Um prolongado período de seca, com uma parte significativa do País em situação de seca severa ou extrema, associada a um período concentrado de altas temperaturas, são a justificação próxima para, no período de pouco mais de uma semana, o País ter passado de uma área ardida bastante reduzida para uma que é já maior, mesmo o dobro, de toda a área ardida em 2020. E ainda temos muito Verão pela frente.
Há cinco anos o Governo anunciava a maior Reforma da Floresta desde o tempo de D. Dinis. Cinco anos depois, a vida aí está a provar que o que falta fazer no terreno é muito.
Entretanto, o debate sobre a defesa da floresta portuguesa e sobre a prevenção e o combate aos incêndios tem, no nosso País, décadas, com momentos mais densos a seguir aos grandes incêndios, como aconteceu em 2003, 2005, 2017 e 2018.
De cada um desses momentos resultou sempre um assinalável acervo de relatórios, legislação, directivas, despachos, redefinição de meios e anúncios, muitos anúncios.
Passaram-se cinco anos depois dos trágicos episódios de Junho e de Outubro de 2017, que resultaram em mais de uma centena de mortos, em centenas de milhares de hectares ardidos, numa destruição até então desconhecida, nos planos da floresta, agricultura, pecuária, habitações, infraestruturas públicas, empresas.
Há cinco anos o Governo anunciava a maior Reforma da Floresta desde o tempo de D. Dinis. Cinco anos depois, a vida aí está a provar que o que falta fazer no terreno é muito.
Falta responder às causas estruturais que estavam identificadas e aí foram confirmadas - abandono do Mundo Rural, degradação dos serviços públicos (de educação, saúde, correios, transportes, Segurança Social), destruição da pequena e média agricultura, substituição de áreas de produção agrícola por matos ou monocultura de floresta – que resultam na desertificação e no despovoamento.
Falta assegurar os meios adequados e a coordenação necessária às forças de protecção civil e, designadamente, aos bombeiros, que vivem hoje uma situação aflitiva, em particular pelo aumento dos custos dos combustíveis.
Falta ainda concretizar muitas das medidas imediatas decididas no seguimento das tragédias de 2017 - concluir o cadastro florestal que, mesmo numa versão simplificada, continua a patinar, criar as equipas de sapadores florestais para atingir o objectivo de 500 e reconstituir do corpo de guardas florestais, como foi aprovado várias vezes na AR.
Falta concluir a Rede Primária de Gestão de Combustíveis, que tem ainda um concurso de 50 milhões euros previstos para abrir, no âmbito do PRR, e continua com um enorme atraso a concretização da redução da biomassa em zonas críticas por fogo controlado, muito longe das metas e ritmos que o próprio Governo tinha colocado em Resolução de Conselho de Ministros.
Falta assegurar a valorização do preço da madeira, condição essencial para apostar decididamente no ordenamento da Floresta, para garantir a sua gestão activa, para promover o livre associativismo dos pequenos proprietários, designadamente por via das ZIF – Zonas de Intervenção Florestal, instrumento que quase não conheceu desenvolvimentos, e de um impulso adequado aos agrupamentos de baldios e aos projectos promovidos por baldios.
Falta garantir, como recomendou a Comissão Técnica Independente, que os apoios públicos se dirijam preferencialmente para as regiões onde se registam mais incêndios, ou seja, a região de minifúndio do Centro e Norte do País.
Falta reforçar as estruturas públicas, desde logo o ICNF, e a coordenação entre elas.
Falta romper com os interesses dos grupos económicos no ordenamento florestal e do território que se têm sobreposto aos interesses colectivos em termos de protecção civil, de defesa da produção nacional e de desenvolvimento regional.
Ao longo destes anos, o Governo dirigiu as suas prioridades para três objectivos.
Em primeiro lugar, dar a ideia de que estava a fazer coisas para que, como o PCP afirmou em 2017, quando o fogo regressasse tivesse trabalho para apresentar. Foi por isso que fez publicar uma selva de legislação, em que dificilmente alguém se entende e que se desdobrou em anúncios de milhões e mais milhões que quase nunca chegaram ao terreno. Bem se pode dizer que o Governo anuncia e a floresta arde.
Em segundo lugar procurou que cada medida fosse desde logo, vista pela óptica do peso no défice e não pelos impactos na política florestal. Só assim se entende, a relutância em assegurar os meios para a realização do cadastro florestal e a passagem dos seus encargos para as autarquias, a resistência em contratar os profissionais em falta, ou a ausência de resposta às áreas ardidas em 2017 e desde logo ao Pinhal de Leiria.
Em terceiro lugar, o de garantir bodes expiatórios, seja na mão criminosa (que também há), alimentando pulsões populistas, seja apontando como culpados os pequenos e médios proprietários, insistindo na responsabilização individual, no que teve o respaldo do Presidente da República, chegando ao ponto de emitir proibições cegas de trabalhos agrícolas e pecuários.
O PCP, face aos desenvolvimentos conhecidos, insiste nas propostas que sucessivamente apresentou e que ou foram chumbadas ou foram ignoradas.
Propostas que, a serem concretizadas, não terão o condão de acabar com os incêndios, mas evitarão a brutalidade a que assistimos nos últimos anos e melhores condições para o combate.
O PCP sublinha quatro dessas propostas:
- A intervenção do Governo na regulação do mercado da madeira. É indispensável que o mercado seja transparente e se garantam preços justos à produção. Para tal é necessário a publicitação dos preços nas diversas regiões, aspecto que o ICNF poderia assegurar e que, apesar do PCP ter avançado com a proposta, não teve concretização.
- A defesa da pequena e da média agricultura, da pastorícia e da pecuária, com a sua dinamização para garantir a fixação de pessoas no mundo rural e a criação de zonas tampão, particularmente em torno dos aglomerados populacionais.
- A garantia da prioridade e da concentração de apoios às ZIF e aos Baldios, de forma célere e dedicada.
- A valorização dos bombeiros nacionais, designadamente com a constituição de um Comando Nacional e o financiamento adequado, bem como a aprovação de uma Lei de Programação de Instalações e Equipamentos, e as obras de manutenção e requalificação nos quartéis, a aquisição e manutenção de equipamento.
Perante a dimensão evidente dos prejuízos e dos impactos no território dos incêndios que lavraram em Portugal nas últimas semanas, e sendo certo que os dias que virão poderão ainda exigir novas medidas, o PCP já questionou a Comissão Europeia quanto aos meios que podem ser disponibilizados para apoio ao nosso País e quanto às medidas estruturais para prevenir estas situações, e apresentou na Assembleia da República um Projecto de Resolução que recomenda ao Governo que aplique os critérios de apoio às vítimas semelhantes aos previstos na Lei de apoio às Vítimas dos Incêndios de 2017, aprovada a partir de uma proposta inicial do PCP, bem como uma proposta no sentido de garantir procedimentos imediatos no que à estabilização de emergência diz respeito.
Manifestando, uma vez mais, a solidariedade com as vítimas e o apreço por todos os que participam no combate, o PCP sublinha que só uma outra política, patriótica e de esquerda, em que a defesa do Mundo Rural e da produção nacional estejam no centro das opções do Estado e o ordenamento florestal seja uma prioridade, uma política que combata a desertificação e o despovoamento, que assegure o emprego e o desenvolvimento a vastas regiões até hoje esquecidas, será capaz de criar as condições para enfrentar cada Verão de forma mais serena.