O chamado Plano de Recuperação e Resiliência – PRR, agora em consulta pública, tem sido apresentado pelo Governo PS como sendo a principal resposta aos problemas do País. O Primeiro-Ministro chega a designá-lo de “bazuca”. Mas a verdade é que o PRR com os cerca de 16 mil milhões de euros que disponibiliza e as opções que toma está longe de corresponder às necessidades do País e, em muitos aspectos, desvia-se das prioridades nacionais.
Um Plano, seja ele qual for, não tem valor por si ou pela designação que assuma à margem do que em concreto traduza do ponto de vista de objectivos, opções e medidas que o concretizem. O País tem conhecido ao longo de anos inúmeros planos nacionais sem que sobre eles se tenha procedido a uma avaliação crítica sobre o real impacto dos mesmos. Muitos planos para esconder a ausência de planeamento. E muitos anúncios para tão pouco investimento (veja-se que o investimento efectuado nos últimos anos nem chega a cobrir o desgaste dos equipamentos e infraestruturas registado).
O PRR não tem uma resposta pensada e articulada com as necessidades nacionais. O que nele se identifica é uma opção pelo aproveitamento das verbas disponibilizadas a partir dos mesmos critérios da política de direita que têm estado presentes em sucessivos governos de PS, PSD e CDS. Contenção salarial, liberalização de mercados, privatização de empresas estratégicas, financiamento público dos grupos económicos, ausência de planeamento, abdicação de soberania.
O PRR não é a resposta de emergência à crise económica e social que está em desenvolvimento, e muito menos o instrumento capaz de imprimir as alterações estruturais de que o País precisa. O desemprego que está em aceleração, a perda de salários e rendimentos, a ameaça que se coloca à sobrevivência de milhares de MPME, a situação com que se confrontam os serviços públicos não encontram respostas neste plano.
O PRR não parte das necessidades do País, mas da imposição por parte da União Europeia de que mais de metade das verbas terão obrigatoriamente de ser afectas às chamadas transições – energética e digital. Uma vez mais é a UE a tentar impor como, quando e onde é que Portugal pode aplicar os seus recursos.
A estratégia dita de descarbonização, imposta pela UE, é feita a um ritmo e ao serviço de interesses, que não são os nacionais. Uma estratégia que, em vez de promover a segurança e a soberania energéticas e a defesa do meio ambiente, aponta à destruição de capacidade produtiva instalada, (vejam-se os encerramentos da refinaria de Matosinhos e da central de Sines). Uma estratégia que, conduzida em nome do ambiente, está a ser desenhada para entregar milhares de milhões de euros às transnacionais europeias.
Preocupações que se estendem também à chamada transição digital, não no que ela pode e deve incorporar de avanço científico e tecnológico no funcionamento dos serviços públicos ou no desenvolvimento dos processos produtivos, mas no que em seu nome se adivinha de aprofundamento da exploração dos trabalhadores – teletrabalho, desregulação de horários, redução de salários – ou de degradação dos serviços públicos.
O PRR não olha para os défices estruturais com que Portugal se confronta. Ignora o défice demográfico, subestima o défice produtivo, relativiza o défice científico e tecnológico, e sobretudo não vai às reais causas dos problemas nem propõe a sua superação. E se é verdade que assume nos seus propósitos preocupações que todos reconhecemos, não retira daí as conclusões que se impunham.
Alguns exemplos: aponta-se a necessidade de industrializar, mas continua a desindustrialização, como aconteceu com o recente anúncio do encerramento da Central Eléctrica de Sines e da Refinaria de Matosinhos; sinaliza-se a necessária coesão territorial, mas os CTT continuam a encerrar serviços, a CGD a encerrar balcões, a GNR a encerrar postos territoriais, etc; inscreve-se a produção de material circulante mas os concursos continuam a sair sem impor a incorporação nacional e sem estarem dimensionados para a facilitar; aponta-se a aquisição de navios mas estes serão comprados em Espanha apesar da capacidade instalada nos estaleiros nacionais; aponta-se a necessidade «do aumento da resiliência da Floresta e da Gestão Hídrica» nomeadamente a Sul, mas não se condenam as práticas de culturas superintensivas e outros crimes em curso; identifica-se o problema do acesso à habitação mas não se intervém no combate à especulação nem na regulação dos preços proibitivos que são hoje praticados; sinaliza-se a importância dos serviços públicos mas não se apontam objectivos para a contratação dos milhares de trabalhadores que estão em falta; fala-se da modernização e desenvolvimento do País, mas não se assume a necessária valorização salarial, enquanto condição para a fixação de trabalhadores, a dinamização do mercado interno ou o combate à regressão demográfica.
Tal como o PCP tem denunciado, a submissão de Portugal ao Euro, tem-se traduzido no atraso do País e na desvalorização do necessário investimento público. Mais, o investimento público em Portugal está hoje praticamente limitado às verbas provenientes de fundos comunitários. A urgência e a centralidade que o Governo está a atribuir a este plano, só vem confirmar a dramática dependência do País face ao estrangeiro e a abissal diferença entre a resposta de outros países à crise e aquela que se projecta em Portugal. A título de exemplo, só a Alemanha mobilizou cerca de 750 mil milhões de euros na resposta à actual situação, tanto quanto a UE disponibilizou no chamado Fundo de Recuperação e Resiliência – FRR para os 27 países.
As verbas inscritas no PRR, conjugadas com o actual e o futuro Quadro Financeiro Plurianual, serão seguramente mais do que aquilo que foi disponibilizado nos últimos anos para o investimento público. Mas globalmente, estas verbas, para lá da ausência das opções que se exigiam, continuam muito aquém daquilo que se impunha: a inscrição de objectivos de investimento público de pelo menos 5% do PIB, capazes de assegurar um crescimento económico duradouro acima dos 3%.
Como o PCP tem insistido, a solução para os problemas nacionais não virá de fora e muito menos das regras, imposições e pacotes financeiros provenientes da UE. Recursos que, voltamos a insistir, são fundamentalmente constituídos pela a antecipação de receitas futuras que Portugal perderá mais adiante e que, ao contrário do que tem sido dito por alguns comentadores ao serviço das principais confederações patronais, asseguram de forma directa a transferência de mais de 4,5 mil milhões de euros para os grupos económicos, a que há que acrescer os muitos milhares de milhões de investimento público que serão concretizado pelo sector privado.
O País precisa de respostas que não só não são coincidentes com opções que estão inscritas no PRR, como estão muito para além dos seus indisfarçáveis limites.
A epidemia, tendo colocado novos problemas e desafios, relevou sobretudo insuficiências e estrangulamentos crónicos que há muito atingem o País.
Para o PCP um verdadeiro programa de recuperação e desenvolvimento exige fazer opções soberanas inseparáveis da recuperação dos instrumentos de soberania – orçamentais, monetários, sectores estratégicos. Precisa de uma agenda própria que olhe para os problemas do País, que faça uma avaliação crítica aos últimos quadros comunitários de apoio e que seja construída sem condicionamento de verbas a objectivos que se afastam das prioridades nacionais, sem a imposição das ditas reformas estruturais.
Para o PCP, um programa de desenvolvimento precisa de adoptar medidas de curto, médio e longo prazo que visem:
- assumir a valorização dos salários e dos direitos dos trabalhadores;
- combater o desemprego, designadamente pelo crescimento económico e pela promoção do emprego público, da limitação dos despedimentos, da valorização da contratação colectiva, da redução do horário de trabalho e combate à precariedade;
- substituir importações por produção nacional;
- combater os défices estruturais do País;
- enfrentar o problema da dívida pública pelo crescimento económico com a diminuição do seu peso relativo face ao PIB e apontando para a sua renegociação;
- assumir que o investimento público se deverá fixar num referencial não inferior a 5% do PIB (cerca de 10 mil milhões de euros por ano);
- construir infraestruturas que estão por concretizar há décadas, integradas numa estratégia nacional de desenvolvimento e obedecendo a critérios e instrumentos de planeamento que, entretanto, o Estado perdeu;
- inscrever uma resposta global aos problemas que se colocam no acesso à cultura, à prática desportiva, à justiça ou à segurança pública;
- colocar o equilíbrio ambiental, territorial e social como elementos indissociáveis para o desenvolvimento nacional e inseparáveis da política salarial, da distribuição da produção no território, da rede de serviços públicos e das vias de comunicação, transporte e logística.
Tais objectivos requerem opções políticas, orientações, programas e projectos muito diversos que não podem reduzir-se ao PRR e que devem mobilizar os vários instrumentos disponíveis - dos Orçamentos do Estado aos fundos comunitários (com os cerca de 60 mil milhões de euros que estão fixados para os próximos anos) -, sem esquecer a possibilidade do recurso ao financiamento externo, aproveitando as baixas taxas de juro.
A dimensão dos problemas com que o País se confronta exige uma adopção de objectivos, opções e critérios que, rompendo com os que têm marcado vida nacional e que estão na origem dos seus défices estruturais, assumam de forma determinada uma política alternativa, patriótica e de esquerda, que inscreva como objectivo central o desenvolvimento económico e social indispensáveis à elevação das condições de vida e de bem-estar do povo português, e a afirmação do direito soberano de decidir em função do interesse nacional.