Sobre o aumento do custo de vida

Com o início de um novo ano, no qual se assinalam legítimas expectativas do povo português num futuro melhor, é tempo de deitar contas à vida e ver o que de novo nos traz este ano de 2007.

Na opinião do PCP, sobram poucas razões para acalentar a não apenas desejada, mas também necessária, confiança neste novo ano, pois o conjunto de aumentos de preços anunciados e previstos já para este mês confirmam o sabor amargo da política de direita e o seu efeito destruidor das condições de vida de quem vive do seu salário, reforma ou pensão.

Um ano de 2007 que se inicia sobre o efeito acumulado do agravamento dos preços dos bens essenciais nos últimos 5 anos e que se tem traduzido numa perda progressiva do poder de compra, sobretudo dos que tem mais fracos rendimentos.

Feitas as contas, é na educação, na saúde, na habitação e nos transportes que o aumento de preços mais se tem feito sentir.

As despesas com educação aumentaram cerca de 38% para as famílias portuguesas nos últimos 5 anos, mais do dobro do que a inflação média. Só em 2006 essa subida foi de 5,5% para uma inflação média de 3,1%. A sua análise desagregada mostra que no ensino superior essa subida de preços foi de 56% de 2002 a 2006 e de 7,9% só em 2006 e no ensino primário e pré-primário para os mesmos períodos a subida foi de 31,4% e de 4,2% em 2006. Uma palavra ainda para dizer que, foram as despesas com refeições em cantinas aquelas que maior subida registaram nos últimos 5 anos, com 28,5% de aumento. Se tivermos em conta que, em grande medida, a educação se trata ainda de um sector essencialmente público, não restam dúvidas quanto à ideia de que a educação é um direito cada vez mais caro.

Na saúde embora esta classe em conjunto tenha tido ao longo dos últimos 5 anos, uma subida de preços inferior à inflação, a análise dos vários tipos de despesa que a integram mostra que os serviços ambulatórios e os serviços hospitalares, ultrapassaram em muito a variação da inflação. Os serviços hospitalares, certamente fruto da introdução das taxas moderadoras, subiram em 2006, 6%, o dobro da inflação e, nos últimos cinco anos, registaram um subida de 20,1%. Tal como na educação, estamos perante uma orientação estratégica de transferir para o utente os custos da prestação de um serviço a que constitucionalmente tem direito de forma gratuita.

Na habitação, estima-se também que o número de famílias com empréstimos à habitação, em vigor, ultrapasse hoje um milhão e trezentas mil famílias, ou seja mais de 35% das famílias portuguesas. Para todas estas famílias as constantes subidas das taxas de juro ocorridas ao longo do último ano – como resultado da sua indexação às taxas de juro da Euribor as quais tiveram 6 subidas desde Dezembro de 2005 –, têm sido fortemente penalizadoras.

A taxa de juro média do crédito à habitação que era em Novembro de 2005 de 3,6% é hoje de 4,6%, isto é, teve nos últimos 12 meses um agravamento de 26,5%. Por sua vez, a prestação total mensal média de todos os empréstimos à habitação que era de 272 euros em Novembro de 2005, passou para 305 euros em Novembro de 2006, sofrendo uma subida de 12%.

Mas se em vez de nos referirmos a todos os empréstimos, falarmos só dos empréstimos assinados nos últimos 12 meses esse agravamento foi de 19%.

Em síntese podemos dizer que para mais de 35% das famílias portuguesas, a taxa de juro do seu empréstimo à habitação teve um agravamento de 26,5% no último ano e a sua prestação da casa uma subida média de 12%, isto é cerca de 4 vezes a inflação média no ano.

Para os casais que tiveram de adquirir casa no último ano, fundamentalmente casais jovens, o agravamento da sua prestação mensal foi de 19%.

Nos transportes, fruto das subidas dos combustíveis – 47% nos últimos 5 anos – o preço dos transportes, individual e colectivo, evoluiu a um ritmo muito superior à inflação. Em conjunto esta classe teve uma subida de 26,9% de 2002 a 2006 e só em 2006, os transportes subiram 5,8%. Os transportes públicos tiveram de acordo com o IPC uma subida de 7,7% em 2006 e os combustíveis subiram 12% neste mesmo ano.

Ao longo dos últimos anos, em que o PS assegurou, e em muitas matérias agravou, a política de direita desenvolvida pela coligação PSD/CDS-PP, a subida dos preços dos bens essenciais constituiu um factor de agravamento das condições de vida dos trabalhadores e do povo português, com reflexos no acesso à saúde e à educação, mas também na crescente dependência face à banca, num quadro geral que favorece a exclusão e a marginalização social, atingindo de forma mais expressiva os trabalhadores por conta de outrem, os desempregados, os reformados e os pensionistas.

Os aumentos que aqui denunciamos, embora contribuindo para o apuramento da evolução do índice de preços, situaram-se, em média, bastante acima do valor da inflação. Índice de preços que (e permitam-me aqui um parênteses), está longe de reflectir de forma igual o impacto da sua actualização nas diferentes camadas e classes sociais, uma vez que, mete para o mesmo saco – apesar de ponderações diferentes – produtos e serviços que são claramente de primeira necessidade e outros a que a bolsa de quem tem mais fracos rendimentos dificilmente chega .

Aliás, torna-se já num truque recorrente a utilização dos valores estimados de inflação. Isto é, por norma, o  Governo utiliza uma estimativa de inflação muito abaixo da perspectiva real do seu crescimento, para desta forma limitar a subida dos salários, reformas e pensões. Ano após ano, verifica-se à posteriori que esse valor é errado (pecando sempre por defeito). Para 2007 o truque é exactamente o mesmo. Para o PCP e com certeza para o povo português era importante saber se o  Governo mantém os inacreditáveis 2,1% da taxa de inflação prevista para 2007, ou se vai acontecer como no ano que findou com o  Governo a manter a taxa inflação nos 2,5%, apesar de o INE a ter actualizado em 3% e todos os portugueses sentirem que o real aumento do custo de vida esteve bem acima destes 3%.

2007 começa mal para quem vive do seu salário, das suas pensões e reformas!

Contrariando o tom e o espírito da mensagem que o Primeiro-Ministro dirigiu neste Natal aos portugueses, aí está a dura realidade para demonstrar o contrário. José Sócrates está com muita atenção às medições do INE sobre o clima de confiança e ufana-se e empolga-se com a perspectiva do clima de confiança estar a subir, mas já não parece estar tão preocupado quando esse mesmo INE revela que no último trimestre o rendimento disponível dos portugueses voltou a cair, anunciando que a crise para quem trabalha continua, essa sim, em alta. Como também não reparou ou fez que não viu que o poder de compra dos portugueses está agora 30% abaixo da média europeia, como o confirmam as estatísticas oficiais e que a perspectiva é a da sua contínua degradação.

Neste mês de Janeiro, surgem por atacado, e que ninguém julgue que alguns destes ficarão por aqui, um novo pacote de aumentos que a todos os níveis é preocupante. Desde logo os 20% de agravamento do preço do pão. Não se trata apenas do efeito simbólico a que o pão está associado, mas sim, a percepção real de que o pão é, ainda hoje, a base da alimentação de muitos portugueses.

O aumento de 6% do custo da electricidade para os consumidores domésticos. Situação que é tanto mais escandalosa quando se sabe que nestes últimos quatro anos a EDP teve mais de 2 000 milhões euros de lucro. Elevados lucros contudo, que estão sempre garantidos e aos quais se acrescenta a inadmissível e inaceitável vantagem de apenas pagar uma taxa efectiva de IRC de cerca de 12,4% ,isto é, metade do que paga qualquer pequeno e médio empresário nas suas actividades. Pequenos e médios empresários também flagelados por estes aumentos das tarifas de electricidade.

Os 3,1% de aumento das rendas, aos quais há que juntar a imprevisibilidade dos aumentos das taxas de juro no crédito à habitação, que assumem uma expressão cada vez mais significativa no orçamento familiar.

Na saúde, os portugueses podem contar com as novas taxas moderadoras para internamentos e cirurgias que irão variar entre 5 e 10€, às quais há que acrescentar uma significativa redução na comparticipação dos medicamentos entre 1 e 5%. Será pois de esperar que os custos com a saúde aumentem na exacta medida dos lucros dos interesses privados nesta área.

Nos transportes, segundo alguma imprensa, os aumentos poderão atingir 7%, mas também assistiremos a aumentos no preço das portagens, dos combustíveis e da água.

Bem pode o Governo clamar que são inevitabilidades do mercado. Mas a verdade é que os aumentos na saúde, na educação, na água, nos transportes públicos e no pão, entre outros, dependem directamente das opção e das medidas do Governo.

Para o PCP, estes aumentos confirmam a nossa análise quanto ao carácter profundamente anti-social e anti-popular da política do Governo PS do Eng.º Sócrates. Sobretudo se tivermos em conta que os aumentos salariais na Função Pública não ultrapassarão os 1,5% (sendo que 0,5 são retidos para a ADSE), no sector privado os 2,8% e mesmo o aumento do Salário Mínimo Nacional de 4,4% – que consideramos positivo embora insatisfatório – apenas abrange 5,5% dos trabalhadores. Significa isto, que para milhões de trabalhadores, reformados e pensionistas o ano se inicia com profundas angústias e inquietações.

E, apesar do silêncio geral, sublinhe-se que rapidamente e em força o Governo fez aprovar uma nova Lei de Bases de Segurança Social que entra agora em vigor em 2007 que em síntese visa baixar o valor das pensões através duma nova fórmula de cálculo, enxerta o chamado factor de sustentabilidade que obrigará a descontar mais ou a trabalhar para além dos 65 anos, aperta mais as regras do subsídio de desemprego e da pensão de sobrevivência e põe a pagar mais os chamados trabalhadores independentes na sua maioria empurrados para este vínculo.

A confiança de que o primeiro-ministro Sócrates falava no Natal não era a do povo português. Era a dos grandes grupos económicos e financeiros.

O PCP reclama da parte do Governo uma outra atitude e uma outra política. Uma outra atitude que ponha de lado os “fogachos” de propaganda e que olhe para o país real, tal como ele é. E uma outra política que olhando efectivamente para quem precisa, e quem vive do seu trabalho e da sua reforma, mais do que a promoção da “caridadezinha”, inverta o ciclo cada vez mais desigual dos rendimentos e limite a escalada da subida de preços de bens essenciais a que temos assistido. É possível, se lutarmos por isso! Não podemos conformar-nos com o que nos dizem “ser habitual” e “normal”, aquilo que é politicamente inaceitável e socialmente injusto!