Áudio
O PCP, passada que está a espuma noticiosa relativa a práticas ilícitas ligadas com o reequipamento das Forças Armadas e ao aparente pântano em que caiu o apuramento de responsabilidades do negócio dos submarinos e das contrapartidas, bem como, nesse quadro, o surgimento de posicionamentos partidários (PS, PSD e CDS-PP) tendentes ao alijar de responsabilidades, coloca uma vez mais algumas questões relativas aos negócios de aquisição de equipamento militar e respectivas contrapartidas, numa abordagem que vai para além do processo dos submarinos.
O PCP, numa conferência de imprensa em Abril de 2007 , denunciou «o nebuloso negócio que envolve a manutenção dos helicópteros EH101», alertando: «a AWIL Portugal ficará alojada na Base Aérea do Montijo e, depois de um primeiro contrato de seis meses, ficará definitivamente a fazer a manutenção da frota de helicópteros. O que levou o Governo, que detém 35% do capital das OGMA, a preterir esta empresa e a instalar no País uma concorrente na área da manutenção de hélios?».
De novo, chamou a atenção para o assunto e, numa conferência de imprensa em Março de 2008 , sobre o negócio dos helicópteros afirmou: «Estranhamente, quando do processo de aquisição dos helicópteros EH101 à Augusta-Westland este não contemplava a manutenção dos mesmos. Entretanto, o Governo alimentou publicamente a possibilidade de escolha das OGMA, quando já tinha no bolso um dispendioso contrato com a Augusta-Westland, com a criação da "Augusta Portugal", empresa que ficará a fazer a manutenção dos EH»; e sobre o negócio dos submarinos questionou: «importa igualmente que o Governo clarifique detalhadamente qual é a real situação dos submarinos e como se efectuará o seu pagamento, tendo em conta o relatório do Tribunal de Contas de 2006 que critica as opções leasing pelos elevados custos que implicam para o país e sugere que as justificações então apresentadas para alguns dos contratos, não são suficientemente credíveis. Ou seja, opta o Governo pelo sistema leasing, privilegiando os lucros da banca e penalizando enormemente o erário público ou opta por outro sistema? Existem ou não contrapartidas e quais são? Existe ou não contrato de manutenção e qual o valor desse contrato?
Perante estas duas conferências de imprensa, que não tiveram eco no geral da comunicação social, ninguém pestanejou. Percebe-se porquê, os negócios ainda não estavam concluídos nem consolidados! Aliás, sublinhe-se a afirmação feita recentemente pelo actual Ministro da Defesa Nacional de que os interesses do Estado português não teriam sido bem defendidos. Surpreendente! Só agora é que o PS e o MDN se deram conta desta questão? E os Ministros da Defesa do anterior governo PS, porque nada disseram? Que justificação têm o PS e o Governo para só agora fazerem esta denúncia? Quem é que não defendeu o interesse nacional e porquê?
Em relação a outras questões que queremos colocar, a primeira prende-se com as contrapartidas, cujo objectivo era o de criar uma verdadeira base industrial e tecnológica que permitisse desenvolver a Indústria de Defesa Nacional mas que se revelou uma opção fracassada para o nosso País.
Ora acontece que este objectivo não podia nem pode ser atingido a qualquer preço e, por isso, importa saber:
- quanto teriam custado ao Estado português os helicópteros EH101 e os submarinos, sem contrapartidas?
- porque se insistiu em fazer o negócio dos submarinos com contrapartidas quando a experiência anterior, com os EH101, não estava a correr bem?
Uma segunda questão a exigir esclarecimento prende-se com o nebuloso papel da empresa Inteli, contratada para prestar assessoria técnica à Comissão Permanente de Contrapartidas. A Inteli, numa primeira fase, promoveu e apoiou empresas para se candidatarem a projectos de contrapartidas e, numa segunda fase, avaliou e valorizou essas mesmas empresas! Uma situação mais do que duvidosa se tivermos em conta que, por exemplo, a CEIIA, entidade que detém 25% do capital da Inteli, foi uma das beneficiárias num dos projectos de contrapartidas dos helicópteros EH101.
Uma terceira questão, prende-se com o contrato de manutenção dos EH101 e o esclarecimento das nebulosas que pairam sobre este contrato, por exemplo, no que se refere ao pagamento das horas de voo estabelecido neste contrato e que serão cerca de 5 vezes mais do que o valor contido na proposta para a adjudicação; à indemnização que a Augusta Westland Portugal teria de pagar em caso de incumprimento na manutenção das aeronaves, uma verba irrisória e que corresponderá a cerca de 5% do que a empresa recebe por ano!
A manutenção dos EH101 foi contratualizada com a Augusta Westland Internacional (AWI) que subcontratou a Augusta Westland Portugal (AWP), empresa subsidiária e cuja constituição corresponde a cerca de 50% das contrapartidas. Um negócio chorudo, sem dúvida!
Senão vejamos: do total das contrapartidas que teria de pagar, a AWI investiu 50% na constituição da sua nova empresa, a AWP, a quem subcontratou a manutenção dos EH101, por cinco anos, num valor estimado em 60 milhões de euros. Esta empresa, a AWP (com escritório em Lisboa) opera na Base Aérea do Montijo, uma infra-estrutura da da Força Aérea Portuguesa e, entretanto, subcontratou as OGMA para fazer a manutenção das aeronaves, por uma verba correspondente a menos de 10% do valor que recebe do Governo.
Dois anos depois da assinatura deste contrato, como é do domínio público, é débil a situação operacional das novas aeronaves, incluindo o processo de canibalização de helicópteros, o que obrigou a Força Aérea a reactivar os "velhos" helicópteros Puma, que já se encontravam desactivados, sem que o Governo tivesse accionado qualquer mecanismo que obrigasse a Augusta Westland a ressarcir o Estado dos prejuízos desta situação. Aliás, não fosse a opção por este sistema de leasing e a Força Aérea podia fazer, tal como fez durante um largo período, a manutenção dos EH101, apoiada em empresas nacionais.
O PCP, face a estas situações, vai:
- exigir ao Governo e ao MDN o acesso ao contrato de manutenção dos helicópteros EH101.
- Esclarecer se este contrato teve o visto do Tribunal de Contas.
Ao contrário do que se procura fazer crer, o problema das contrapartidas é uma questão estrutural e não apenas deste ou daquele programa, como é o caso das viaturas blindadas para o Exército cujo projecto, como se sabe, começou mas não se sabe como vai acabar.
Há alternativa a este processo de contrapartidas, de que os únicos beneficiários foram as empresas estrangeiras, a banca e outras entidades colectivas e singulares que directa ou indirectamente intervieram nos negócios e com eles lucraram, em muitos casos com empresas a ganharem concursos na base de projectos de contratos sobreavaliados e sem perspectiva de concretização.
Trata-se de utilizar a aquisição de equipamento militar como instrumento político e económico para o desenvolvimento da nossa Indústria de Defesa, através de negócios de compra que envolvam projectos de fabrico e (ou) manutenção que permitam também desenvolver não só outros sectores da indústria, mas também a economia nacional.
Como o PCP já teve oportunidade de referir, a análise à situação concreta do reequipamento militar e às contrapartidas, não só deve ser efectuado como deve ser abrangente, envolvendo todos os programas. É do interesse nacional que tudo seja apurado, esclarecido, clarificado.
Uma Lei de Programação Militar, como PCP de há muito refere, não é nem pode ser um exercício de voluntarismo, mas antes um exercício sério de definição do nível de prioridade que assume a componente militar de Defesa Nacional e das respectivas prioridades de investimento. Neste processo há opções a fazer. E nessas opções volumes financeiros envolvidos para os quais há que ter em conta como os conseguir, tendo a presente a situação económica-financeira do país e o interesse nacional. Daí que o historial das Leis de Programação Militar possa ser caracterizado como de pseudo-programas com pseudo-valores, programas e valores que logo são alterados na revisão seguinte da lei que, por sua vez, cativa logo à partida uma larga percentagem, enfim, uma vergonha! Por outro lado, as opções sempre justificadas com o interesse nacional, escondem o real interesse dos compromissos internacionais. É assim que programas de alto interesse nacional marcam passo, enquanto os outros avançam com grande velocidade.
Aguardamos, pois, com expectativa, o início do processo de revisão da Lei de Programação Militar em vigor.