exercem as suas funções.

Aliás, gostaria de o ouvir desmentir estas informações, porque 100 técnicos numa situação de precariedade laboral a lidar com esta informação é preocupante.

Por outro lado ainda, gostaria de saber se entende ou não que, em relação aos técnicos que estarão envolvidos em funções desta importância, deveriam estar previstas, com alguma solidez e segurança, regras de enquadramento profissional capazes de oferecer garantias adequadas à importância da informação com que lidam.

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados,

É inegável a importância que a introdução das novas tecnologias pode ter no sistema de justiça e a importância da utilização dos avanços tecnológicos também no âmbito do sistema judicial. Não é isso, obviamente, que está hoje em causa.

Aquilo que está hoje em causa é o facto de o Governo ter começado a construir esta casa pelo telhado, porque, primeiro, o Governo introduziu a informatização da justiça e criou incentivos à sua utilização, tendo mesmo criado, em alguns casos, a obrigação de utilização dos meios informáticos, como no da acção executiva, e agora é que apresenta à Assembleia da República uma proposta de lei com o objectivo de introduzir algumas regras na utilização das tecnologias de informação no âmbito da justiça e, sobretudo, com alguma preocupação de introduzir segurança na utilização dos sistemas informáticos.

Sr. Secretário de Estado, esta metodologia é ainda mais questionável quando o processo decorreu nos termos em que de decorreu.

Primeiro, introduziu-se a informatização na justiça sem que houvesse meios adequados. Refiro um exemplo que já utilizei algumas vezes, mas julgo que é oportuno fazê-lo de novo: no Alentejo, havia um tribunal onde os funcionários tinham acesso ao primeiro processo uma hora e meia depois de porem o sistema a funcionar - e não era por ser no Alentejo que o computador funcionava com alguma lentidão, Sr. Secretário de Estado!

O problema era a sobrecarga da utilização do sistema informático, à qual aquele meio tecnológico não dava resposta.

Entretanto, Sr. Secretário de Estado, começaram a surgir algumas dúvidas e fragilidades na utilização do sistema, com processos que surgiam encerrados sem o estarem, com despachos dos magistrados do Ministério Público que desapareciam do sistema, com a manutenção do Citius, que, apesar da informação do Ministério, acabavam por durar dois dias para lá do prazo inicialmente fixado, levantando dificuldades e até impossibilidade do ponto de vista do acesso a esse sistema, e, agora, com a questão da intromissão ilegal num computador de um magistrado do Ministério Público ligado a um processo sensível que se encontra em investigação.

A verdade é que, perante isto, o Ministério da Justiça foi-se desresponsabilizando sucessivamente, foi atribuindo responsabilidades à Procuradoria-Geral da República, a alguns operadores judiciários e, finalmente, apresenta uma proposta de lei que consubstancia os alicerces da casa.

No fundo, temos agora em discussão os fundamentos, algumas regras e alguns mecanismos de segurança na utilização destes meios tecnológicos no âmbito da justiça.

Para além das duas questões que já coloquei ao Sr. Secretário de Estado, esta proposta de lei levanta-nos algumas dúvidas.

Em primeiro lugar, de acordo com os artigos 55.º e 56.º da proposta, prevê-se um prazo de entrada em vigor de seis meses que não percebemos porquê. Se se trata de regras de segurança e de regras de funcionamento, da recolha e do tratamento dos dados, por que é que há esta vacatio legis de seis meses? Depois, há uma norma que prevê dois anos para a introdução de adaptações técnicas.

Sr. Secretário de Estado, o que é que pode estar em causa que possa implicar um trabalho de dois anos na introdução de adaptações técnicas? Ou, então, o que é esta proposta de lei inviabiliza, passados esses dois anos, na introdução dessas adaptações técnicas?

Uma outra preocupação tem a ver com a separação de poderes, a independência dos tribunais e a autonomia do Ministério Público. Os artigos 22.º, n.º 3, e 21.º, n.º 5, prevêem a integração naquela comissão, que está previsto ser criada, de pessoas com competência e experiência técnica e não de magistrados. Julgamos que era importante esta questão ficar devidamente salvaguardada.

Concluo, Sr. Presidente, dizendo que temos um outro largo conjunto de questões e preocupações para colocar em sede de especialidade, sendo certo que, em nosso entender, a preocupação fundamental que deve estar em causa na elaboração desta lei é uma preocupação com a segurança na utilização dos meios informáticos na justiça e não, obviamente, com a introdução destas novas tecnologias no sistema de justiça.

  • Justiça
  • Assembleia da República
  • Intervenções