Num contexto político marcado pela subserviência face às imposições da troika internacional inscritas no Pacto de Agressão, cujas consequências no plano da saúde começam a ser dramáticas para centenas de milhares de portugueses, o governo desfere aquela que pretende ser a ofensiva decisiva contra o Serviço Nacional de Saúde e o direito constitucional à saúde para os portugueses, independentemente das suas condições sócio-económicas.
A desvalorização profissional e social dos profissionais de saúde, com particular destaque para os médicos e enfermeiros, que conheceu novo desenvolvimento com o lançamento de concursos para a contratação de serviços médicos, de enfermagem e de outros profissionais, em que o critério decisivo é o valor do custo/hora mais baixo, não é apenas o resultado de uma estratégia economicista, é fundamentalmente o resultado de uma opção que visa destruir o Serviço Nacional de Saúde.
Há muito que o PCP vem denunciando que o fim do vínculo público dos profissionais do SNS e a destruição das carreiras, associadas à desvalorização salarial, levaria à saída de muitos deles para o sector privado e para a reforma antecipada, como é o caso dos médicos, muitos deles profissionais de elevada qualidade e com um papel insubstituível no processo de formação de novos médicos, que começa a estar em causa. Não é por acaso que os grupos económicos detentores de grandes unidades hospitalares privadas que recrutam muitos destes médicos, vão fazendo subir o tom da exigência de poderem formar médicos nos seus hospitais, associada a uma outra reivindicação mais antiga de licenciamento de faculdades de medicina privadas.
O que o governo tem de fazer é, de acordo com o que está estabelecido na contratação colectiva, realizar concursos públicos nos vários estabelecimentos públicos de saúde para recrutar médicos e enfermeiros, e não recorrer sistematicamente a empresas de aluguer de mão-de-obra sem nenhuma garantia de qualidade e de direitos dos profissionais que contratam.
O que se está a passar por exemplo nos Cuidados Primários de Saúde, em que o governo pretende resolver a falta de médico de família para mais de um milhão de portugueses, através do “adormecimento” de centenas de milhares de utentes, expurgando-os das listas e pelo aumento ilegal do número de utentes por médico ultrapassando os 1550 acordado, em vez de abrir concursos de recrutamento para colocar jovens médicos especialistas em Medicina Geral e Familiar. Este é mais um exemplo de uma política irresponsável e de desprezo pelos portugueses.
Perante esta situação não resta ao governo outra alternativa que não seja anular os concursos de recrutamento de médicos, enfermeiros e outros profissionais a empresas de mão-de-obra temporária, deixar de tratar a saúde como se tratasse de uma mercadoria e tomar medidas no sentido de recrutar os profissionais em falta nos serviços garantindo desta forma a qualidade necessária ao seu bom funcionamento.
Na política de saúde do actual governo, estamos perante um conjunto de opções programáticas e não conjunturais, ou seja, mesmo sem o pretexto da crise e o Pacto de Agressão, as opções do governo seriam do mesmo tipo, apenas os sectores e prazos poderiam ser diferentes – privatizar o essencial da prestação de cuidados de saúde, o que dá lucro, ficando o Estado com a promoção e o financiamento, o que dá prejuízo.
Se dúvidas pudessem existir sobre este objectivo, a transferência de cuidados para os privados em resultado do aumento dos custos para os utentes, do encerramento de cuidados de proximidade e da desorganização que se vive em muitas instituições públicas de saúde, elas estão dissipadas. No final do primeiro trimestre do ano, o presidente da associação de hospitais privados anunciou um crescimento de 15% nas idas às urgências nos hospitais privados, quando no mesmo período houve uma redução de 300 000 idas às urgências nos hospitais e Cuidados de Saúde Primários.
A campanha mediática de que era possível, em saúde, fazer mais e melhor com muito menos dinheiro, só apanhou desprevenidos os mais incautos, já que esta é uma tese há muito experimentada noutros países com resultados catastróficos para as populações.
Quando o primeiro-ministro propôs aos partidos da oposição que dissessem em que sectores da saúde e da educação pretendiam que o governo fizesse mais cortes para assim se encontrar uma receita alternativa ao roubo dos dois subsídios aos trabalhadores da Administração Pública, já sabia que desde o início do ano centenas de milhares de portugueses tinham deixado de recorrer aos cuidados de saúde, precisamente porque o seu governo, ao aumentar brutalmente as taxas moderadoras, ao retirar apoios ao transporte de doentes não urgentes, ao encerrar serviços e valências hospitalares e ao racionar a utilização dos meios fundamentais ao tratamento dos doentes, está a condenar à morte antecipada muitos portugueses.
Por muito que lhe custe ouvir é exactamente esta a questão que resulta das políticas do seu governo.
Uma política que nega o direito ao acompanhamento médico, que elimina ou reduz a dimensão preventiva e o acesso ao diagnóstico, que coloca em risco de vida e à falta de qualidade de vida de muitos doentes devido às restrições que o seu governo está a impor ao SNS.
Mas nós fazemos-lhe uma sugestão. Acabe com as PPP e só este ano poupa mais de 300 milhões, e acabe com a transferência de 600 milhões de euros da ADSE para os grupos privados e vai ver que poupará quase metade do equivalente ao roubo dos dois subsídios.
O PCP está solidário com a luta das populações e com a luta que os médicos, os enfermeiros e outros profissionais de saúde desenvolvem em defesa do SNS, das carreiras e da dignificação salarial e apela aos utentes que se associem a esta luta, nomeadamente a greve de dois dias convocada pelos sindicatos médicos com o apoio da Ordem dos Médicos, que também é sua, porque na génese desta luta e ao contrário da campanha mistificadora do governo, é também o acesso aos cuidados de saúde e a qualidade dos cuidados prestados que está em causa com a política do governo.