Sobre a Reforma da PAC - Conferência de Imprensa do PCP

Novo golpe na agricultura e nos agricultores portugueses
Profunda derrota do Governo de António Guterres

1. O compromisso verificado no Conselho de Ministros da
Agricultura da União Europeia, ontem conhecido, representa um novo e
perigoso golpe na agricultura portuguesa e uma profunda derrota da
estratégia negocial do Governo PS de António Guterres. Esta é uma
conclusão global que pode ser feita, independentemente de uma posterior
e mais pormenorizada avaliação dos resultados do Conselho Agrícola, em
particular no tocante aos dossiers sectoriais e aos diversos valores e
quantidades fixados, nas suas consequências para Portugal.
Foram completamente negados os objectivos que o próprio Governo tinha estabelecido como base de negociação:

  • O reequilíbrio dos apoios entre Estados membros, entre regiões e
    entre agricultores, de modo a acabar com a situação de contribuinte
    líquido do País face ao FEOGA, com a recusa da «modulação» e
    plafonamento das ajudas;
  • Ajudas à reconversão produtiva no sentido do reforço dos
    fundos nos sectores em que o País tem vantagens comparativas (produtos
    mediterrânicos), e de culturas menos apropriadas aos solos e climas das
    regiões agrícolas portuguesas (cereais de sequeiro, por exemplo);
  • A manutenção do propagandeado Desenvolvimento Rural – dito 2º
    pilar da PAC – sem um reforço significativo de meios que lhe permita
    responder às exigências que lhe são colocadas, e que inclusivamente
    foram solenemente inscritas na chamada Declaração de Cork.

Estes resultados, sublinha-se, são de uma extrema gravidade
para a agricultura e os agricultores portugueses. Mas representam
também a completa derrota da estratégia negocial do Governo Guterres,
quer na vertente produtiva quer na vertente financeira, ligadas à
reforma da PAC. Onde está a duplicação de verbas que o ministro da
Agricultura colocou como objectivo?

2. Mas as conclusões do Conselho de Ministros significam também
o rotundo fracasso de um conjunto de reclamações sectoriais específicas
do Ministério da Agricultura, aliás, à partida e em grande parte,
contraditórios com os pressupostos da reforma da PAC inscritos na
Agenda 2000, como tivemos a oportunidade de transmitir ao sr. ministro
da Agricultura. E não serão os 3 760 hectares de nova vinha que poderão
compensar a manutenção de quota insuficiente para o trigo duro e a
confirmada descida da quota do tomate. Ou esconder que o aumento de 3%
do número de prémios para vacas aleitantes e bovinos machos é
insuficiente para responder às necessidades e pedidos dos agricultores
portugueses. Não serão os 60 mil hectares de área de regadio para os
cereais, que poderão esconder a manutenção de um rendimento histórico
de referência que continuará a desfavorecer os produtores portugueses –
as ajudas são proporcionais a esse rendimento –, para lá da sua
incompatibilidade com esse mesmo acrescento de área regada.
Por outro lado, é
profundamente demagógico, para não dizer outra coisa, afirmar e empolar
um alegado aumento das verbas do FEOGA-Garantia (37 milhões de contos)
para Portugal
(há um jornal que titula «Agricultores recebem mais apoios») sem
evidenciar que esse acréscimo de fundos não compensará sequer o que os
agricultores e a agricultura vão perder com as descidas dos preços dos
cereais, carne e leite. Isto é, o saldo vai ser negativo!

3. Mas a reforma da PAC indiciada não deve ter apenas uma leitura pelas suas consequências para a agricultura portuguesa. Ela representa
também, como aliás já tinha significado a reforma de 1992, a completa
negação do objectivo de coesão económica e social da União Europeia,
inscrito no Tratado de Maastricht e reafirmado em múltiplas cimeiras
comunitárias.

A manutenção, no fundamental, dos mecanismos e regras de distribuição
das ajudas, e recusa da modulação e plafonamento, num quadro em que
aumenta o custo global da PAC (contrariamente, até, ao que tinha sido
estabelecido no Conselho de Bona: estabilização das despesas em 40,5
mil milhões de euros), vai significar a reprodução agravada da injusta
distribuição dos fundos do FEOGA-Garantia e o correspondente
agravamento das assimetrias regionais e sociais do mundo agrícola
comunitário: os agricultores portugueses vão continuar a ser os que
menos recebem e as produções mediterrânicas (frutas, hortícolas,
azeite, vinho), as menos ajudadas. Por outro lado, as importantes
vitórias espanhola e italiana, quer no aumento específico e
significativo das suas quotas leiteiras quer na subida dos rendimentos
(históricos) de referência dos cereais, acrescentam à diferenciação
entre países do Norte e países do Sul, o alargar do fosso entre
Portugal e os outros países mediterrânicos.
Resta ainda prevenir sobre as possíveis consequências do aumento da
despesa agrícola que significa esta reforma, sobre os restantes
dossiers da Agenda 2000 – Fundo de Coesão e Fundos Estruturais! Será
por acaso que o aumento do défice com a reforma da PAC – 7 mil milhões
de euros – coincide grosso modo, com uma falada redução do Fundo de
Coesão de 21 mil milhões de euros para 13/14 mil milhões de euros? Será
um acaso que os grandes beneficiários desta reforma da PAC sejam a
Itália e a Espanha, num processo dirigido pela Presidência alemã?
Alemanha que, como se sabe, precisa de aliados para cortar uma fatia do
Orçamento Comunitário e assim reduzir a sua contribuição, para o que,
aliás, conta com toda a compreensão do eng. António Guterres.

4. A reforma da PAC, ensejada pelo Conselho Agrícola da União
Europeia, é também a negação de uma União Europeia interessada em
defender o seu «modelo agrícola», a exploração agrícola familiar e uma
agricultura harmonizada com o meio ambiente, uma União Europeia virada
para uma cooperação exemplar com os países com elevada carência de
desenvolvimento.
A nova PAC acarretará o inevitável prosseguimento do desaparecimento
das explorações agrícolas familiares, principalmente as de menor
dimensão, e das zonas com mais fragilidades económicas, acentuará o
«produtivismo» e a agricultura industrial agressores do meio ambiente.
Em particular, acelerará as produções pecuárias sem terra
(suiniculturas e aviculturas) e a intensificação produtiva para ocorrer
à baixa dos preços, tal como sucedeu com a reforma de 1992.
A nova PAC favorecerá o crescimento do desemprego e, contrariamente a
alguns propagandistas, não vai beneficiar os consumidores. É também o
exemplo da reforma de 1992 que o demonstra. Mas poderemos atender à
situação bem mais recente das enormes quebras de preços no produtor do
bovino e suíno, sem qualquer reflexo ao nível dos talhos e
hipermercados.
A nova PAC é ainda um reforçado instrumento na guerra contra a
segurança alimentar dos países do Terceiro Mundo. A baixa de preços e
os mecanismos de liberalização dos mercados agrícolas visam «a guerra
económica» e preparação das próximas negociações da Organização Mundial
do Comércio, em que estão interessadas as transnacionais da
agro-alimentação (que, aliás, já manifestaram o seu apoio a esta
reforma) e as grandes potências agrícolas do Planeta, com os Estados
Unidos à cabeça. A produção agrícola é cada vez mais uma arma: a arma
alimentar.

5. A opinião do ministro da Agricultura de Portugal de que o
resultado do Conselho Agrícola é «globalmente positivo» está em total
contradição com o alegado voto contra.
Acresce que, contrariamente ao que o ministro tem vindo a propagandear,
nem no Conselho houve qualquer votação formal, nem Portugal foi o único
que manifestou reservas. Pelo menos a França também expressou as mesmas
reservas.
Tal posição do sr. ministro só é entendível enquanto postura
calculista, para mero uso político interno, o que é manifestamente
intolerável, mas não pode deixar de significar também que, em
contradição com as suas próprias palavras, as consequências do Conselho
Agrícola são profundamente negativas para a agricultura e os
agricultores portugueses.
Neste contexto, o PCP entende que, em consonância com esse «desacordo
português», e com todas as opiniões conhecidas sobre a reforma, o
primeiro-ministro António Guterres, na próxima Cimeira de Berlim,
oponha um NÃO firme de Portugal à Reforma da PAC agora acordada.
Exigimos que, no interesse da agricultura nacional e do País, o direito
de veto, se necessário, não fique na gaveta.

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