Comunicado do Gabinete de Imprensa dos Deputados do PCP no PE

Sobre as propostas apresentadas pela Comissão Europeia para a anunciada “reforma da governação económica da UE”

A Comissão Europeia apresentou, no final de Abril, três propostas que visam concretizar a anunciada “reforma da governação económica da UE”, estabelecendo alterações ao quadro normativo existente.

Construídas a partir do Pacto de Estabilidade e de um conjunto de seus derivados – Programas Nacionais de Reformas, Recomendações por País, ambos enquadrados no Semestre Europeu – as normas relativas à “governação económica da UE” constituem uma densa teia de constrangimentos, imposições e sanções, com expressão mais directa no condicionamento da política orçamental de Estados como Portugal, mas que vai além disso, cavalgando sobre outras áreas de soberania, como as questões salariais ou o financiamento e funcionamento dos serviços públicos e de outras funções sociais dos Estados.
A última década deixou bem à vista o prejuízo decorrente desta teia de constrangimentos, imposições e sanções, em particular na limitação da resposta, por parte de Estados como Portugal, a uma situação económica e social degradada e vulnerável.

Recorde-se que no último mês de Março, o Eurogrupo e o Conselho de Assuntos Económicos e Financeiros (ECOFIN), compostos por ministros das finanças da zona Euro e da UE, respectivamente, confirmaram, sob recomendação da Comissão Europeia, o fim da denominada cláusula de escape do Pacto de Estabilidade, que fora activada no período da pandemia de Covid-19.

Esta decisão, com efeitos em 2024, significa a retoma, na sua plenitude, de todos os instrumentos de condicionamento associados ao Pacto de Estabilidade.
Após anos de promessas de “flexibilização” do Pacto de Estabilidade e das regras inerentes à “governação económica da UE", como já se antecipava, as propostas agora apresentadas não só não traduzem nenhum aligeirar das regras e condicionamentos existentes, como adicionam novos e mais
pesados constrangimentos à acção de Estados como Portugal, com crescentes intromissões na sua soberania.

A saber:
- Os países cujos rácios de défice e dívida ultrapassem os valores de referência inscritos nos tratados, 3% ou 60% do PIB, respectivamente, serão forçados a apresentar um plano orçamental de médio- prazo, delineado e imposto pela Comissão Europeia. Tal plano passaria a estar associado à imposição de limitações concretas à evolução da despesa primária do Estado, exigindo-se que o seu crescimento seja inferior ao crescimento de médio-prazo do PIB. Ora, a introdução deste critério – defendido e imposto pela Alemanha – visa reforçar a pressão exercida para a redução do investimento público, para a estagnação dos salários na Administração Pública, conduzindo a uma ainda maior debilitação da mesma, e para o desinvestimento nos serviços públicos e outras funções sociais do Estado – saúde, educação, segurança social, habitação. Perante a possibilidade de não acatamento dos ditames inscritos no plano orçamental, será exercida a permanente chantagem do procedimento por défice e dívida excessivos e as sequentes sanções;

- O quadro de sanções aos Estados é reforçado, com a introdução de um novo tipo de sanções, ditas “de carácter reputacional”. Com efeito, os países considerados em risco de desvio da trajectória de despesa primária poderão ser chamados ao Parlamento Europeu para se “justificarem”. Se a “governação económica” vigente já encerra em si toda uma visão de pendor neocolonial, numa lógica de submissão e subordinação, em particular dos Estados economicamente menos desenvolvidos, esta pretendida reforma vem acrescentar-lhe novos elementos, seja do ponto de vista substantivo, seja de um ponto de vista simbólico. Trata-se de um novo ataque à soberania e independência de países como Portugal;

- Em cedência às imposições da Alemanha, assim demonstrando, uma vez mais, se necessário fosse, quem determina o conteúdo da acção das instituições da UE, são introduzidos elementos quantitativos obrigatórios, nos casos de défice acima do valor de referência, que implicam um ajuste orçamental mínimo de 0,5% do PIB ao ano. Impõe-se, assim, um ainda maior constrangimento à implementação de medidas, de políticas, de investimentos, que os Estados considerem necessários, em particular em casos de situação de dificuldade económica;

- Esta proposta de “reforma”, de cariz marcadamente neoliberal, a que não faltam as ditas “entidades supervisoras independentes” com funções de “vigilância”, além de ser suscetível de agravar desigualdades económicas e de desenvolvimento entre os Estados, agrava desigualdades de poder no seio da UE, dando ainda mais poder às principais potências, encabeçadas pela Alemanha, seja por via do poder discricionário atribuído à Comissão Europeia, que controlam, seja por via de prerrogativas atribuídas ao Conselho – cláusulas de escape, colectivas ou individuais, excepcionais – igualmente
dominado pelas principais potências da UE.

Em síntese, as propostas apresentadas pela Comissão Europeia, que serão agora discutidas no Parlamento Europeu e no Conselho, aprofundam e ampliam a intromissão por parte das instituições da UE e das potências que as controlam nas políticas e opções orçamentais, financeiras, económicas e sociais de Estados como Portugal. Fazem-no procurando dispor de um quadro normativo com mais sanções e com sanções mais fáceis de aplicar. O objectivo não é conceder aos Estados maior “flexibilidade” ou “margem de manobra” orçamental para promoverem políticas de crescimento e desenvolvimento económico e social, mas sim estabelecer um sistema mais eficaz de subjugação das opções e políticas nacionais de países como Portugal aos interesses das principais potências da UE e dos grandes grupos económicos.

Os deputados do PCP no Parlamento Europeu consideram que o que se impõe é a definitiva revogação do Pacto de Estabilidade e dos seus “derivados”, o que requer a firme rejeição das propostas agora conhecidas. Nada se deve sobrepor à utilização e concretização soberanas dos instrumentos e do potencial que Portugal tem à sua disposição para garantir os direitos e as aspirações dos trabalhadores e do povo português, para desenvolver o País. É com esta certeza e
determinação que os deputados do PCP irão intervir no processo que se seguirá no Parlamento Europeu.
Estrasburgo, 9 de Maio de 2023

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