Intervenção

Taxas moderadoras

 

Revoga as taxas moderadoras que não dependem da vontade dos utentes (projecto de lei n.º 45/XI-1.ª)

Sr. Presidente,

É para intervir pela mesma razão, tanto mais que, como o Sr. Ministro agora confirmou, a aprovação, na semana passada, no Conselho de Ministros, foi, de facto, na generalidade, e, naturalmente, apenas para marcar um ponto político, tendo em vista o agendamento que a Assembleia tinha feito.

Mas eu, Sr. Presidente, queria dizer que nada disso inviabiliza o nosso debate, porque, felizmente, para além dos diplomas que revogam as duas taxas que o Governo se propõe também revogar, há um projecto que vai mais além e que dá um conteúdo amplo ao debate que iremos ter.

Agora, fica registado o procedimento do Governo em relação à Assembleia relativamente a esta matéria das taxas moderadoras.

 (...)

Sr.ª Deputada Clara Carneiro,

Já me tinha inscrito antes desta sua última afirmação, mas quero dizer-lhe que o PSD, nestes últimos dias, tem tido uma espécie de comportamento bipolar em matéria de cumprimento de compromissos eleitorais.

A Sr.ª Deputada falou muito na questão da injustiça das taxas moderadoras, daquelas a que o projecto do PSD se refere, mas quem a ouvisse parecia que estava a falar de todas as taxas moderadoras; mas não, o PSD só propõe a revogação das duas taxas que foram recentemente criadas.

E eu queria citar-lhe - aliás, no debate de hoje vou fazê-lo várias vezes, parece até um debate só de citações - a declaração de voto do PSD aquando da discussão desta matéria na Legislatura passada.

Disse o PSD, em relação ao efeito moderador destas duas taxas, o seguinte: «Porém, esse efeito não existe nas taxas de internamento e de cirurgia já que nunca é o doente que decide que quer ser internado ou que quer ser operado.»

Ora, eu queria perguntar-lhe, Sr.ª Deputada Clara Carneiro: quando um doente vai fazer uma TAC, é ele quem decide que a vai fazer?! Quando um doente vai fazer um tratamento para a pedra nos rins, é ele quem decide fazer esse tratamento?! Ou é o profissional de saúde quem decide? É que se for o profissional de saúde, então o princípio que temos de aplicar é o mesmo.

Se não é o doente quem decide, na lógica do PSD, então o doente não deve pagar.

Pergunto-lhe, pois, se o PSD está de acordo com esse princípio ou se esse princípio, afinal, só se aplica às duas taxas que referiu.

 (...)

Sr. Presidente e Srs. Deputados:

As taxas moderadoras são injustas, são todas injustas, porque elas querem introduzir um princípio de co-pagamento. E das duas uma: ou a taxa é economicamente pesada e, de facto, inibe o acesso aos cuidados de saúde e tem o tal efeito moderador, mas então é socialmente injusta, porque significa que aqueles que têm mais dificuldades ficam inibidos de aceder a esse serviço de saúde; ou, então, não têm esse peso económico e não moderam nada, como acontece na maior parte dos casos, embora, em alguns outros casos, as taxas sejam já de muitas dezenas de euros e, de facto, criam uma dificuldade a muitos utentes que não têm dinheiro para as pagar.

É evidente que estas taxas assentam na ideia do tendencialmente gratuito, que está na Constituição, e a este propósito eu queria ler o que é que o PS disse aquando da aprovação desta alteração constitucional.

Disse, então, o PS em relação ao tendencialmente gratuito: «Trata-se de qualquer coisa que caminha para a gratuitidade em que há as tais taxas moderadoras, mas esperamos que elas sejam um dia definitivamente abolidas e o Serviço Nacional de Saúde seja, na realidade, gratuito.»

Esta era a vontade do PS quando se introduziu a expressão «tendencialmente gratuito».

Já vimos que o Dr. Correia de Campos introduziu estas taxas, vindo depois a confessar que a sua ideia em relação às taxas «não foi nem o objectivo moderador nem o objectivo financiador mas, sim, uma preparação da opinião pública para a eventualidade de todo o sistema de financiamento ter de ser alterado.» - Correia de Campos dixit. Consta do livro que tantas vezes aqui tenho citado.

É isso que queremos nesta Legislatura com a iniciativa que tomámos, ou seja, pôr em causa o princípio que está a ser aplicado. Nós continuamos a ser contra todas as taxas moderadoras, mas dizemos que se há partidos que assentam a sua proposta - e todos apresentam isso, excepto o PCP - de eliminação das taxas moderadoras nos internamentos ou nas cirurgias de ambulatório na ideia de que o doente não decide, então alarguem esse princípio a todas as outras situações em que, de facto, o doente não decide, porque a decisão, como agora confirmou a Sr.ª Deputada Clara Carneiro, é do médico, não é do doente, independentemente de todas as considerações que possamos ter sobre o maior ou menor consumo. Mas a decisão, repito, de fazer um exame complementar de diagnóstico, de fazer um tratamento é do médico, não é do utente e, por isso, o utente não deve pagar a taxa moderadora.

Deixo uma última palavra em relação ao Governo.

Na anterior Legislatura, o Governo criou estas taxas moderadoras; anunciou depois uma reponderação; depois, a Ministra da Saúde avançou com a ideia de que a alteração tinha de ser no Orçamento do Estado, e andou várias semanas a dizê-lo, por causa dos impactos na receita; depois, o Governo agendou no Conselho de Ministros a aprovação de uma alteração, que já não precisava de ser em sede de Orçamento do Estado; e agora até sabemos que vai haver um orçamento rectificativo e que, portanto, o problema não se põe e se a Assembleia quiser pode revogar as taxas que entender, entrando o diploma em vigor até antes do final do ano, porque isso pode reflectir-se já no orçamento rectificativo, que vamos discutir antes do final de 2009.

Portanto, esse argumento já não serve, como não serve nenhum outro, porque o que acontece é que as taxas moderadoras são injustas e continuarão a ser injustas se continuarem ser aplicadas e a lógica que preside aos projectos, tirando o do PCP, para ser justa tem de se alargar a todas as outras situações em que o doente não decide, não devendo, portanto, pagar.

 (...)

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado,

Os comentários à declaração política que fez, já em antecipação do debate do Orçamento do Estado, ficam para outra altura.

Quanto às taxas moderadoras, o PS anda a antecipar a revogação destas duas taxas desde a anterior Legislatura, isso é verdade, só que teve de vir agora a correr fazê-lo porque a Assembleia podia decidir primeiro, o que não lhe fica muito bem, pois acho que não há nenhum problema de a Assembleia da República decidir contra aquilo que um governo anterior legislou. O Governo não se devia guiar por esse tipo de preocupações, um pouco orgulhosas mas sem grande sentido.

Relativamente à questão do orçamento, Sr. Secretário de Estado, isso já não era verdade antes, porque o impacto da entrada em vigor das novas taxas moderadoras seria a 1 de Janeiro, que é um ano económico diferente, já não se reflectindo, portanto, no actual Orçamento, e ninguém lhe disse que ontem o Governo decidiu apresentar um Orçamento rectificativo. Ora, se há um Orçamento rectificativo deixa de haver o problema da lei-travão e pode reflectir-se logo no Orçamento rectificativo que aqui discutiremos a revogação das taxas moderadoras.

Por nós, Sr. Secretário de Estado, queremos que sejam revogadas estas duas taxas moderadoras, mas também queremos que sejam revogadas as restantes, porque ou elas são muito altas e, de facto, inibem as pessoas, mesmo quando precisam de ter acesso aos serviços de saúde, ou são baixas e, portanto, não têm nenhum efeito moderador, como o Sr. Secretário de Estado bem sabe.

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