O Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de maio, procurou reformular e uniformizar os regimes de renda dos imóveis sujeitos, até então, ao regime de arrendamento social, de modo a que a todas as habitações destinadas a arrendamento de cariz social, quer adquiridas ou construídas pelo Estado, seus organismos autónomos ou institutos públicos, quer pelas autarquias locais ou pelas instituições particulares de solidariedade social, desde que com o apoio financeiro do Estado, se aplicasse um único regime.
Embora o regime de renda apoiada estabelecido pelo referido decreto-lei contivesse alguns elementos positivos – definição do chamado preço técnico ou a definição de uma taxa de esforço dependente do rendimento do agregado familiar –, o facto é que os critérios usados para o cálculo da renda apoiada revelaram-se desfasados da realidade económica e social do País e injustos face ao rendimento líquido, resultando em valores de renda incomportáveis para muitos agregados familiares – principalmente os mais carenciados – e desajustados para fogos de habitação social.
Com o objetivo de corrigir as manifestas injustiças do atual regime de renda apoiada, o PCP apresentou, em julho de 2011, um projeto de lei (n.º 20/XII/1.ª) que instituía critérios de maior justiça social na determinação do valor da renda apoiada, nomeadamente:
• Contabilização do valor líquido dos rendimentos auferidos, e não do valor ilíquido, no cálculo da taxa de esforço;
• Contabilização, para efeitos do cálculo da taxa de esforço, apenas dos rendimentos dos elementos do agregado com idade igual ou superior a 25 anos;
• Exclusão, do cálculo dos rendimentos do agregado familiar, de todos os prémios e subsídios de carácter não permanente, tais como horas extraordinárias, subsídio de turno, entre outros;
• Contabilização, para efeitos do cálculo do rendimento do agregado, de um valor parcial das pensões de reforma, aposentação, velhice, invalidez e sobrevivência, sempre que estas não atingissem o valor correspondente a três salários mínimos nacionais;
• Limitação do valor da renda a pagar a 15% do rendimento do agregado, sempre que este não excedesse o valor correspondente a dois salários mínimos nacionais.
Embora o projeto de lei apresentado pelo PCP tivesse sido rejeitado pelo PSD, PS e CDS-PP, teve o mérito de alertar para a desadequação do atual regime de renda apoiada e recolocar na ordem do dia a questão da necessidade de revisão deste regime. À iniciativa legislativa do PCP, seguiram-se, já em agosto e setembro de 2011, iniciativas de outras forças políticas – BE, CDS-PP, PSD e PS – sob a forma de projetos de resolução.
Da discussão em torno do Projeto de Lei n.º 20/XII/1.ª (PCP) e dos Projetos de Resolução n.º 34/XII/1.ª (BE), n.º 58/XII/1.ª (CDS-PP), n.º 68/XII/1.ª (PSD) e n.º 81/XII/1.ª (PS) resultou a aprovação, em 23 de setembro, da Resolução da Assembleia da República n.º 152/2011, que recomenda ao Governo que proceda à reavaliação do atual regime de renda apoiada, aplicável a nível nacional, segundo um princípio de igualdade e justiça social, e ainda que preveja, nos casos em que a aplicação do regime de renda apoiada se traduziu em aumentos substanciais para as famílias, a existência de um mecanismo de aplicação gradual.
Desde o primeiro momento, o PCP denunciou a intenção dos partidos que suportam o Governo, PSD e CDS-PP, e ainda do PS, de adiar a resolução deste problema por tempo indeterminado, evitando a aprovação pela Assembleia da República de um regime de renda apoiada mais justo. Como dissemos, PSD, CDS-PP e PS optaram por insistir na penalização dos moradores das habitações sociais, trocando “o certo pelo incerto”.
Passados dois anos e três meses desde a aprovação da referida Resolução da Assembleia da República, o Governo não procedeu, nem deu mostras de querer proceder, à revisão do regime de renda apoiada. Tal alheamento por parte do Governo é inaceitável e revela uma grande insensibilidade relativamente à situação de muitos milhares de famílias, residentes em fogos de habitação social, a quem estão a ser atualizadas as rendas com base no injusto regime ainda em vigor.
A situação tem-se agravado com a aplicação do regime de renda apoiada a um número crescente de bairros sociais municipais – embora de forma diferenciada – com a aplicação aos inquilinos dos mais de 12 mil fogos da responsabilidade do Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana.
A rápida degradação das condições de vida dos trabalhadores e do povo português, devido à redução dos salários, reformas e pensões, aos cortes nas prestações sociais e ao aumento dos preços de bens essenciais, conduzem a dificuldades acrescidas, que a par do aumento brutal das rendas, por via da aplicação do regime de renda apoiada à generalidade dos bairros sociais, gerarão situações dramáticas e de extrema pobreza em muitas famílias.
Urge, pois, que o Governo, de acordo com a Resolução da Assembleia da República n.º 152/2001, proceda à reavaliação do atual regime de renda apoiada. Enquanto tal não ocorrer, os aumentos das rendas das habitações sociais devem ser suspensos, por forma a impedir uma degradação ainda maior das condições de vida da população mais afetada pela situação económica e social do País. Sem prejuízo do cumprimento dessa Resolução da Assembleia e de uma eventual avaliação e revisão do regime por parte do Governo, o PCP continuará a insistir no conjunto das alterações que entende como necessárias. Todavia, a emergência social e os problemas com que se confrontam os portugueses não podem deixar de merecer uma iniciativa que solucione no imediato, ou que, pelo menos, contribua para melhorar a circunstância de um vasto conjunto de famílias que sofre, a juntar aos problemas do desemprego ou dos baixos salários ou pensões, o custos de rendas com valores muito acima do que o que na realidade lhe deve ser exigido.
Nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Suspensão temporária dos aumentos das rendas das habitações sociais
1. São suspensos, pelo prazo de dois anos, os aumentos, decorrentes da aplicação do Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de maio, das rendas das habitações sociais do Estado, seus organismos autónomos e institutos públicos, bem como os aumentos das rendas das habitações sociais adquiridas ou promovidas pelos municípios e pelas instituições particulares de solidariedade social com comparticipações a fundo perdido concedidas pelo Estado.
2. Os aumentos de rendas que resultam da aplicação do regime de renda apoiada são revertidos no sentido da recuperação do valor de renda aplicado imediatamente antes desse regime, salvo nos casos em que resulte da aplicação da renda apoiada um valor inferior a esse.
Artigo 2.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Assembleia da República, em 16 de janeiro de 2014