Intervenção de

Sobre os direitos dos trabalhadores e a legislação laboral - Intervenção de Bernardino Soares na AR

Debate de urgência sobre direitos dos trabalhadores e as perspectivas do Governo em matéria de legislação  laboral

 

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:

O Governo teria preferido que este debate não acontecesse. Não teria, assim, que ser  confrontado com as propostas da Comissão do Livro Branco.

O Governo utiliza a velha técnica de criar como batedores para as suas decisões comissões supostamente independentes e relatórios pretensamente técnicos. É ver o caso do Ministério da Saúde, que lançou um relatório sobre o encerramento das urgências no nosso país e que, depois, o Governo veio concretizar na realidade.

O Governo neste debate foi instado a pronunciar-se, no concreto, sobre as gravíssimas opções propostas no relatório e, num total desrespeito pela Assembleia da República, não respondeu às questões concretas.

O embaraço que o Ministro dos Assuntos Parlamentares atribuiu ao PCP está no Governo!

É o embaraço de quem traiu os seus compromissos com os trabalhadores, quando estava na oposição.

O Governo acusa o PCP de imobilismo com a habitual caricatura de que o PCP defende o que está atrás e que contestou. Não, Srs. Membros Ministros! No PCP, ninguém passou a defender o Código do Trabalho; quem passou a defendê-lo foi o Sr. Ministro do Trabalho e o seu Governo.

Foi o PCP quem apresentou um projecto de lei, nesta Assembleia, de alteração completa do Código do Trabalho, e o Governo e o PS só apresentam o agravamento do que já está previsto no Código do Trabalho.

De facto, na nossa posição, há algum imobilismo: antes das eleições, éramos contra o Código do Trabalho; depois das eleições, continuamos a ser contra o Código do Trabalho e somos também contra o seu aprofundamento que o Governo PS agora quer.

O Governo, o PS e o Ministro Vieira da Silva, de facto, não são imobilistas. De facto, as posições do PS nunca ficam imóveis quando passam da oposição ao Governo. Mudam sempre e mudam muito!

A coragem reformista de que o Governo fala é apenas a versão travestida da desregulação e liberalização da legislação laboral. É a retórica de um Governo ao serviço das orientações neoliberais e anti-sociais. Já todos percebemos que o Ministro Vieira da Silva é um digno sucessor de Bagão Félix e do seu Código do Trabalho!

O problema do desenvolvimento económico e da produtividade não tem a solução na desregulamentação da legislação laboral mas na qualificação, na formação dos empresários, na incorporação de mais-valias tecnológicas e de modernização. Aliás, o Código do Trabalho da direita e de Bagão Félix não trouxe, por si mesmo, qualquer aumento da produtividade, como prometia a direita quando o aprovou.

O que houve nos últimos meses e anos foi um enorme aumento da precariedade: contratos a prazo e trabalhadores a recibo verde são já hoje cerca de 1,5 milhões.

Com as propostas do Livro Branco e do Governo acrescenta-se, agora, a possibilidade de despedir à vontade, usando uma ambígua e vaga razão de inadaptação.

O Governo citou disposições de contratos colectivos assinados na vigência do Código do Trabalho que instituiu um mecanismo de chantagem sobre a contratação colectiva, que, antes, o PS criticava mas que agora usa como argumento para justificar a aceleração que propõe para a degradação da contratação colectiva.

O Ministro Vieira da Silva afirmou - com desplante, é preciso dizê-lo - que o Governo procedeu «ao alargamento da cobertura do subsídio de desemprego».

Srs. Deputados, só se for um «alargamento para dentro», porque o que temos é cada vez mais desempregados e cada vez mais desempregados sem subsídio de desemprego no nosso país.

A retórica do PS diz que só haverá flexibilidade depois de haver segurança; o Governo destrói a segurança e prepara o caminho para uma maior flexibilidade.

Para este Governo, tal como para o anterior, a produtividade só se faz à conta de baixos salários e menores direitos.

A legislação laboral para o PS não tem de se preocupar com os trabalhadores, só tem de se preocupar com o mercado!

Na concepção do Governo, o direito do trabalho deve ser equitativo: não proteger a parte mais fraca - como manda a Constituição, não é como diz o PCP - , mas colocar-se numa posição equidistante, deixando as mãos livres à parte que «tem a faca e o queijo na mão», que é o patronato e são os grupos económicos no nosso país.

O Governo terá combate a esta política, o mesmo combate que arrancou um aumento do salário mínimo nacional que, um ano antes, o Primeiro-Ministro considerava irrealista, o mesmo combate que derrotará esta nova ofensiva contra os direitos dos trabalhadores.

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