Projecto de Resolução N.º 904/XII/3.ª

Suspende a alienação das 85 obras de Joan Miró e determina a sua valorização em Portugal

 Suspende a alienação das 85 obras de Joan Miró e determina a sua valorização em Portugal

O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português tem vindo a denunciar a política de desmantelamento do Serviço Público de Arte e Cultura protagonizada pelo Governo, pois que essa política representa uma espoliação dos portugueses e uma destruição dos seus direitos no acesso à criação e à fruição cultural e artística. A política de alienação de património cultural e artístico traduz-se num empobrecimento coletivo do país e do povo numa altura em que a Cultura e a Arte deviam ser salvaguardadas e protegidas dos efeitos da crise económica e financeira.
O Governo prossegue, no entanto, a estratégia contrária.
O Estado Português é titular de 85 obras de Joan Miró que foram adquiridas com o esforço dos portugueses, nomeadamente através do processo de nacionalização do Banco Português de Negócios. Essas obras constituem um conjunto de grande valor e integram um património que foi obtido através de uma nacionalização que significou importante despesa, até aqui não compensada de forma alguma pelas operações subsequentes em torno do BPN.
Sendo que essas obras nunca foram apresentadas ao público português nem nunca foram estudadas pela comunidade académica e artística, o seu valor artístico nunca foi aproveitado, sob forma alguma, por Portugal. Da mesma forma, essa ausência de conhecimento coloca o Estado Português na iminência de um novo desastre artístico e patrimonial, na sequência da autorização de exportação da obra de Crivelli que, de tão contestada, originou inclusivamente a revogação por parte do atual Secretário de Estado da Cultura. Hoje, o Estado Português vê-se assim espoliado de um importante património de elevado valor artístico e cultural e na contingência de tomar medidas para a recuperação de uma obra que nunca deveria ter saído do país. Se é verdade que a condição de titularidade da obra é diversa de um caso para outro, pode dizer-se que a relativa ao conjunto de 85 importantes obras de Joan Miró é ainda mais grave, dado que essa titularidade é pública.
As obras, de acordo com algumas notícias contemporâneas do processo de nacionalização, teriam sido avaliadas em 150 milhões de euros. Esse valor pode, no entanto, não encerrar o real valor dos trabalhos do pintor catalão, na medida em que a importância das obras é desconhecida do público português, mas que é dada como “extraordinária” pela imprensa e pelas declarações do próprio leiloeiro – a Christie’s Mayfair. Contudo, o Estado Português, através da Parvalorem, anuncia que a receita esperada com a alienação deste importante património é de 35 milhões.
Entre os trabalhos, encontram-se seis obras sobre masonite (cartão prensado) do total de vinte e sete realizadas pelo pintor, mas também muitos trabalhos de técnicas e materiais diversos sobre tela. A essas obras juntam-se várias outras de técnicas diversas com recurso a meios têxteis e outros materiais e algumas obras de grande relevo, como a que compõe o lote “Femmes et oiseaux”.
A estimativa de receita situa-se na ordem dos 35 milhões de euros. Desconhecendo-se os contornos reais do acordo de venda celebrado com essa leiloeira, uma vez que os mesmos não foram tornados públicos, e partindo das palavras publicadas na imprensa pelo presidente da Parvalorem, veículo criado pelo Governo para gerir os ativos do BPN, deduz-se que possa haver sido celebrado um valor fixo de receita para o Estado Português, independente das variações que a licitação das obras possa conhecer em leilão, o que, a ser também verdade, não apenas contrariará o espírito essencial de uma venda em leilão, que permitiria alcançar valores acima do mencionado, como poderá igualmente configurar uma redobrada ação lesiva dos interesses nacionais. Acresce que, independentemente dos valores que fossem alcançados, mesmo que maximizando a potencialidade de venda das obras de Miró, o que não estará de forma alguma assegurado com o tipo de procedimento em curso, o resultado ficará sempre muito aquém do valor artístico das obras se devidamente aproveitado pelo Estado Português.
A conjuntura económica, bem como o valor artístico e o custo das obras para o Estado – incorporado na nacionalização do Banco – são fatores que exigem a suspensão desta operação. Muitos são os possíveis usos e aproveitamentos da obra em questão, desde que devidamente estudada e desde que garantida a retenção do seu valor artístico em Portugal. O Governo não pode pura e simplesmente vender de forma lesiva um conjunto desta envergadura e importância, nas costas dos portugueses e sem que tenham previamente sido estudadas outras soluções ou mesmo tomadas outras medidas de valorização da obra antes de uma eventual venda. De certa forma, o Estado é titular de uma riqueza inestimável, obtida através de despesa pública de grande monta e pretende alienar essa riqueza sem que tenha retirado dela qualquer partido, num contexto económico e financeiro desfavorável.
Muitos cidadãos, inclusivamente através de recurso a uma Petição pública expressaram igualmente a sua preocupação e a exigência de suspensão da alienação das obras.
Exige-se pois que sejam tomadas todas as medidas para que não sejam alienadas as obras de Joan Miró, suspendendo a venda em leilão e realizando o conjunto de ações necessárias para sua valorização artística e eventualmente económica.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa, a Assembleia da República resolve recomendar ao Governo:

1. Suspenda imediatamente a venda em leilão do conjunto de 85 obras de Joan Miró.

2. Tome medidas para expor publicamente essas obras e para que sejam submetidas a apreciação pela comunidade artística e académica no sentido de estudar as melhores soluções para a sua salvaguarda e valorização artística e económica.

3. Que realize um estudo sobre a possibilidade de valorizar em Portugal o conjunto artístico ou parte dele, pesando as consequências de uma alienação a privados e as da preservação da titularidade pública, do todo ou de parte do conjunto.

Assembleia da República, em 9 de janeiro de 2014

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1 “Christie’s has announced Miró – Seven Decades of His Art, an outstanding collection of 85 works showcasing seven decades of Joan Miró (1893 – 1983) rich and dynamic career. (…) This is one of the most extensive and impressive offerings of works by the artist ever to come to auction.” Artcentron, 21 de Dezembro de 2013
2 “The breadth of works to be offered provides an unparalleled opportunity […] to celebrate and engage with the creative genius and joyous immediacy of Miró’s work.” Oliver Camu, responsável pela Arte

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