O PCP considera que, com a rejeição dos Projectos-Lei apresentados respectivamente pelo seu Grupo Parlamentar e por 54 deputados do PS por força da convergência na votação de uma dezena de deputados do PS com os deputados do PSD e do PP, perdeu-se lamentavelmente uma importante oportunidade para enfrentar com lucidez, coragem e sensibilidade social o flagelo do aborto clandestino.
O PCP realça entretanto o facto de o Projecto-Lei do PCP e de o Projecto-Lei subscrito por numerosos deputados do PS ter recolhido, de forma indiscutível, o maior apoio parlamentar de sempre a propostas de legalização da interrupção voluntária da gravidez até 12 semanas, a pedido da mulher e designadamente com fundamento em razões de ordem social e económica. Com efeito, apesar das pressões exercidas sobre os deputados do PS, o Projecto-Lei do PCP recebeu 99 votos favoráveis e o projecto dos deputados do PS foi rejeitado apenas por um voto de diferença.
Apesar da rejeição dos projectos, o PCP salienta que quer o movimento de opinião gerado pelo debate público quer a votação parlamentar confirmam que se regista um enfraquecimento das posições conservadoras e retrógradas e que ideias justas e a defesa de soluções legislativas mais avançadas deram novos passos em frente na sociedade portuguesa.
Como é sabido, a rejeição daqueles projectos correspondeu à vontade publicamente manifestada pelo Primeiro-Ministro e Secretário-Geral do PS (bem como por outros membros do Governo e destacados dirigentes do PS). Mas a verdade é que o que assume maior significado e consequências políticas é a circunstância de a sua vontade se ter cumprido sobretudo graças aos votos dos deputados do PSD e do PP e com o seu clamoroso isolamento face ao grupo parlamentar do partido que dirige.
O PCP saúda todos os deputados que, votando favoravelmente os Projectos-Lei apresentados pelo Grupo Parlamentar do PCP e por deputados do PS, deram um valioso testemunho de consciência cívica e sensibilidade perante um agudo problema da sociedade portuguesa que não deixará de ter positivas projecções no futuro.
Valorizando as importantes contribuições oriundas de outras entidades e de outros quadrantes político-partidários, o PCP honra-se de, com a apresentação do seu Projecto-Lei em Junho de 1996, ter desencadeado o debate público e o processo parlamentar em torno da interrupção voluntária da gravidez que ontem se encerrou na Assembleia da República quanto à presente sessão legislativa. É ainda de lembrar que o passo positivo,mas manifestamente limitado e insuficiente, que constituiu a aprovaçãodo Projecto-Lei do deputado Strecht Monteiro é indissociávelda iniciativa do PCP, uma vez que o conteúdo específicodesse projecto seguia muito de perto soluções constantesdo Projecto-Lei do PCP que lhe era anterior.
Pela diferença de um voto, uma frágil maioria parlamentar constituída pelos deputados do PSD e do PP e por alguns deputados do PS rejeitou projectos que, a terem sido aprovados, teriam representado um sério progresso legislativo na sociedade portuguesa e permitiriam uma gradual, mas indispensável, passagem do recurso ao aborto da esfera da clandestinidade, da insegurança e dos atentados à saúde das mulheres para a esfera da legalidade, do acompanhamento e da segurança médica.
Cada um assumirá as suas responsabilidades, sendo entretanto praticamente certo que os opositores dos referidos Projectos-Lei, como é costume, regressarão agora à sua tradicional, tranquila e cúmplice convivência com a realidade silenciosa do aborto clandestino e à sua clássica insensibilidade e desprezo pelos sofrimentos e dramas em que ele mergulha tantas e tantas mulheres portuguesas.
O PCP, pela sua parte, prosseguirá o seu activo combate contra retrógradas e aberrantes concepções de criminalização e culpabilização da mulher, pela adopção de medidas eficazes de generalização do planeamento familiar, da educação sexual e de apoio social à maternidade e à paternidade. E, mais cedo que tarde, o PCP confrontará de novo as instituições democráticas com o incontornável imperativo de, com vista à progressiva erradicação do aborto clandestino, se adoptarem soluções legislativas que ponham termo à penalização da mulher pelo recurso ao aborto e criem um quadro legal que permita a quem o desejar a realização da interrupção voluntária da gravidez, em determinadas condições e prazos, em nome de uma maternidade consciente e responsável.