As diretivas europeias sobre o sector da assistência em escala no transporte aéreo, vulgo handling (Diretiva n.º 96/67/CE, do Conselho, de 15 de outubro de 1996) foram transpostas para a legislação portuguesa pelo Decreto-Lei n.º 275/99 de 23 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 19/2012 de 27 de Janeiro.
Como resultado desse processo, a TAP foi amputada do seu serviço de assistência em escala, tendo sido criada com essa segmentação a SPdH/Groundforce. Esta foi privatizada, depois renacionalizada e mais recentemente reprivatizada. E foi ainda criada a Portway, primeiro detida pela ANA Aeroportos e pela Fraport alemã, depois detida a 100% pelo grupo ANA, e depois privatizada conjuntamente com a ANA.
Este processo, ao longo de 20 anos, trouxe ao sector uma profunda instabilidade. A precariedade laboral passou a ser uma realidade crescente na assistência em escala, e a massa salarial passou a sofrer o efeito da pressão de uma concorrência que apenas incide no preço da força de trabalho e na duração e penosidade da jornada de trabalho.
A Diretiva Europeia e sua posterior regulamentação tinham objetivos assumidos: fazer baixar o preço da força de trabalho para os valores de outros sectores altamente precarizados como a limpeza e a vigilância. E esses objetivos não foram plenamente alcançados, graças à assinalável resistência dos trabalhadores do sector.
No poder político da União Europeia, a conclusão que retiraram foi a mesma de sempre: a receita não está a funcionar, é preciso aplicar uma dose mais forte – e assim se pretende impor um conjunto de regras ainda mais drásticas, que permitam finalmente destroçar a resistência laboral e impor os níveis de exploração desejados pelos grupos económicos que dominam o sector.
Assim, o governo português, a toda a pressa e antecipando-se a qualquer conclusão do processo comunitário, fez publicar o Despacho n.º 14886-A/2013, que determina o alargamento para três do número mínimo de operadores no Aeroporto de Lisboa. A forma enviesada e pseudocientífica como determina esse alargamento (a “fasquia” dos 15 milhões de passageiros por ano – que já foi ultrapassada!) é naturalmente um adereço que evidencia uma certa forma de fazer política.
O que o Governo assumidamente pretende é a gradual liberalização do acesso à prestação dos serviços de assistência em escala nas categorias atualmente restritas. Os resultados deste processo seriam inevitáveis: desestabilização completa da SPdH/Groundforce e da Portway, despedimentos, mais precariedade, redução dos níveis de fiabilidade e segurança da operação.
Mais recentemente, o Governo determinou o fim do atual processo de atribuição de licenças – que há mais de dois anos pende como ameaça na vida das empresas, servindo de arma recorrentemente usada pelas administrações para pressionar os trabalhadores em relação aos seus salários e direitos. Para substituir esse processo, o Governo anuncia o lançamento de novos concursos, claramente apontados à pulverização dos operadores, na medida em que se pretende permitir que sejam diversos os operadores para cada uma das categorias de assistência em escala.
Esta pulverização de operadores tem todo o potencial de criar uma enorme instabilidade nos Aeroportos, com voos a serem assistidos por diversas empresas, e perdas acentuadas de fiabilidade e segurança nas operações. De resto, quem conhece o mercado do handling no Aeroporto de Lisboa, onde a TAP detém cerca de metade da quota, sabe que este mal comporta dois operadores, quanto mais três, quatro ou cinco operadores.
E se a privatização da ANA Aeroportos já fragilizou a TAP, forçando-a a pagar um montante crescente e injustificado à multinacional Vinci, o processo de liquidação da SPdH/Groundforce, que agora novamente se desenha, agravaria ainda mais essa dependência, caso a TAP passasse a depender duma multinacional (a Vinci ou outra) para a assistência em escala.
Mas o Governo mostra-se disposto a tudo sacrificar para prosseguir os objetivos dos grandes grupos económicos, de intensificar a exploração dos trabalhadores do sector, e os planos de concentração monopolista à escala europeia, que as sucessivas liberalizações têm imposto.
Quando os trabalhadores, pela luta, partem à defesa dos seus direitos, ouvimos o Governo falar da necessidade de estabilidade nos aeroportos, em nome do turismo e de toda economia nacional. Certamente esse argumento surgirá como resposta às lutas que virão. Ora, na verdade a instabilidade maior é a que está a ser deliberadamente provocada pelo Governo com esta política – razão pela qual a melhor forma de garantir a estabilidade nos aeroportos nacionais e no sector do transporte aéreo é com outras opções estratégicas e outra política.
Nestes termos, e tendo em consideração o acima exposto, ao abrigo da alínea b) do Artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do número 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte
Resolução
A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, face à situação e perspetivas futuras do sector da assistência em escala, vulgo handling, no transporte aéreo, resolve recomendar ao Governo o seguinte:
1. Que o Governo proceda à revogação do Despacho n.º 14886-A/2013, particularmente no que diz respeito ao alargamento do número de operadores mínimos no Aeroporto de Lisboa.
2. Que o Governo determine, junto do INAC, a atribuição de licenças à SPdH/Groundforce e à Portway para a assistência em escala no Aeroporto de Lisboa, no conjunto das categorias previstas, nos termos atualmente em prática.
Assembleia da República, em 30 de abril de 2014