Sobre questões de Defesa Nacional e Forças ArmadasConferência de Imprensa do PCP

Rui Fernandes do Secretariado do Comité Central António Filipe do Comité Central e do Grupo de Estudos de Defesa Nacional António Rodrigues do Comité Central e do Grupo de Estudos de Defesa Nacional

 

Comemora-se esta semana o Dia das Forças Armadas e, também por isso, importa fazer um breve balanço sobre a situação da Defesa Nacional e, em particular, das Forças Armadas, até porque sobre elas pairam muitas “nuvens e sombra” apesar dos discursos de “luz e sol” do Ministro Portas.

O Ministério da Defesa tem hoje, como única estratégia claramente definida e assumida, uma política de total subordinação ao poderoso complexo militar-industrial norte-americano, em confronto aberto com os interesses nacionais, numa gestão que em tudo o resto navega à vista, não assumindo os compromissos eleitorais e acentuando o plano inclinado em que as Forças Armadas já se encontravam, onde todos os dias se agravam os problemas, nomeadamente os financeiros, operacionais e de pessoal.

Para trás, reduzidos a cinzas, ficaram os mediáticos anúncios, em poses majestáticas pré-encenadas, de apressadas medidas de restruturação das Forças Armadas. De tudo isto o que sobra é pouco mais que zero! Medidas de restruturação nem vê-las, embora admitamos que esta seja uma semana propícia a novas promessas.

No que respeita à Lei de Programação Militar, cuja maioria dos programas está parada, a sua execução continua a ser afunilada para os grandes negócios com os EUA, em especial com a Lockheed (talvez agora se percebam, melhor, as célebres notícias sobre “alegadas pressões de lobbies ligados ao armamento”....), e com o Governo a alterar, a transferir e a assumir novos projectos, como por exemplo o dos submarinos, cujo resultado final ninguém parece saber, mas que todos parecem já adivinhar...

O Grupo de Aviação Ligeira do Exército está a tornar-se num verdadeiro fantasma, dado que depois do investimento feito nomeadamente em pilotos, que não têm onde voar, o Ministro deixou cair os contratos de aquisição de helicópteros previstos, sem que se conheçam alternativas.

É o caso também dos aviões de transporte militar, com o Governo a abandonar, prematuramente, o projecto do A400M (que continha, através das OGMA, uma incorporação nacional não despicienda) e a optar pelo C130-J da Lockheed, descobrindo, mais tarde que, no apuramento final dos custos o avião norte-americano é mais caro que o europeu, mantendo a sua aquisição em stand by!

Mas é também o caso das fragatas, de que o Ministro da Defesa tanto tem falado, com o “popularucho” argumento de que «quem não pode ter novo compra usado», mas a quem importa perguntar, por exemplo, se a compra destas fragatas não vai implicar maiores guarnições, num quadro em que a falta de pessoal é uma realidade? E se o atraso tecnológico que as mesmas possuem, face às Vasco da Gama, não implicará avultados investimentos, sem qualquer sentido face ao seu prazo de duração?

E, já agora, perguntar também o que é feito da construção dos Patrulhões e se é verdade que, afinal, o projecto ainda não está nem concluído nem pago? E qual a razão pela qual só está em curso o contrato para a construção de dois Patrulhões se o objectivo é construir dez ou seja, se o argumento de economia de escala que o Ministro usou para não avançar para a construção do navio de combate à poluição não se aplica também neste caso?

E é ou não verdade que muito embora o Sistema de Autoridade Marítima esteja a gerar muito mais receitas próprias do que há 5 ou 6 anos, está com dificuldades face ao não desbloqueamento das receitas que lhe são devidas? Também aqui, não são operações mediáticas que, além do mais, visam tapar eventuais responsabilidades de outras áreas governamentais, que escondem aquela que é uma realidade marcada por dificuldades resultantes de incompetências.

Na área do pessoal assistimos, com preocupação, ao reacender de uma situação de mal estar no seio dos militares, com novas situações de inquietude expressas em iniciativas várias, como as que os oficiais promoveram na passada semana, resultante da acumulação de problemas não resolvidos e de aspirações e expectativas não concretizadas, como o bloqueamento de carreiras nalguns postos (existem capitães com 15 anos de posto e primeiros-sargentos com 18), as distorções do sistema retributivo, os atrasos crescentes no pagamento das comparticipações no âmbito da assistência na doença e o regime de férias, que continua a ser diferente dos restantes trabalhadores da administração pública (um militar goza, em média, menos 3 dias de férias).

Entretanto, continua por publicar a portaria que permita aos familiares dos militares que vivam em união de facto ter acesso às instalações sociais da Forças Armadas e a usufruir do direito das ADME’s.

Não há acções de charme que tapem a continuada persistência de normativos que afectam a carreira dos militares, como seja o caso de vários dispositivos constantes no Estatuto dos Militares, ou nos sistemas de avaliação de mérito, ou no desenvolvimento das carreiras das praças da armada, único ramo que possui quadro permanente de praças.

É um facto que a manutenção de efectivos na instituição militar só se consegue com o proporcionar de carreiras apelativas e motivadoras e não haverá marketing que resista a este quadro e consiga recrutar ou manter pessoas na instituição, seja nos quadros permanente ou de complemento.

Acentua-se a falta de jovens nas fileiras, com o Governo a assobiar para o ar, adiando a inevitável alteração da lei do Serviço Militar sobretudo por falta de coragem para enfrentar a JSD!

A profissionalização total é, como desde sempre afirmámos, um erro. E, é um erro, entre outras razões, porque os seus custos não são sustentáveis e, portanto, não há dinheiro para promover novos incentivos ao voluntariado e melhorar o seu estatuto remuneratório, e muito menos para alargar o número de voluntários e contratados de forma a substituir os militares do SMO, que, nalguns casos, constituem mais de 50% do efectivo.

De resto, a deterioração da situação financeira do Exército, com o Ministério da Defesa a não reembolsar o Exército das verbas gastas em missões no estrangeiro, vai obrigar a uma redução de 30% nas duas últimas incorporações deste ano.

Como se vê, afinal, as Forças Armadas ainda não bateram no fundo!

Mas continua também por resolver todo um conjunto de problemas ligados com os regimes de contrato e voluntariado, como sejam os do pagamento de subsídios de desemprego, o não funcionamento das chamadas UNIVAS, o pagamento dos chamados subsídios de reinserção na vida activa, a definição concreta no âmbito do contrato das funções exactas a cumprir pelo militar, etc..

O Ministro da Defesa parte do primado de que desde que não sejam do conhecimento público os problemas, tudo está bem. Mas não há discurso demagógico e acções de condicionamento e pressão por via do seu Ministério (veja-se, a título de exemplo, o caso da Liga dos Combatentes e agora o da Cruz Vermelha) que possam tapar uma realidade marcada pela continuação de muitos e graves problemas.

Por isso, anunciamos ir propor a realização de uma audição parlamentar, no âmbito da Comissão Parlamentar de Defesa, que permita ouvir a Direcção cessante e chame o Governo a prestar esclarecimentos sobre o que realmente se passou na Cruz Vermelha e que, pelas notícias vindas a público, configura uma desenquadrada intromissão do Governo, visando forçar uma direcção a seu gosto.

Mas também os ex-combatentes continuam à espera que o Ministro cumpra a sua grande promessa eleitoral. Primeiro era em 2003, depois prometeu anunciar no congresso do PP a resolução do problema (aliás, está a tornar-se moda Paulo Portas anunciar medidas governativas em iniciativas do PP), acabando por remeter a satisfação dos direitos para 2004. Mas, numa recente e mediática visita ao Arquivo do Exército introduziu uma nuance no discurso, o tratamento burocrático é que será feito até final de 2004, a satisfação dos direitos logo se vê. De permeio, para atenuar o mal-estar, promoveu, sem honra nem dignidade, uma patética cerimónia de distribuição de medalhas.

E não venha o Ministro Portas, com o seu ar cândido, pregar moral sem dizer se é ou não verdade que, ao mesmo tempo que enche discursos sobre as dificuldades do País, o Primeiro-Ministro tem-se deslocado de Falcon nomeadamente para assistir a jogos de futebol em território nacional? E é ou não verdade que foi posto um navio de guerra no Tejo para Rumsfeld ver? Quantos milhares de euros custam estas operações de cosmética?

Prosseguindo uma linha que se vinha acentuando, mas que com este Governo foi eleita como a principal, para o Governo a utilidade das Forças Armadas está na sua participação externa. Por isso, apesar das dificuldades das Forças Armadas já referidas, e dos problemas económicos e financeiros que o País atravessa, a nossa presença militar no exterior tem aumentado e Portugal é um dos países que, relativamente, mais participa em missões externas.

Mas não em todas as missões externas, porque a cooperação com os PALOP’s tem sido sujeita a cortes e a indecisões que tem vindo a permitir uma crescente penetração da influência anglófona e francófona. Ou será que o grande desígnio do Governo em matéria de política de cooperação é a constituição de uma força militar internacional vocacionada para intervir em África, aliás, correspondendo aos desejos do General Jones, Comandante das forças norte-americanas para a Europa e África?

Os sucessivos almoços e jantares Durão/Bush e Portas/Ramsfeld tem servido, em matéria de Defesa Nacional, para acentuar a nossa subserviente dependência política e militar e não para retirar qualquer benefício para Portugal e para as nossas Forças Armadas.

Tem-se falado muito da manutenção em Oeiras de um Comando NATO (chefiado por um militar norte-americano) mas importa perguntar quais as vantagens que daí advêm, porque ter um edifício-sede não é ter um Comando NATO. De resto, se há coisa que temos em Portugal, há muitos anos, são edifícios e áreas militares NATO, sem que daí tenhamos retirado qualquer benefício.

O Governo Durão/Portas mistifica a questão do comando NATO e através da mediatização desta questão, pretende fazer esquecer o seu alinhamento com os Estados-Unidos na guerra de ocupação do Iraque, guerra que assentou numa maquiavélica mentira relativamente à qual o Governo nenhuma explicação deu aos portugueses.

Mas a subserviência vai mais fundo, com a decisão de envio de membros da GNR para o Iraque numa operação de carácter militar, que o uso de meios pesados não esconde. Confirmam-se pois, as preocupações expressas pelo PCP, na discussão do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, quando afirmou que ao misturar conceitos de defesa e de segurança, se abria a porta para preocupantes, indesejadas e indevidas utilizações das Forças Armadas e das Forças de Segurança.

O PCP, alertando para um vasto conjunto de problemas que afectam as Forças Armadas e para os perigos do prosseguimento da actual política, reafirma aquela que tem sido a sua postura de sempre, de partindo da análise própria da situação, intervir visando a resolução dos problemas, a dignificação dos militares e a preservação do prestigio da Instituição.

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