Intervenção

Sobre o &#8220;pacote da descentralização&#8221;<br />Intervenção de Honório Novo

Senhor Presidente Senhores Membros do Governo Senhoras e Senhores Deputados

O chamado “pacote da descentralização” com que este Governo anda a acenar ao país vai quase fazer dois anos – desde o célebre Conselho de Ministros de Tomar – vai certamente passar à história como mais uma oportunidade perdida na tão necessária quanto urgente reorganização administrativa do território nacional.

O que seria desejável era dotar o País de uma estrutura criada com objectivos reais de desburocratização, de desenvolvimento económico e social, de combate às assimetrias regionais, visando assegurar uma verdadeira coesão interna!

O que seria desejável era estruturar uma organização administrativa que servisse aqueles objectivos segundo lógicas e critérios de racionalidade territorial, de afinidades e competências económicas, fazendo convergir a dimensão humana com a dimensão território e com a auto capacidade de gestão e de planeamento.

O que seria urgente era adaptar a estrutura desconcentrada do Estado com a nova organização administrativa, permitindo articulações funcionais e economias de escala, instrumentos determinantes para alcançar objectivos de desenvolvimento.

O que seria fundamental, era conferir atribuições e poderes específicos a essa nova estrutura administrativa, dotá-la de meios humanos e financeiros a partir de transferências do Poder Central feitas de forma transparente.

O que seria determinante, era conferir à nova organização administrativa órgãos legitimados democraticamente. Era introduzir a participação das populações, enfim da democracia, na composição dos órgãos de gestão das novas estruturas.

Senhor Presidente Senhores Membros do Governo Senhoras e Senhores Deputados

Como é bom de ver, o chamado pacote da descentralização do Governo PSD/CDS não é nada disto. O saldo traduz a ausência de clareza, a indefinição de objectivos, a superficialidade de processos.

O resultado final é uma espécie de “Portugal a retalho” que não constitui “a mãe de todas as reformas do território”, antes constitui mais um “passo em falso” na necessária descentralização.

Em vez de aproveitar os anos de experiência das Áreas Metropolitanas existentes, em vez de aprender com os erros, com os ensinamentos, com as reflexões de quase todos aqueles que por aí passaram, ou ainda aí estão, insiste se na manutenção de Áreas Metropolitanas onde não se estabelecem poderes específicos capazes de impor soluções próprias, onde se dá continuidade a uma total dependência financeira e funcional, e a uma absoluta subserviência tutelar relativamente ao Poder Central.

Em vez do “golpe de asa” da legitimação democrática, mantêm-se órgãos assentes em protagonismos estéreis e paralisantes, constituídos por processos indirectos que conduzem a situações onde cada um “puxa a brasa para a respectiva sardinha” e dão origem a entidades incapazes de se assumirem como verdadeiros “motores” do desenvolvimento territorial regional.

Em vez de ter aproveitado os projectos que existiam – designadamente o do PCP para conferir poderes e legitimação democrática às Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto – o Governo exporta para todo o país um modelo já ultrapassado. Sob a forma de Grandes Áreas Metropolitanas, de Comunidades Urbanas ou de Comunidades Intermunicipais. À vontade do freguês, como diria o Povo. É, no fundo, a promoção da confusão.

Para além da multiplicidade das formas e designações, sabe-se que são mais de 50 as competências transferíveis. Só não se sabe é quais são as atribuições específicas, o poder efectivo, os meios e recursos para lhes fazer frente.

Só não se sabe é com que critérios de amizade, ou de conveniência política ou partidária, é que serão estabelecidos os protocolos de contratualização entre o Poder Central e os órgãos de direcção das novas entidades.

Senhor Presidente Senhores Membros do Governo Senhoras e Senhores Deputados

É compreensível que muitos autarcas tenham acedido – perante a permanente insistência e alguma insinuação sobre eventuais prejuízos financeiros – a integrar as mais diversas entidades supramunicipais que o Governo criou para dar corpo ao seu “pacote de descentralização”.

Mas, ao contrário do que o Governo faz crer, isso não abona a favor do processo.

É que, na maior parte das vezes, o resultado final não é o produto de uma vontade vinda de “baixo para cima”, antes é o resultado daquela insistência, em alguns casos até da pressão governamental.

É que, na maior parte dos casos, o resultado final é muito mais determinado pela possibilidade de aceder a alguns eventuais meios financeiros adicionais, que produto de uma credibilização do processo ou consequência de uma genuína adesão às novas estruturas supramunicipais.

Como sempre dissemos, a nova estrutura, visou também dar resposta a certos compromissos políticos e partidários bem localizados, não sendo assim de espantar algumas soluções tão curiosas quanto irracionais (veja-se a título de exemplo os casos do Alto Minho), mas que traduzem fielmente muito da lógica do poder partidário que presidiu à definição territorial das novas entidades. Em vez da lógica do desenvolvimento, da participação e da descentralização, foi a lógica do exercício de poderes partidários que foi fazendo a sua lei.

Senhor Presidente Senhores Membros do Governo Senhoras e Senhores Deputados

Como é bom de ver, e ao contrário do que afirma o Governo, não será o resultado do chamado pacote de descentralização” do PSD/CDS, a permitir beneficiar as regiões e áreas menos favorecidas.

O resultado final mostra que o Governo busca sobretudo alijar responsabilidades, sempre e quando assim o entender sem abrir mão dos meios financeiros.

O resultado final mostra afinal quanto o Governo se serve também do pacote de descentralização para dar mais uma ajuda à contenção do deficit orçamental e ao cumprimento do PEC. O resultado final mostra também quanto as populações podem justificadamente recear pela criação de novas taxas e tarifas, isto é, pelo acréscimo de encargos fiscais para fazer face às competências que o Governo decida transferir sem os meios financeiros próprios para a respectiva resolução.

Senhor Presidente Senhores Membros do Governo Senhoras e Senhores Deputados

O Governo tem repetidamente afirmado que o seu pacote da descentralização visou “matar a regionalização”.

Bem está enganado o Governo.

A verdade é que a falência deste modelo e a irracionalidade dos resultados fizeram, pelo contrário, regressar à agenda política o tema da regionalização. Que, do ponto de vista da participação democrática, se imporá mesmo contra a vontade deste Governo!

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