Para falar da Política Agrícola Comum e da Política Comum das Pescas - Declaração de Agostinho Lopes, da Comissão Política do PCP, na Conferência de Imprensa
1. Chega amanhã a Portugal o Comissário Fischler, para falar das propostas da Comissão Europeia de reforma da Política Agrícola Comum e da Política Comum das Pescas. Continuando a ronda que vem fazendo pelos diversos países da União Europeia e países candidatos à adesão, o Comissário pretende demonstrar a bondade das «suas» teses reformistas das políticas comunitárias para a agricultura e as pescas.
Não o tendo conseguido provar, em geral, incluindo na sua terra onde a proposta de mudança radical da PAC sofreu uma «rejeição total», Fischler aí está para tentar convencer os agricultores e pescadores portugueses e o País.
O PCP há muito defende a reforma dessas duas políticas comuns da União Europeia. Mas que ninguém se iluda. A serem aprovadas, as propostas da Comissão Europeia, como vem sendo evidenciado por diversos especialistas e organizações sociais, constituiriam uma nova e forte machadada (senão a machadada final!) nestas actividades produtivas, com graves consequências para os interesses dos agricultores e pescadores portugueses, mas também um rude golpe na segurança e soberania alimentares do País. E se a agricultura e as pescas não são apenas actividades económicas, mas constituem um dos principais substractos materiais de moldagem e fundação de uma identidade cultural e nacional (no dizer do ilustre economista norte-americano Galbright), a continuação de políticas para a sua prática liquidação não pode deixar de ser vista como um incontornável atentado à soberania e independência de Portugal.
A crítica a essas propostas e contrapropostas alternativas tem sido referida pelo PCP ao longo dos anos de 2001 e 2002. Resta-nos, neste momento, insistir na denúncia de alguns traços da fraude política com que se pretendem justificar as propostas de reforma. E a que, aliás, o PS e alguns articulistas portugueses aderem.
Na argumentação da Comissão para as reformas em curso sobressaem dois elementos com que se pretende embrulhar o veneno mortal a servir às pescas e à agricultura portuguesas e, fundamentalmente, para liquidar a actividade produtiva realizada pela pesca artesanal e pela agricultura familiar: o ambiente e a defesa dos interesses dos países menos desenvolvidos. A que geralmente se procura somar e misturar, para ajudar à confusão, os interesses dos cidadãos consumidores e dos cidadãos contribuintes dos próprios países da União Europeia, afectados por problemas na segurança, higiene e sanidade dos alimentos, e por elevados impostos, alegadamente para suportar os «enormes» subsídios que apoiam agricultores e pescadores. A demagogia não tem limites!
No plano da agricultura pesa, como tentativa para fazer engolir a pílula aos agricultores, a linha do reforço dos meios para o desenvolvimento rural, e mesmo a afirmação mentirosa de Fischler, na Áustria, de que graças a esse reforço, «receberiam mais dinheiro do que anteriormente».
De facto, cortinas de fumo e muros de propaganda para ocultar os interesses económicos e financeiros de algumas poucas transnacionais e de algumas grandes potências da União Europeia. De facto, dar livre curso às teses do capitalismo neoliberal de total liberalização do comércio de bens alimentares no planeta, filosofia que, como é sabido, preside à dinâmica da intervenção da Organização Mundial do Comércio (OMC) e está patente em todas as cimeiras do G7 / G8 e fóruns semelhantes.
3. Diga-se que tais argumentos não são novos. Surgiram para suportar a reforma da PAC em 1992 (a reforma do então Comissário Mac Sharry, levada a cabo pela Presidência Portuguesa da União Europeia de Cavaco Silva e pelo ministro da Agricultura Arlindo Cunha), como é fácil verificar por simples consulta à imprensa da época. Argumentos que se repetem aquando das negociações e conclusões da Agenda 2000.
São necessárias palavras para falar das consequências directas dessas reformas?
Em matéria de segurança e qualidade alimentares, basta lembrarmo-nos da BSE / vacas loucas, das dioxinas e, mais recentemente, do escândalo da MPA (acetato medroxy progesterona), uma hormona de crescimento.
Em matéria de desenvolvimento rural, do crescer dos desequilíbrios territoriais e da desertificação social e económica, com perdas de rendimento dos pequenos e médios agricultores, com o contínuo esvaziamento do mundo rural, e a sobrelotação de algumas zonas urbanas (processos traduzidos em Portugal com a crescente litoralização e problemas de acumulação populacional nas áreas suburbanas de Lisboa e Porto).
Em matéria de ambiente, os crescentes problemas com a poluição das bacias hidrográficas e lençóis freáticos, com as perdas da biodiversidade e o desenvolvimento de desequilíbrios ambientais, graças à crescente «intensificação» da actividade agro-pecuária, inevitável quando se coloca a «competitividade» entre agriculturas e países como «pré-requisitos para a estabilidade dos rendimentos», como afirmou recentemente o Comissário?
É crível que se fale em «segurança e qualidade» dos alimentos, e em defesa ambiental, como objectivos da reforma, quando a União Europeia continua a permitir as mixórdias «legais» do vinho e do azeite? Que se continue a tergiversar, no plano comunitário, na abordagem dos Organismos Geneticamente Modificados (OGM)? Quando não se diz uma palavra sobre a «pecuária industrial»? Será que defender a poupança de energia e o ambiente é aceitar o comércio e o transporte de leite e lacticínios da Nova Zelândia para as zonas produtoras da Europa, dando meia volta ao globo?
E se não pode ser assacada às reformas da política agrícola europeia, de forma directa, a situação no «terceiro mundo», são incontestáveis as responsabilidades da sua ideologia neoliberal, no agravamento do fosso entre ricos e pobres, na manutenção das tragédias alimentares, na fome e falta de água a flagelar milhões de pessoas, entre as quais elevada percentagem de crianças!
Só por ingenuidade ou ignorância do actual comércio mundial de produtos agro-pecuários se pode pensar que a ensejada reforma da PAC, e a correspondente liberalização do mercado agrícola mundial, será vantajosa para os países menos avançados. Que produtos agrícolas desses países concorrem com a produção comunitária? O café? O cacau? As frutas tropicais e outras? O tratamento comunitário do açúcar e da banana são problemas desses países, ou são das multinacionais que comandam esse comércio? (British Sugar, para o açúcar; Nestlé, Proter & Gamble, Philip Morris, Sara Lee, para o café; Chiquita e Dole Food, para a banana).
Relativamente às pescas, não é possível argumentar com o esgotamento dos recursos e predação de stocks, para procurar impor ao sector pesqueiro português as medidas que se julgam necessárias para obstar a esse problema, que é real, embora hipertrofiado.
Não só porque desde 1986 Portugal foi o País que, no cumprimento dos programas comunitários, mais reduziu a sua capacidade pesqueira, como pela constatação da distância a que se encontra o nosso País em matéria de produtividade do sector e de esforço de pesca.
É possível falar de remédios iguais para toda a pesca da União Europeia quando a Dinamarca, com menos de metade do número de barcos, pesca sete vezes mais que Portugal, ou que a Holanda, com menos de um décimo dos barcos, pesca mais do dobro do pescado português?
De forma objectiva, o que está claramente em jogo com os presentes processos de reforma são, no fundamental, três aspectos, que atempadamente denunciámos:
– Como fazer o alargamento da União Europeia e encaixar as agriculturas dos países candidatos sem gastar mais um euro e, se possível, fazendo inclusive algumas poupanças! Isto é, sem alterar as actuais relações financeiras dos diversos países membros com o orçamento comunitário, e sem corrigir as existentes desigualdades na distribuição dos dinheiros da PAC entre produções agro-pecuárias, entre agricultores e entre países membros.
– Como dar um novo impulso à liberalização total do comércio agrícola no âmbito da OMC, para maior glória dos lucros das transnacionais da agro-alimentar, da agro-química e da grande distribuição, e conforme com as exigências de principais países produtores, Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia e Canadá.
– Como subordinar ainda mais a Política Comum das Pescas aos interesses das principais potências pesqueiras da União Europeia, com medidas tendentes à concentração da propriedade dos meios de produção e dos recursos à comunitarização da frota e de estruturas, acompanhada da ameaça de liberalização e privatização dos mares e dos recursos, através da promoção das QIT (Quotas Individuais Transferíveis), onde se evidencia, como questão de gravidade extrema, a possível tentativa de pôr fim à exclusividade da pesca nacional até às 12 milhas! (Derrogação que termina em Dezembro de 2002).
É, para o PCP, uma evidência o que devem amanhã a Assembleia da República (Comissão de Agricultura) e o Governo dizer ao Comissário Fischler. NÃO, as propostas de reforma não servem os interesses do País, dos agricultores e dos pescadores. Não defendem o ambiente, o mundo rural e a exploração sustentável e sustentada dos recursos naturais. Não servem para travar a troca desigual, promover o comércio justo, e apoiar o imperioso desenvolvimento dos países mais pobres do planeta.
Apoiado nas posições da generalidade das organizações de classe dos sectores agrícola e das pescas, o Governo deve declarar a total inaceitabilidade pelo Estado português de tais projectos. A impossível aceitação, ou mesmo resignação, do Governo a troco de mais alguns milhões de euros, ou de aumento de cotas, à semelhança do que foi feito em reformas anteriores. O uso do direito de veto não deve ser apenas uma ameaça que se acena para a obtenção de contrapartidas ou efeitos políticos internos.
A Política Agrícola Comum e a Política Comum das Pescas precisam de profundas reformas. Mas não no sentido apontado pela Comissão Europeia. E é necessário sublinhá-lo, para que a oposição às reformas da Comissão, não seja confundida com a defesa do status quo.