Intervenção de

Transporte rodoviário de mercadorias - Intervenção de José Soeiro na AR

Regime geral das contra-ordenações no âmbito do processo contraordenacional do regime jurídico do transporte rodoviário de mercadorias,

 

Sr. Presidente,
Sr.ª Secretária de Estado dos Transportes,
 Sr.as e Srs. Deputados:

O Governo apresenta-nos um pedido de autorização legislativa cujo objectivo essencial, como já foi referido, é o de poder aplicar como sanção a apreensão de documentos dos veículos que transportem mercadorias, em caso de excesso de carga. Esta é a questão central que está contida na «Exposição de motivos» desta proposta de lei de autorização legislativa.

Desde logo, creio que seria importante que a Sr.ª Secretária de Estado tivesse em conta que a problemática da segurança, sobretudo a segurança que já aqui foi invocada hoje para justificar esta autorização legislativa, passa por muitos outros factores, designadamente pelas condições em que muitos trabalhadores são obrigados a exercer a profissão de motorista.

A este propósito, devo dizer que o Governo dispõe de avaliações, feitas pelo anterior IDICT (Instituto para o Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho), que mostram que mais preocupante do que a carga é a inexistência de tacógrafos, o seu desaparecimento, a falta de controlo que efectivamente existe nesta matéria.

Atentando bem na «Exposição de motivos» da presente proposta de lei, não teríamos questões de fundo se apenas se visasse a aplicação da igualdade de tratamento, que, aliás, é invocada. O que nos preocupa é o que está subjacente ao teor do que nos é proposto e que, no fundamental, parece dever-se ao facto de existirem demasiados pequenos empresários ou trabalhadores por conta própria na área do transporte de mercadorias, preocupação que está expressa no próprio documento. Creio que o regime jurídico do transporte de mercadorias, que vem anexo à proposta de lei de autorização legislativa e que é a questão de fundo subjacente à intervenção do Governo nesta área, é revelador de preocupações que vão no sentido de, por um lado, dificultar a vida àqueles que efectivamente fazem do transporte de mercadorias o seu modo de vida e, por outro, facilitar a vida às grande empresas.

Podemos perguntar qual a razão por que se alteram normas, que inclusivamente estavam em vigor, como, por exemplo, a dos 3500 kg para estarem isentos, que a própria Comunidade Europeia não põe em causa em nenhuma das suas directivas, mas que o Governo, neste caso, baixa para 2500 kg. Porquê? Qual é a justificação para isto?

Depois, aumenta-se o valor da capacidade financeira das empresas, para efeitos de início de actividade, de 50 000 euros para 125 000 euros. Porquê? Qual a razão desta medida?

Depois ainda, em relação à capacidade profissional, dificulta-se o que a própria Comunidade Europeia permitia, ou seja, qualquer pequena empresa ou qualquer pessoa que exercesse esta actividade podia recorrer a uma pessoa que lhe desse a cobertura que ela poderia não ter para o efeito. Porém, a perspectiva contida no projecto de decreto-lei inviabiliza-o, na medida em que a pessoa que vai prestar essa garantia só pode fazê-lo em relação a uma empresa ou, para a prestar a mais de uma empresa, uma delas tem de ser detentora de uma grande parte do capital.

Quanto à renovação das frotas, impõe-se, para quem tenha um ou dois veículos de 15 000 kg a 20 000 kg, que os mesmos tenham de ser novos. No entanto, a quem tiver uma grande frota, já só se impõe uma média de 10 anos de idade da frota, o que permite que, a par de veículos novos, possam existir veículos muito velhos, bem velhos - basta pensar na margem que dá uma frota de 30 ou 40 camiões para gerir a média dos 10 anos de vida da frota. Agora, quem tiver só um veículo, este tem de ser novo - porquê?! E depois, terá de vendê-lo ao fim de quantos anos? Qual é a idade máxima de um veículo para esta proposta? É que isso está omisso. Diz-se o que é ser novo - um ano após a primeira matrícula -, mas não se diz o que é ser velho.

Quando é que termina a vida desse veículo?

Na Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações e, sobretudo, na Subcomissão de Segurança Rodoviária, temos ouvido dizer que o parque automóvel do nosso país é bastante velho e, pela nossa parte, estamos de acordo que haja medidas que permitam renovar as frotas, quer de passageiros quer de mercadorias. No entanto, o que está previsto não vai no sentido de obrigar do mesmo modo as grandes empresas e as pequenas empresas.

Assim sendo, parece-nos que toda esta legislação tem o seguinte sentido: o de dificultar a vida às pequenas empresas, aos que trabalham por conta própria, e, simultaneamente, o de criar melhores condições não para a competitividade mas para garantir uma maior quota de mercado aos grandes empresários do sector, o que, aliás, está nela expresso quando se diz que, ao contrário do que se previa, ainda há um número muito elevado de pequenas empresas neste sector, ou quando se refere que este sector até tem vindo a crescer.

Portanto, o que nos preocupa neste diploma não são tanto as questões de segurança ou apenas a criação de uma punição equivalente para faltas iguais, mas todo um projecto, porque vai contra os interesses das pequenas e médias empresas.

 

 

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