Comunicado da Comissão Política do PCP
A Comissão Política do PCP, analisando os resultados do referendo realizado a 28 de Junho, considera oportuno salientar o seguinte:
1. Os resultados deste referendo, traduzindo uma vitória tangencial do Não por 50 mil votos, numa situação de equilíbrio entre o Não e o Sim, criam maiores dificuldades em enfrentar sem demoras o combate ao aborto clandestino e estimulam a intervenção dos partidos e das forças que o usaram como instrumento de obstrução a qualquer avanço legislativo nesta matéria.
No entanto, o PCP chama à atenção para que, os partidos que aprovaram a realização deste referendo e a sua lei orgânica - o PS, PSD e CDS-PP - acordando as condições em que o seu resultado seria vinculativo - exigência de participação de mais de 50% dos eleitores inscritos - não têm agora legitimidade para à luz destes resultados (participação de 31,4% dos eleitores) tentarem adiar definitivamente esta questão e contestar a capacidade da Assembleia da República para legislar sobre esta matéria.
2. É necessário recordar que o PS após a aprovação de um projecto-lei na Assembleia da República, não demorou vinte e quatro horas para fazer um negócio com o PSD impondo a realização do referendo, no qual não teve posição oficial primando pela ausência de intervenção junto do seu eleitorado a favor do Sim, postura política que culminou com a reafirmação da posição do seu Secretário-geral, Eng. António Guterres, pelo Não no último dia da campanha.
3. Após o resultado do referendo a posição assumida pelo PSD confirma que o seu verdadeiro papel é de tudo fazer para impedir a tomada de medidas para acabar com o aborto clandestino. As anunciadas iniciativas legislativas no domínio do planeamento familiar, após o referendo continuam a desviar as atenções sobre o que esteve em causa nesta consulta, procurando evidenciar um empenho nestas matérias, que o PSD não teve no governo no que respeitou à aplicação de uma lei de 1984 que previa a implementação do planeamento familiar nos centros de saúde e da educação sexual nas escolas.
4. O Presidente do CDS-PP omitindo descaradamente o seu apoio à realização do referendo veio questioná-lo considerando que o assunto não é preocupação central dos portugueses. As preocupações sociais enunciadas ficaram desmascaradas com a total ausência de sensibilidade para com o drama do aborto clandestino e as suas consequências para saúde de milhares de mulheres.
5. Embora tendo em conta naturalmente certas condicionantes políticas imediatas emergentes do resultado, e entre elas a apressada decisão do PS de congelar o processo legislativo antes iniciado na Assembleia da República, o PCP declara que não aceita que os partidos - PS, PSD, CDS-PP - que criaram na última revisão constitucional a distinção entre referendos com e sem efeito vinculativo venham agora decretar, na prática, a eficácia vinculativa de um referendo que em rigor a não teve.
O PCP não aceita que o País fique a par da Irlanda como um dos países com legislação mais retrógrada da Europa.
O PCP assinala ainda que o quase geral reconhecimento que a Assembleia da República recuperou a legitimidade de decidir sobre o curso deste processo legislativo, só pode significar que aquele órgão de soberania pode futuramente vir a legislar sobre a despenalização do aborto, sem o recurso a novo referendo.
Neste sentido, o PCP afirma que não abdica da intenção e do direito de, no momento e nas circunstâncias que considerar adequadas, retomar ou reapresentar iniciativas legislativas com vista a terminar com a obsoleta e injusta criminalização das mulheres que recorrem ao aborto.
6. A elevada abstenção verificada impõe uma reflexão de todas as forças políticas, mas não deixa de questionar, em primeiro lugar os partidos que impuseram este referendo e nada fizeram para mobilizar os seus eleitores para uma postura activa neste referendo, vindo, agora, alguns, cinicamente falar de divórcio entre a classe política e o povo.
7. O PCP foi o único entre os quatro principais partidos com representação parlamentar, que tendo estado contra a realização deste referendo, fez campanha pelo Sim à despenalização do aborto orgulhando-se da contribuição que deu para o esclarecimento aos eleitores sobre o que estava em causa com este referendo como se pode verificar com as altas votações pelo Sim alcançadas nas regiões de maior influencia eleitoral do PCP.
Como é óbvio a influência eleitoral do PCP não bastava só por si para garantir a vitória do Sim. Mas é politicamente incontornável que o PCP se bateu por uma causa que recolheu 49% dos votos expressos.
8. O resultado alcançado pelo Não, não é separável da persistente e deliberada mistificação que foi feita no sentido de convencer os eleitores de que o que estava em causa seria o Sim ou o Não ao aborto.
9. A Comissão Política do PCP sauda calorosamente todos os eleitores e eleitoras que com o seu voto pelo Sim à despenalização do aborto, quiseram abrir portas para que Portugal pudesse entrar no terceiro milénio com um quadro legal sobre o aborto mais civilizado e mais respeitados das convicções e escolhas das mulheres e dos casais.
O PCP saúda todos os seus militantes e organizações que em dois meses conceberam e deram vida a uma intensa e forte intervenção do PCP nesta batalha, bem como todos aqueles que, designadamente o Movimento Sim pela Tolerância que agregou os esforços de cidadãos dos quadrantes políticos mais diversos e que travaram um importante combate.
10. O PCP prosseguirá com empenho o combate por esta causa: o combate ao aborto clandestino e à criminalização da mulher, por medidas que garantam a existência de consultas de planeamento familiar em todos os centros de saúde com fornecimento gratuito dos métodos e pela protecção da maternidade-paternidade como função social.