Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

A tragédia que tem vindo a ocorrer no mar Mediterrâneo, com o naufrágio de vários navios transportando imigrantes para a Europa

Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:
Manifestamos, evidentemente, a nossa consternação e o nosso choque com que está a acontecer no mar Mediterrâneo, pela dimensão da tragédia muito recentemente ocorrida, mas não apenas, também com as outras tragédias que se sucedem no mar Mediterrâneo, com pessoas que desesperadamente tentam atingir a sobrevivência que não conseguem garantir nos seus países.
Não se trata aqui, como às vezes ouvimos dizer, de perseguir qualquer sonho, trata-se apenas de tentar sobreviver a todo o custo. Associamo-nos, por isso, a todo o pesar que se possa manifestar pela situação que se está a verificar.
Já aqui se falou de hipocrisia, e é bom que se fale de hipocrisia. Hipocrisia dos dirigentes da União Europeia, que lamentam as consequências depois de terem de assumir responsabilidades pelas causas. Não nos podemos esquecer disso.
Ninguém ignora que o caos que existe na Líbia foi criado com intervenção direta da força aérea britânica e da força aérea francesa, que instalaram no poder aqueles que, agora, promovem o caos nesse país.
Não nos podemos esquecer das responsabilidades de países da União Europeia na situação que se vive na Líbia, inclusivamente no apoio ao Estado Islâmico, que agora tanto se lamenta mas que foi um facto real.
Não nos podemos esquecer da origem de tudo isto, há alguns anos, com a guerra do Iraque, que era para destruir umas armas de destruição maciça que, afinal, não existiam.
Não nos podemos esquecer desta hipocrisia de quem lamenta as consequências depois de ter promovido as causas.
Mas a preocupação da União Europeia, agora, perante esta situação, não devia ser a preocupação de que cheguem muitos milhares de pessoas à Europa. A preocupação devia ser maior com os que não chegam, com os que morrem no caminho às mãos das máfias e dos gangs de recetadores que procuram extorquir a essas pessoas os seus parcos haveres com a promessa de as fazer chegar à Europa, pessoas essas que tantas vezes naufragam pelo caminho.
A preocupação da União Europeia devia ser com a situação das pessoas nos seus países, não incentivando as guerras que dilaceram estes países e combatendo efetivamente as máfias que, no mar Mediterrâneo, exploram essas pessoas.
Finalmente, Sr.ª Presidente, não pode a União Europeia lamentar os mortos e expulsar os sobreviventes. As pessoas que conseguem chegar à Europa nestas condições têm de ser tratadas com humanidade e com dignidade. E exige-se que os países da União Europeia tratem de forma humana e digna essas pessoas, sem ceder aos ventos de racismo e de xenofobia que campeiam por essa Europa fora e que, tal como as máfias, também têm de ser combatidos de uma forma intransigente.

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