Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

Sobre a segunda renovação da Declaração Estado de Emergência

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Senhor Presidente,
Senhor Primeiro-Ministro,
Senhoras e senhores Deputados,

A realidade confirma que eram justas e acertadas as razões que levaram o PCP a distanciar-se da declaração do estado de emergência.

No momento em que se discute a sua segunda renovação, são evidentes três conclusões. A primeira, a de que esta decisão se tem revelado desnecessária e desproporcional no combate de saúde pública contra a epidemia. A segunda, a de que se trata de uma decisão que continua a servir de pretexto para impor aos trabalhadores os mais diversos abusos, arbitrariedades e violações dos seus direitos, ao mesmo tempo que dá cobertura à acumulação de lucros de grupos económicos. A terceira, a de que se está a instalar um sentimento de banalização do estado de emergência que é incompatível com a gravidade de uma decisão em que está em causa a suspensão ou restrição de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

A constatação desta realidade e do percurso que se tem verificado desde que o estado de emergência foi decretado justificam que o PCP vote contra a sua renovação.

O percurso verificado nas últimas semanas com as medidas de saúde pública decretadas, o seu cumprimento generalizado pelos portugueses e os resultados positivos alcançados confirmam hoje que a declaração do estado de emergência foi desnecessária e desproporcional.

As medidas de contenção são necessárias, o estado de emergência para as impor é que não.

O combate à epidemia não depende do estado de emergência. As decisões mais relevantes que, acertadamente, foram tomadas para fazer frente à epidemia já tinham enquadramento na lei e foram, aliás, decididas antes ou à margem dos decretos do estado de emergência.

Os portugueses não ficaram à espera do estado de emergência para cumprir as medidas de saúde pública e cumpriram-nas antes mesmo de ele ser decretado. A realidade das últimas semanas frustrou as intenções securitárias daqueles que sonhavam ser necessário impor pela força o cumprimento de regras que os portugueses observaram voluntariamente e de forma generalizada.

A mobilização e o esforço pedidos aos profissionais das forças e serviços de segurança e da protecção civil foi muito para lá do que era necessário, teve consequências negativas na sua exposição ao risco epidémico e terá consequências futuras no desgaste destes profissionais.

O fim do estado de emergência não significa o fim das medidas sanitárias de contenção nem da verificação do seu cumprimento. Significa que nada disso é decidido de forma desnecessária ou desproporcional face à realidade e ao desenvolvimento da situação epidemiológica.

Simultaneamente, o estado de emergência continua a ser pretexto para uma ofensiva contra os direitos dos trabalhadores, com a imposição de todo o tipo de abusos e arbitrariedades, e dando cobertura ao caminho de agravamento da exploração e do empobrecimento dos trabalhadores e acumulação de lucros de económicos, incluindo com a apropriação de recursos públicos.

O Governo bem pode fazer declarações de intenções dizendo que recusa o regresso da política de “austeridade” mas ela está aí, na vida dos trabalhadores imposta pelo patronato. As declarações do Governo de nada servem se, na prática, o estado de emergência continuar a ser o pretexto para fazer desaparecer emprego e direitos dos trabalhadores, para despedir abusivamente, para impor férias forçadas, para cortar salários ou impor a desregulação dos horários de trabalho com os bancos de horas e outros artifícios existentes na legislação laboral.

O Governo bem pode fazer declarações de intenções sobre a mobilização dos recursos nacionais para enfrentar as consequências económicas do combate à epidemia e para assegurar as necessidades do povo e do país. Essas declarações de nada servem se os grupos económicos da distribuição continuarem a arruinar os produtores com o esmagamento dos preços que estão a impor; se os grupos económicos do sector da energia e dos combustíveis continuarem a fixar os preços sem qualquer controlo nem consideração do impacto que isso tem na vida do país e na economia nacional; se a banca continuar ao serviço dos grupos económicos como carrasco das MPME e das famílias, recusando acesso ao crédito ou impondo condições ruinosas; ou ainda se os grupos económicos puderem continuar a decidir distribuir dividendos aos accionistas, decisões particularmente escandalosas quando se trata de grupos económicos cujo lucro é feito em Portugal mas cujos impostos são pagos na Holanda, engrossando o orçamento do estado de países cujos governos desprezam as dificuldades do povo português.

A renovação do estado de emergência significará manter o pretexto de todos estes desenvolvimentos negativos para os trabalhadores e para a situação económica e social do país.

Senhor Presidente,
Senhor Primeiro-Ministro,
Senhoras e senhores Deputados,

A declaração do estado de emergência não pode ser banalizada porque está em causa a suspensão ou restrição de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Afirmámos na primeira discussão e insistimos que a declaração do estado de emergência não deve ser decidida em função de considerações abstratas ou teóricas, exige a verificação fundamentada da existência de um quadro excepcional que possa justificar tal decisão e das medidas que em concreto se identifique que só podem ser concretizadas a partir dessa declaração.

A sua sucessiva renovação, indiferentemente às condições e resultados da sua execução anterior, instala a ideia democraticamente perigosa da irrelevância da suspensão ou restrição de direitos, liberdades e garantias.

Isso torna-se ainda mais preocupante quando se constata, a partir da realidade nacional, que não é no estado de emergência que se encontra a resposta para o combate à epidemia, muito menos a solução para os problemas nacionais.

É por tudo isto que o PCP votará contra a renovação do estado de emergência.

Disse.

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