No dia 9 de Novembro de 2024 atracou, no porto de Lisboa, o navio Nysted MAERSK (IMO: 9220897). De acordo com organizações internacionais e movimentos de solidariedade com o povo palestino em Portugal, este navio está envolvido no transporte de armas e munições, designadamente com origem nos EUA, para o exército de Israel, tendo, nos últimos meses, realizado cerca de 4 centenas de missões dessa natureza. Terá sido aliás essa razão que levou as autoridades do Estado Espanhol a impedir a acostagem do navio em Algeciras, razão próxima para a sua passagem por Lisboa. É sabido que, depois de Lisboa, o navio se dirige para Tânger, prosseguindo a rota para leste em direcção a Israel.
Em comunicado divulgado nesse mesmo dia, o Governo Português justificou a autorização dada para a acostagem do navio com o facto de não transportar “qualquer carga militar, armamento ou explosivos”. Nesse comunicado descreve-se circunstanciadamente a carga do navio descarregada no porto de Lisboa, somando no total 144 contentores. Acrescenta-se ainda que o navio transporta “três contentores com componentes de aviões (peças de asas) com destino aos EUA”.
O esclarecimento prestado pelo Governo, pese embora o seu aparente detalhe, deixa vários problemas sem resposta. Desde logo, a razão pela qual o navio foi impedido de acostar no porto espanhol de Algeciras. Em segundo lugar, a rota subsequente do navio. Se for verdade que o navio se prepara para carregar material militar com destino a Israel, a descarga em Lisboa afigura-se como uma operação indispensável, permitindo libertar o navio para o transporte de armas e munições. Por fim, a origem dos três contentores com material aeronáutico a bordo do navio e alegadamente com destino aos EUA, sendo certo, como o comunicado do Governo reconhece, que o navio esteve no porto de Haifa no dia 25 de Outubro.
O Tribunal Internacional de Justiça considerou plausível a prática do crime de genocídio por Israel em Gaza, tendo, a 26 de Janeiro e a 28 de Março de 2024 determinado a aplicação de medidas provisórias de aplicação obrigatória por todas as partes envolvidas. Mais recentemente, a Assembleia Geral da ONU, seguindo um parecer emitido pelo mesmo Tribunal, aprovou uma resolução considerando ilegal a ocupação dos territórios palestinos tomados em 1967 e instando os estados a assumirem as suas responsabilidades, designadamente, abstendo-se que qualquer medida ou iniciativa que contribua para o prolongamento daquela ocupação.
Ou seja, a extrema gravidade da situação que se vive nos territórios palestinos ocupados, com particular incidência na faixa de Gaza, e as obrigações internacionais que daí decorrem impõem cuidados adicionais a todos os estados, desde logo a Portugal, de maneira a impedir que o país seja de alguma maneira envolvido na prática dos crimes de guerra e dos crimes contra a humanidade levados a cabo por Israel. A autorização para a acostagem ao navio Nysted Maersk em portos portugueses que foi dada pelo Governo Português, com o histórico conhecido de envolvimento deste navio na assistência militar a Israel a par com as dúvidas que permanecem sobre esta missão em concreto, sugerem que a necessidade de tais cuidados não está ser considerada. O que é ainda mais de estranhar depois do ocorrido com o navio Kathrin que circulou com bandeira portuguesa, situação que tendo sido denunciada pelas mesmas organizações internacionais e movimentos de solidariedade em Portugal com a causa palestina, o Governo começou por negar e desvalorizar.
Assim ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis, solicita-se ao Governo que por intermédio do Ministério dos Negócios Estrangeiros, nos sejam prestados os seguintes esclarecimentos:
1. Que diligências em concreto e que entidades foram consultadas no processo de averiguações que conduziram à autorização de acostagem dada ao navio Nysted Maersk?
2. Em algum momento, nesse processo, o Governo Português procurou obter junto do Governo de Espanha informações sobre as razões para a proibição da acostagem do navio no porto de Algeciras?
3. Confirmando-se que os contentores com material aeronáutico transportados a bordo do navio Nysted Maersk se destinam aos EUA, está o Governo em condições de garantir que eles não têm origem em Israel?
4. Não entende o Governo que a natureza da operação militar que Israel leva a cabo nos territórios palestinos ocupados em 1967 e as decisões de direito internacional sobre ela já produzidas justificam a aplicação de procedimentos de averiguação excepcionais e a tomada de medidas adicionais no sentido de impedir que Portugal se torne de alguma forma, directa ou indirectamente, cúmplice dos crimes praticados por Israel?
5. Em caso afirmativo que medidas ou procedimentos adicionais foram ou vão ser aplicados?