Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

Trabalhadores das artes do espectáculo e do audiovisual

Define o regime socioprofissional aplicável aos trabalhadores das artes do espectáculo e do audiovisual (projecto de lei n.º 247/XI-1.ª)
Estabelece o regime de segurança social dos trabalhadores das artes do espectáculo (projecto de lei n.º 248/XI-1.ª)

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Há três anos e 18 dias, fizemos, nesta Assembleia, pela primeira vez, a discussão em torno do regime laboral e de protecção social dos trabalhadores das artes do espectáculo, num agendamento então promovido pelo Partido Comunista Português, em que estiveram em discussão várias iniciativas legislativas.
Desse processo legislativo resultou a Lei n.º 4/2008, aprovada exclusivamente com os votos do Partido Socialista e que, tal como na altura já tínhamos alertado, não resolveu qualquer dos problemas com que os trabalhadores das artes do espectáculo estavam confrontados.
Na verdade, nestes dois anos, desde que a lei foi aprovada até hoje, o que tivemos foi um adiamento das soluções que podiam então ter sido adoptadas, e não foram, e um agravamento dos problemas que já então se faziam sentir em relação a todos estes trabalhadores que, quando colocados numa situação de desemprego, não têm acesso ao subsídio de desemprego, ou, quando confrontados com uma situação de doença ou de maternidade, não têm acesso aos apoios sociais a que deveriam ter direito.
E, Sr.as e Srs. Deputados, pela nossa parte, não podemos aceitar a justificação que se dá para estas situações. A justificação é a de que o trabalho daqueles que se envolvem, por opção e por decisão, nas artes do espectáculo é um trabalho, por natureza, intermitente e precário e em
que, por natureza, esses trabalhadores não podem ter acesso à estabilidade, à segurança e à protecção a que os restantes trabalhadores por conta de outrem têm acesso. Ora, este é um tipo de argumentação que não podemos aceitar.
É certo que a precariedade é a prática, mas não pode ser a regra. É certo que a desprotecção social é a realidade com que estes trabalhadores se confrontam, mas não é uma realidade com que nos possamos conformar.
É por isso que o PCP apresenta, novamente, nesta discussão, duas iniciativas legislativas. Uma delas visa resolver a questão relacionada com o enquadramento laboral destes trabalhadores, porque essa é a questão central; e uma outra diz respeito à protecção social.
Por um lado, visamos, com a primeira iniciativa, definir o quadro legal do regime laboral a que estão sujeitos os trabalhadores das artes do espectáculo, incluindo neles os artistas propriamente ditos, mas também as profissões associadas às artes do espectáculo, as profissões técnicas, porque entendemos que nenhum trabalhador deve ficar excluído deste regime laboral.
E o que procuramos com este projecto de lei que apresentamos — aliás, que reapresentamos,
praticamente na essência, em relação àquilo que foi a iniciativa apresentada na anterior Legislatura — é a definição de um conteúdo mínimo de protecção, em termos laborais, para estes trabalhadores, chamando particularmente a atenção para aquilo que são os prejuízos causados com o regime laboral aprovado em 2008, sobretudo naquilo que diz respeito à reconversão profissional. Não podemos aceitar que, neste sector ou noutro qualquer, haja trabalhadores que, chegados ao fim do seu percurso profissional numa situação física (porque é dessas situações que estamos a tratar) em que já não conseguem desempenhar as suas funções,
sejam tratados como peças descartáveis por parte das entidades empregadoras.
Relativamente à protecção social, para além das propostas concretas que apresentamos, há uma ideia central que importa referir: a protecção social destes trabalhadores tem de ser adaptada às circunstâncias específicas das suas actividades. É isso que propomos no nosso projecto de lei, em relação quer ao subsídio de desemprego quer às outras eventualidades em que os trabalhadores necessitam de protecção.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
O PCP apresentou iniciativas que constituem alternativas a algumas das que foram apresentas e procuraremos, em sede de especialidade, fazer um trabalho de aproximação de soluções porque julgamos que se o reconhecimento dos problemas e da gravidade da situação é comum, poderemos ultrapassar as divergências.
Gostaria de dar resposta a duas questões que foram colocadas. A primeira tem a ver a com a protecção social aos trabalhadores, tendo em conta a referência feita à antiguidade e às condições que uns têm e outros não terão por força da sua juventude.
Não fazemos essa distinção porque tanto reconhecemos direito aos jovens profissionais como aos mais antigos. A circunstância que decorre da forma como exercem as suas profissões é que é determinante para garantir a protecção social a que têm direito.
A outra questão diz respeito à situação dos bailarinos. Foi apresentada uma iniciativa que aborda a problemática dos bailarinos, que é um problema seríssimo e que tem de ser resolvido porque, no que diz respeito à aposentação, a lei de 1999 não chega.
É preciso resolver uma questão mais urgente, que é aquela que resulta do artigo 19.º da Lei n.º 4/2008, porque este artigo pode ser um verdadeiro «poço» para os bailarinos, uma vez que determina a caducidade dos contratos de trabalho no caso de os bailarinos não aceitarem os projectos de reclassificação que lhes sejam propostos pelas entidades empregadoras.
Sobretudo tendo em contas as afirmações feitas várias vezes na Assembleia da República, pela Sr.ª Ministra da Cultura, a propósito da situação da Companhia Nacional de Bailado, temos a preocupação séria de que este artigo possa determinar que os contratos de trabalho de muitos dos bailarinos da Companhia Nacional de Bailado possam caducar se lhes forem impostas condições que eles não queiram aceitar.
Os bailarinos não podem ser empurrados para o desaproveitamento das suas capacidades. Depois de, em muitas situações, décadas de dedicação ao bailado clássico, as suas carreiras não podem ser remetidas para a completa desvalorização por força de uma norma legal que foi aprovada exclusivamente pelos votos do Partido Socialista, na anterior Legislatura, e que pode ter consequências dramáticas.
Trata-se de uma questão que temos analisar impreterivelmente nesta alteração legislativa, que esperamos poder ser concretizada também em relação ao artigo 19.º, alterando as disposições profundamente prejudiciais para estes trabalhadores, que também são trabalhadores das artes do espectáculo.

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