Comunicado da Comissão Política do Comité Central do PCP

Sobre os principais aspectos da situação política nacional

Reunida em 28 de Outubro, a Comissão Política do PCP analisou os principais aspectos da situação política nacional, com destaque para as seguintes questões.

1. A Comissão Política do PCP salienta que as celebrações pelo PS e pelo seu Governo do seu primeiro ano de actividade ficaram caracterizadas por elementos de pompa e circunstância, de auto-satisfação e auto-glorificação que são próprios dos que se recusam a enfrentar a realidade e imaginam que doses reforçadas de palavreado são susceptíveis de iludir duradouramente os cidadãos.

A verdade porém é que, um ano após a formação do novo Governo do PS, não apenas os principais problemas do povo e do país - desemprego, condições de vida e de trabalho, injustiças sociais, desigual repartição do rendimento nacional, crise e dificuldades na esfera produtiva e na economia real, etc. etc.- mantêm intacta a sua extensão e gravidade como não se vislumbram nas orientações e projectos do Governo do PS sinais que permitam alimentar a esperança de mudanças de políticas e de opções de fundo que seriam necessárias e urgentes para os enfrentar eficazmente.

Se, como infelizmente se está a verificar, o projecto do PS, apesar de tudo quanto proclamou e prometeu na campanha eleitoral, era apenas o de fornecer uma nova equipa para a execução, nas matérias fundamentais, da mesma política do PSD, então o Governo do PS talvez tenha razão para se mostrar tão satisfeito com o seu desempenho.

Mas os responsáveis do PS e do seu Governo enganam-se a si próprios se, iludidos com leituras apressadas ou enviesadas de sondagens e com títulos sobre o «estado de graça», não querem perceber que há já hoje na sociedade portuguesa um expressivo e crescente movimento de desilusão, frustração e descontentamento com a sua política.

2. A Comissão Política do PCP destaca ainda que, numa inequívoca demonstração de que, com o passar do tempo a identificação nas políticas essenciais acaba por induzir estilos e posturas políticas também idênticas, se verifica uma veloz e chocante cópia pelo Governo do PS de alguns dos mais lamentáveis tiques e de algumas das concepções mais arrogantes do cavaquismo.

Da apresentação do partido do governo como o «único referencial de estabilidade» à invocação das opiniões de meios financeiros internacionais como argumentos de autoridade sobre a excelência da política do Governo, da qualificação das «oposições» como só sabendo «dizer mal» até ao ressuscitar do famoso «deixem-nos trabalhar», passando pela fuga do Primeiro-Ministro a dar a cara nos assuntos mais abrasivos, como se viu no caso das tarifas aéreas para as regiões autónomas - vai toda uma panóplia de atitudes e concepções que põem em causa o tão proclamado «novo estilo» do Governo do PS.

3. A Comissão Política do PCP sublinha que o Governo do PS desenvolve em defesa da prioridade absoluta da participação de Portugal na moeda única, uma propaganda capciosa e infundamentada que procura fomentar e instrumentalizar expectativas de equiparação a níveis de bem estar dos países mais desenvolvidos da UE em tudo desconformes com as reais consequências da passagem à 3ª fase da UEM.

O PCP considera indispensável chamar a atenção para que o cumprimento dos critérios de convergência nominal e a marcha forçada para a moeda única, não significam constrangimentos, dificuldades e sacrifícios apenas para 1997 antes representam constrangimentos, dificuldades e sacrifícios também para 1998 e 1999 que se prolongarão depois da criação da moeda única com uma apertadíssima vigilância sobre a política orçamental dos países integrantes da moeda única e a sua sujeição a pesadas sanções.

A estagnação ou degradação dos salários reais dos trabalhadores, o aumento do desemprego, a destruição e ruína de importantes sectores produtivos, as pressões para cortes nas despesas sociais, uma política cegamente deflacionista contrária a um significativo crescimento económico, os baixos salários como principal esteio da competitividade da economia portuguesa, longe de serem o preço conjuntural ou episódico a pagar pela adesão à moeda única são antes duradouras consequências dessa nefasta opção.

Não basta que o Governo do PS assuma as suas claras responsabilidades por esta insensata obsessão coma moeda única. É indispensável que fale verdade aos portugueses sobre as suas consequências.

4. A Comissão Política do PCP salienta igualmente que não têm qualquer razoabilidade as grandiloquentes proclamações do Governo do PS de que, integrando o núcleo inicial da moeda única, Portugal ficará no «centro da construção europeia» e que, de outro modo, ficaria irremediavelmente condenado à «periferia».

Com efeito, é tão absurdo supor que Portugal, com uma economia fraca e sendo um dos países mais atrasados da UE, só por vir a ter uma moeda forte passaria a ter uma especial influência na marcha da actual «construção europeia» como supor que países como a Espanha, a Itália ou a Grã-Bretanha, com economias fortes, só porque não conseguiram ou não quiseram integrar a moeda única, ficariam por isso remetidos para a «periferia» ou passariam a pesar menos que Portugal.

Com a sua (ainda incerta) participação na moeda única, Portugal não só não ganharia nenhum acréscimo do seu peso específico como perderia sim instrumentos essenciais para a condução de uma política económica nacional efectivamente apostada em aproximar Portugal dos padrões de vida, salários e desenvolvimento socio-económico dos países mais desenvolvidos da UE.

Com a sua (ainda incerta) participação na moeda única, Portugal ficará é mais prisioneiro da lógica neoliberal de Maastricht de que a 3ª fase da UEM e a moeda única são uma espécie de fecho de abóbada e mais subordinado aos ditames aos interesses dos países mais desenvolvidos da UE e do todo-poderoso Banco Central Europeu, cuja proclamada «independência» face aos governos não o impedirá seguramente de funcionar como executor da vontade da Alemanha e como inflexível guardião da ortodoxia monetarista e dos interesses do grande capital.

5. É neste contexto global que as «reformas» nas principais áreas sociais - saúde, segurança social e educação - que o Governo anuncia ser seu propósito promover, suscitam as mais fundadas preocupações de estarmos perante um plano não de plena concretização das funções sociais do Estado constitucionalmente consagradas, mas de acrescida selectividade e de retrocesso social, em direcção as responsabilidades sociais do Estado de dimensão mínima e de carácter residual e caritativo.

O PCP que tem insistentemente sustentado a necessidade de profundas reformas, de orientação democrática, nas áreas da saúde, da segurança social e da educação e que, com esse objectivo, apresentou detalhados estudos de situação acompanhados por propostas de orientações políticas estratégicas e por um vasto conjunto de medidas, alerta em relação a uma política gradualista e de factos consumados em que o Governo visivelmente aposta. E lança o seu desafio para um alargado debate nacional, com apropriada expressão pluralista nos meios de comunicação social, em torno dos problemas da saúde, da segurança social e da educação.

6. A Comissão Política do PCP renova as inquietações já manifestadas pelo Grupo Parlamentar do PCP quanto à aproximação verificada em sede de revisão constitucional entre o PS e o PSD para a consagração de círculos uninominais que seriam susceptíveis de afectar, de forma directa ou reflexa, a proporcionalidade do sistema eleitoral. E sublinha que o PS não têm qualquer autoridade para reagir tão indignadamente as acusações formuladas pelo PCP.

A verdade é que, tendo passado mais de dois anos desde que o PS lançou o tema da «reforma do sistema político» e da criação de círculos uninominais, exceptuando declarações avulsas de carácter vago, impreciso e até contraditório, nunca até hoje o PS quis ou foi capaz de explicar que sistema eleitoral pretende.

E, por isso, o PCP lança hoje ao PS o desafio para que, finalmente, esclareça de forma pública, responsabilizante, detalhada e concreta qual é o novo sistema eleitoral para a AR que propõe e designadamente como é que nele se assegura a proporcionalidade na conversão de votos em mandatos.

O PCP salienta que esta política de ocultação e falta de transparência é absolutamente inaceitável. E afirma ser também absolutamente inaceitável que PS e PSD pretendam alterar formulações constitucionais quanto ao sistema eleitoral que funcionariam como uma espécie de cheque em branco para concretizações de alterações às leis eleitorais que só mais tarde seriam reveladas e conhecidas.

Ainda ontem, o Secretário-geral do PS voltou a proclamar a necessidade da criação de círculos eleitorais em que só se eleja um deputado como forma indispensável de cada eleitor saber quem é o deputado que o representa.

Dado que o Secretário-geral do PS continua a insistir imperturbavelmente neste sofisma, o PCP por seu lado volta a insistir que, com círculos uninominais em que só seria eleito o candidato mais votado, o que aconteceria é que grande parte, ou mesmo a maioria, dos eleitores desse círculo deixariam de ter deputados que os representassem, uma vez que, como é óbvio não se sentirão representados pelo candidato vencedor em quem não votaram e em quem não confiam politicamente.

7. O PCP exprime a sua firme e activa solidariedade com todos os portugueses que, sacudindo as pressões no sentido do conformismo e da resignação, não abdicam de lutar pelos seus interesses e direitos.

A deslocação dos mineiros de Aljustrel a Lisboa exigindo a activação da mina em defesa dos seus postos de trabalho e da comunidade que deles depende; a greve às horas extraordinárias e a vigília dos trabalhadores ferroviários contra o desmembramento da CP: o Plenário Nacional dos Trabalhadores da Administração Pública e sua combativa determinação de lutar por aumentos salariais condignos; a participação de meio milhar de membros de Comissões de Trabalhadores num Encontro Nacional onde foi reafirmada unanimemente a disposição de desenvolver a acção em torno da defesa da Constituição social e laboral e do Sector Empresarial do Estado; a concentração de trabalhadores de Lisboa e Setúbal em direcção à Assembleia da República convocada para amanhã; a acção de reformados e pensionistas também prevista para amanhã em reclamação de aumentos dignos das pensões e reformas, a decisão dos eleitos autárquicos nas freguesias de exigirem o cumprimento das promessas do Governo; as corajosas tomadas de posição de dirigentes associativos criticando a política do Governo em relação ao ensino superior e as movimentações estudantis que, embora contendo elementos contraditórios, exprimem o vivo descontentamento que alastra neste sector - constituem valiosos exemplos de um caminho de protesto, de intervenção e de luta que é essencial para travar os golpes aplicados pela política do Governo e assegurar a satisfação de justas e prementes reivindicações populares.