Intervenção de

Sobre os direitos dos trabalhadores e a legislação laboral - Intervenção de Francisco Lopes na AR

Debate de urgência sobre direitos dos trabalhadores e as perspectivas do Governo em matéria de legislação  laboral

 

Sr. Presidente,
Srs membros do Governo,
Senhores deputados,

Deste Governo já se espera tudo, mas ainda assim continua a surpreender pela negativa. Com o relatório dito de progresso da Comissão do Livro Branco para as Relações Laborais o Governo PS faz uma autêntica declaração de guerra aos trabalhadores portugueses.

O Governo quer a facilitação dos despedimentos individuais sem justa causa, considerando justa causa aquilo que nunca o pode ser. Ao mesmo tempo quer acelerar os processos instituindo um género de despedimento na hora e criar condições para que, mesmo que o trabalhador ganhe o processo, não tenha possibilidades de reintegração.

Como se não tivéssemos já precariedade suficiente quer agora colocar todos os trabalhadores em situação de vínculos precários.

O Governo atinge as condições de trabalho visando a sua desregulamentação e fixação arbitrária pelas entidades patronais instituindo uma autêntica lei da selva nas relações de trabalho.

Com a proposta de eliminação do conceito de horário diário de oito horas e a avaliação do horário apenas no plano semanal e anual, um trabalhador poderia ter que estar disponível a trabalhar para a empresa 24 horas diárias, com intervalos de duração entre meia hora e duas horas, a fazer de cinco em cinco horas, podendo uma parte desse tempo nem sequer ser pago. Se tal ideia fosse para diante, passaria a ser legal a situação do trabalhador como autêntico escravo sem vida pessoal ou familiar.

Por outro lado, o Governo quer abrir a possibilidade de redução dos salários, numa linha de agravamento da exploração do trabalho que passa igualmente pela redução do subsídio de férias e de Natal e pelo alargamento do número de horas extraordinárias, acabando com a sua remuneração, orientação que contribuiria também para reduzir o número de postos de trabalho e aumentar o desemprego.

O Governo promove a fragilização da contratação colectiva. Quer manter e mesmo acelerar os processos de caducidade dos contratos e pretende diminuir os direitos garantidos aos trabalhadores caso esta se verifique. Quanto ao principio do tratamento mais favorável que foi violado pelo Código do Trabalho quando prevê a possibilidade de na contratação colectiva haver condições abaixo da lei, não só não altera essa situação como abre a possibilidade de no âmbito do contrato individual de trabalho se poderem estabelecer condições piores que as definidas na contratação colectiva.

O Governo ataca os sindicatos e a organização dos trabalhadores em geral. Quer diminuir o número de dirigentes que podem recorrer ao tempo previsto de quatro dias mensais. Quer desagregar a organização sindical, pôr em causa os próprios sindicatos como associações e afectar a sua ligação à organização sindical na base, apontando para acabar a possibilidade de os filiados dum sindicato elegerem os delegados sindicais do respectivo sindicato. Quer dificultar ou mesmo impedir a realização de reuniões e plenários de trabalhadores no local de trabalho estabelecendo a confusão sobre o accionamento dos créditos de horas para o efeito. Quer promover a desresponsabilização do Estado em matéria de justiça laboral, mantendo e agravando a situação do impedimento prático do recurso à justiça para uma grande parte dos trabalhadores e a situação de ineficácia da inspecção de trabalho.

É a flexigurança à portuguesa e é mau de mais.

Diz o Governo que se trata de um relatório intercalar, a que seguirá um relatório final, uma fase de discussão na concertação social e depois a discussão na Assembleia da República e que o Governo ainda não se pronunciou.

Conversa fiada. Na realidade trata-se de uma Comissão nomeada pelo Governo, de um relatório encomendado pelo Governo, de conclusões acompanhadas pelo Governo, publicadas com o acordo do Governo com a data que este combinou e que por isso responsabilizam inteiramente o Governo.

Independentemente do que vier a acontecer, uma coisa está clara: o Governo PS tem como opção piorar o Código do Trabalho.

Sabemos que o conteúdo provocatório das propostas não lhes dá nenhuma hipótese de irem diante. Já muitos tentaram antes e foram derrotados. É um programa máximo, para fazer passar um programa mínimo que seria sempre intolerável.

Não é aceitável o caminho de mais flexibilidade, precariedade, insegurança, desemprego, degradação das condições de vida, fragilização da contratação colectiva e limitação dos direitos democráticos e da organização dos trabalhadores.

É um caminho inaceitável e ilegítimo.

Quando da discussão do Código do Trabalho o PS e o actual ministro do Trabalho enquanto deputado do PS caracterizaram-no e assumiram compromissos.

O então deputado Vieira da Silva manifestou a preocupação que o Código "desloque a favor das entidades patronais o frágil equilíbrio das relações de trabalho, nomeadamente por obrigar", "os sindicatos a negociar em situação de necessidade". No Programa Eleitoral para as eleições legislativas de 2005 o PS compromete-se a alterar o Código, fazendo referência às propostas que apresentou quando da sua discussão. Assumiu assim o compromisso da alteração de alguns dos seus aspectos mais negativos.

Agora, a orientação do relatório é a oposta e também por isso é inaceitável e ilegítima.

Sr. Presidente
Senhores Membros do Governo
Senhores deputados

Após milénios de exploração do trabalho para além das possibilidades humanas, sem limite e sem horário, a luta de milhões de trabalhadores, que tem como momentos significativos a jornada de 1 de Maio de 1886 em Chicago e a primavera de 1962 nos campos do sul de Portugal, acabou por impor esse grande avanço social e civilizacional que constituiu o horário de trabalho diário das oito horas.

Em 2007, 120 anos após esse dia 1 de Maio, 45 anos após essa primavera de 1962, um Governo do PS procura inverter a marcha da história e promover o regresso aos tempos de ignominia, à legitimação do trabalhador como máquina, a uma certa ideia de competitividade, que em outras épocas tudo justificou. Tal como hoje, quando a competitividade é invocada como princípio dos princípios a que tudo se deve sacrificar, também nesse tempo a eficácia, a sociedade e o mundo não podiam existir sem a escravatura. É essa concepção retrógrada, de regresso ao passado que o PS agora promove com as propostas sobre a legislação laboral.

Uma concepção e propostas a derrotar. A Greve Geral de 30 de Maio, a grande manifestação de 5 de Julho em Guimarães, a luta dos trabalhadores da Administração Pública e de tantos outros mostram a realidade de um descontentamento que se afirma, de um protesto que se reforça para travar o retrocesso, de uma exigência que cresce para garantir o caminho de justiça social e desenvolvimento que Portugal precisa.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social,

Há duas formas de encarar a realidade do mundo do trabalho e das relações laborais e de conceber o futuro.

Uma, que é a concepção do PCP e consagrada, aliás, na Constituição da República, assenta numa perspectiva de progresso civilizacional dos direitos dos trabalhadores e dos direitos sociais; a outra, que é a concepção do Governo, assenta na ideia de regresso ao passado, retrógrada, de «saltar» o século XX e regressar aos tempos anteriores à legislação do trabalho e ao Direito do Trabalho.

Esta é a realidade, é isto que nos diferencia e que está aqui em discussão hoje, com a questão do Código do Trabalho e as alterações que estão em causa.

Esperava-se que o Sr. Ministro viesse clarificar alguma coisa, mas, afinal, sobre a questão essencial do conteúdo das alterações não disse nada, não clarificou nada.

E, como não o fez, então temos de tirar a conclusão de que o Governo assume, no essencial, o rumo que está indicado na Comissão do Livro Branco das Relações Laborais.

Isto é, se lhe permitirem, o Governo poderá aplicar o programa máximo que agora anuncia para ver qual é a reacção que suscita. Estamos convencidos de que não vai poder fazê-lo, e não vai poder porque na sociedade portuguesa há forças capazes, tanto os trabalhadores como as suas organizações, para impedir que tal suceda.

Em Novembro, teremos cá o Governo a dizer uma coisa diferente e, depois, o resultado também será diferente, não por opção do Governo mas por opção da dinâmica da sociedade portuguesa, da acção dos trabalhadores.

É necessário, Sr. Ministro, que clarifique um pouco mais, que vá mais ao fundo das questões, que não fique neste exercício aleatório, virtual, sem fazer uma abordagem concreta da realidade do que estamos aqui a discutir.

É, pois, necessário que responda, claramente, às seguintes questões: é o não orientação e opção do Governo considerar nas alterações ao Código do Trabalho a possibilidade de diminuição dos salários reais, do subsídio de férias e do subsídio de Natal? É ou não orientação e opção do Governo apontar para o fim do conceito do horário de trabalho das oito horas diárias? É ou não orientação e opção do Governo abrir a possibilidade de facilitar os despedimentos individuais sem justa causa, numa falsa resposta à precariedade, uma vez que tal coloca todos os trabalhadores em situação precária?

É ou não opção e orientação do Governo, ao contrário do que se comprometeu, fragilizar ainda mais a contratação colectiva? Por exemplo, o princípio do tratamento mais favorável, que foi uma das propostas apresentadas pelo Partido Socialista aquando da discussão do Código do Trabalho, vai ser alterado?

Ele vai manter-se ou vai agravar-se ainda, como está indicado no Código?

É opção e orientação do Governo seguir a linha de fragilização da organização sindical, limitando o espaço de intervenção democrática e os direitos consagrados na Constituição?

Estas são algumas questões concretas que precisam de resposta.

Espero que o Sr. Ministro a dê, porque é isso que importa hoje em termos de esclarecimento da Assembleia da República e dos trabalhadores.

 

 

 

 

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