Intervenção de Paulo Sá na Assembleia de República

Sobre a proposta de Lei que define as Bases da Política de Ambiente

(proposta de lei n.º 79/XII/1.ª)
Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
A atual Lei de Bases do Ambiente, 25 anos após a sua entrada em vigor, contém as linhas mestras de uma política ambiental que atribui ao Estado um papel determinante na harmonização do desenvolvimento económico e social com a gestão sustentável dos recursos naturais e a defesa e preservação do ambiente.
Assente no princípio geral de que incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos, a promoção da melhoria da qualidade de vida, quer individual quer coletiva, a Lei de Bases do Ambiente de 1987 constituiu um importante instrumento para a concretização do direito constitucional a um ambiente humano e ecologicamente equilibrado.
Sabemos, contudo, que este direito não foi plenamente atingido. A responsabilidade não é da própria Lei mas, sim, da ação de sucessivos governos, da política de direita, que fragilizaram, em vez de fortalecerem, a capacidade de intervenção do Estado e dos seus organismos próprios e que optaram pela via da mercantilização dos recursos naturais, colocando o seu valor económico ao serviço de interesses privados em vez de o subordinar às necessidades do País e das populações.
Olhe-se, por exemplo, para o gradual definhamento da capacidade do Estado para assegurar as funções de vigilância, fiscalização e conservação da natureza, existindo atualmente menos de 200 vigilantes da natureza para mais de 750 000 ha de áreas protegidas.
Olhe-se, ainda, para política de cobrança de taxas pelo acesso e visita às áreas protegidas, que criam barreiras económicas que dificultam, ou mesmo impossibilitam, o contacto dos cidadãos com a natureza, em vez de se procurar promover ativamente a visitação dessas áreas, estimulando o interesse e o contacto dos cidadãos com a natureza.
O PCP rejeita este caminho de redução e minimização do papel do Estado no cumprimento das suas obrigações constitucionais na área do ambiente.
Na sua proposta de Lei de Bases do Ambiente, apresentada há nove meses na Assembleia da República, o PCP reafirma o papel do Estado como garante do direito ao ambiente.
A gestão dos recursos naturais, do ordenamento do território e da fiscalização das atividades humanas com impactos no ambiente devem ser da responsabilidade direta do Estado e desempenhadas diretamente por organismos próprios da administração do Estado, com a participação das autarquias locais, sem possibilidade de delegação ou concessão.
O PCP rejeita também o caminho da mercantilização dos recursos naturais.
Não é esta a opção do Governo PSD/CDS.
Na sua proposta de lei de bases do ambiente, atribui ao Estado um difuso papel de realização da política ambiental. Quais os deveres concretos do Estado, na concretização desta política? Quais as competências do Governo e das administrações regional e local? Quais os organismos do Estado responsáveis pela aplicação da política ambiental? Quais as suas missões e atribuições? Sobre tudo isto, a proposta do Governo é propositadamente ambígua.
Bem sabemos o que isto significa, vindo deste Governo PSD/CDS: porta aberta ou, melhor, porta escancarada para a minimização do papel do Estado e a subordinação da política ambiental aos interesses privados.
Este caminho é oposto àquele que o PCP defende: maximização do papel do Estado e subordinação da política ambiental às necessidades do País, das populações e da coesão ecológica e económica nacional.
Na sua proposta de lei de bases do ambiente, o Governo introduz um princípio que é muito caro à política de direita: o princípio do utilizador-pagador.
Sabemos o que significa subordinar a atuação pública, em matéria do ambiente, ao princípio do utilizador-pagador: a exclusão, pura e simples, daqueles que não possuem a capacidade económica para suportar os custos de utilização dos recursos.
Este princípio já está a ser aplicado na área do ambiente, por exemplo, na cobrança de taxas às populações residentes nas áreas protegidas ou na cobrança de taxas pelo acesso a essas áreas. Mas, agora, o Governo quer ir mais longe: generalizar a aplicação deste princípio, elevando-o à categoria de lei.
O PCP rejeita o princípio do utilizador-pagador, considerando que é adverso à perspetiva solidária com que deve ser conduzida a política ambiental. Entendemos que os custos de utilização dos recursos devem ser sustentados pelo Estado, pelos cidadãos e pelas entidades privadas no quadro da política fiscal. Afinal, para que é que pagamos impostos?
Na sua proposta de lei, o Governo, além dos habituais instrumentos da política ambiental, já existentes na atual Lei, introduz ainda instrumentos económicos e financeiros, entre os quais se contam a aplicação de taxas, preços ou tarifas.
Alegadamente, estas taxas promoveriam a utilização racional e eficiente dos recursos ambientais, pelo que seriam um sinal de modernidade. Na realidade, representam um profundo retrocesso, pois a criação de barreiras económicas dificulta ou mesmo impossibilita aos cidadãos mais carenciados o acesso aos serviços proporcionados pelo ambiente, agravando as injustiças e desigualdades sociais.
O Governo pretende ainda introduzir instrumentos de mercado, assentes em mecanismos de troca de direitos de uso ou de direitos de poluição. A aposta nestes instrumentos baseia-se na errónea conceção de que se pode salvar o ambiente através da sua mercantilização.
Contudo, a experiência europeia de transação de quotas de carbono desmente, claramente, a virtuosidade da regulação pelo mercado e demonstra a ineficácia e, até, a perversidade dos seus instrumentos, os quais podem, inclusivamente, bloquear o investimento em novos processos e tecnologias.
Na exposição de motivos da proposta governamental afirma-se, a dado passo, que a limitada capacidade de carga do nosso planeta obriga «à moderação de padrões de produção e de consumo».
Mas não é este objetivo absolutamente contraditório com a própria natureza do sistema capitalista, em que a obtenção de lucro e a acumulação de capital exigem um constante aumento da produção e do consumo?
A superação dos problemas ambientais não exige o aprofundamento do sistema capitalista mas, sim, a sua superação, numa perspetiva de harmonização da relação do homem com a natureza, travando a sobre-exploração dos recursos naturais.
A proposta do Governo de lei de bases ambiente tem uma profunda carga ideológica, envereda por um caminho oposto àquele que o PCP defende nas questões ambientais e na sociedade em geral, pelo que não pode deixar de merecer, da nossa parte, um total repúdio.

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