Intervenção de

Sobre desregulação das relações laborais

 

Declaração política alertando para o aumento de situações de violação de direitos dos trabalhadores e da falta de fiscalização pela Autoridade para as Condições do Trabalho

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Com os elevadíssimos níveis de desemprego e o cenário de crise económica nacional e internacional, estão criadas as condições para instalar a «lei da selva» nas relações laborais. Nesta «lei da selva» vale tudo.

Os despedimentos colectivos dispararam, muitas empresas deixaram de pagar salários, há empresas que encerram de um dia para o outro, disparou o número de empresas que recorrem à suspensão dos contratos de trabalho, os despedimentos ilegais e arbitrários aumentaram e, entre muitos outros atropelos à lei, a imposição de horários de trabalho desumanos não pára de aumentar. Nesta «lei da selva», muitos patrões usam e abusam do factor desemprego. Recorrentemente utilizam o elevado número de desempregados para impor a exploração e ameaçam com o desemprego para impor a ilegalidade. Hoje, é mais claro do que nunca, que muitas empresas que começaram a desregulamentar as relações laborais, mesmo antes do novo Código de Trabalho entrar em vigor, receberam esta retrógrada legislação laboral do PS de «braços abertos» e viram-na como um incentivo para ir mais longe nas arbitrariedades, na desregulamentação das relações laborais e para aumentar a precariedade e a exploração dos trabalhadores.

Hoje reafirmamos, com particular actualidade, que o nosso país não precisa deste Código do Trabalho da exploração, que apenas acrescenta mais crise à crise e que é um instrumento para atacar ainda mais os trabalhadores. Hoje, mais do que nunca, importa reafirmar a necessidade de revogar os aspectos mais gravosos do actual Código, como propõe o PCP.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Centenas de empresas estão a utilizar os despedimentos colectivos para, abusivamente, despedir utilizando a crise para os justificar. Empresas e sectores que tiveram lucros avultados não têm vergonha em utilizar resultados menos positivos para despedir.

Exemplos não faltam, mas o despedimento colectivo de 193 trabalhadores na corticeira Amorim, quando esta teve lucros na ordem dos 6,15 milhões de euros, e os despedimentos encapotados na banca são um escândalo que importa fiscalizar.

Há centenas e centenas de empresas que estão a impor abusivamente a desregulamentação dos horários de trabalho.

Também aqui não é conhecida uma intervenção eficaz da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT).

Veja-se o escandaloso exemplo da empresa Leoni, no distrito de Viana do Castelo, que aplicou o lay-off unilateralmente, sem sequer ouvir os trabalhadores, não se tendo a ACT oposto.

Quanto a aplicação do lay-off chegam informações preocupantes de situações como a Fico Cables, no Porto, que utiliza o lay-off como retaliação contra quem não aceitou o banco de horas; a Trecar, que aplica o lay-off antes do seu deferimento pela segurança social; ou a Facol, também no distrito de Aveiro, que aplica este regime e, ao mesmo tempo, tem salários em atraso; veja-se a duvidosa legalidade da Cabelauto e da Delphy, em Braga, na utilização do lay-off.

Ainda ontem, interpelado pelo PCP, o Sr. Ministro do Trabalho admite que a utilização do lay-off disparou no ano de 2009 - nos primeiros dois meses deste ano já temos mais do dobro dos pedidos de suspensão de contratos de trabalho do que tivemos em todo o ano de 2008!!

O lay-off é um instrumento que, em certas situações, é admissível para ajudar as empresas em dificuldades, mas na actual conjuntura há muitas situações de duvidosa legalidade que não estão, na nossa opinião, a ser devidamente fiscalizadas. A suspensão dos contratos de trabalho, além de elevados encargos para a segurança social, implica redução dos salários de milhares de trabalhadores.

A intervenção do Governo, nomeadamente através da Autoridade para as Condições do Trabalho, é fundamental para combater as ilegalidades.

Ora, dos diferentes contactos com o movimento sindical, dos contactos com trabalhadores chegam-nos relatos de que a Autoridade para as Condições do Trabalho não responde suficientemente face à gravidade da situação em que vivemos.

Hoje vive-se um sentimento de absoluta impunidade - como afirmava a União dos Sindicatos do Porto, Portugal é um «offshore laboral».

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Face à actual situação, importa, com urgência, reforçar o quadro de inspectores da Autoridade para as Condições de Trabalho e dar orientações para que está tenha uma acção mais interventiva e punitiva face a quem viola a lei.

Os 100 novos inspectores prometidos há vários anos pelo Ministro do Trabalho dizendo que o concurso ia ser célere ainda não estão ao serviço da ACT e já são claramente insuficientes face às necessidades.

As promessas do Sr. Ministro do Trabalho de reforçar, no futuro, os quadros para que a ACT tenha 400 inspectores não pode esbarrar na demora dos actuais concursos, 2, 3 ou mesmo 4 anos, e não pode esperar por alterações legislativas às regras do concurso, que dificilmente estarão em vigor a tempo para responder à situação de emergência que vivemos.

Assim, o Grupo Parlamentar do PCP desafia o Governo a aproveitar a base do actual concurso para aumentar o número de inspectores a contratar e, assim, reforçar rapidamente o quadro de inspectores da ACT para que ponha termo a estes abusos.

É porque, para além dos candidatos que vão ser admitidos em número de 100, várias centenas de outros candidatos reúnem as condições para integrarem a ACT e só não o foram porque não houve vagas em número suficiente.

O desafio que fazemos é claro: que, através de um mecanismo excepcional que não obrigue a novo concurso, estes candidatos que são aptos sejam admitidos e que assim reforcem a capacidade de intervenção da ACT neste tempo de tantas violações dos direitos dos trabalhadores.

O Governo reforçou - e bem! - o quadro dos inspectores tributários em várias centenas de elementos nos últimos anos.

Não há qualquer razão, a não ser a vontade de deixar ao abandono os direitos dos trabalhadores, para que não tome agora uma medida excepcional como a que estamos a propor.

(...)

Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Mariana Aiveca,

A questão que aqui traz é altamente pertinente, no contexto social em que vivemos. Efectivamente, num cenário em que já estavam a ser cometidos abusos, em que já estava a haver uma forte desregulamentação das relações laborais, o Código do Trabalho, aprovado pela maioria do Partido Socialista, traz um claro sinal ao patronato: face à actual conjuntura e aproveitando-se claramente da crise internacional, e com este Código do Trabalho, é a rédea solta para cometer um conjunto de ilegalidades.

Portanto, até nisso, o Código do Trabalho transmite um claro sinal negativo ao mundo do trabalho, na medida em que, estando já este num processo de desregulamentação, em que importava atacar a precariedade e os abusos dos direitos dos trabalhadores que muitos patrões levam a cabo nas empresas portuguesas, este Código, trazido pelo Governo do Partido Socialista, vai precisamente no sentido contrário.

Por isso, Sr.ª Deputada, dizemos que o País não precisava de um Código do Trabalho como este, mas de um outro que fosse exactamente no sentido contrário, que reforçasse os direitos dos trabalhadores, que atacasse a precariedade e que impusesse a lei no mercado do trabalho.

Ora, o que temos, hoje em dia - e também com este Código do Trabalho, que dá claros sinais para a desregulamentação -, é a «lei da selva», isto é, não há regras, nem sequer se aplica o mau Código do Trabalho que foi aprovado pelo Partido Socialista.

Um outro problema, também abordado na sua intervenção, é a total desresponsabilização do Governo nesta matéria, uma vez que a ACT é deixada com poucos meios, com recursos insuficientes e com uma postura muitas vezes conciliatória e não punitiva, que ataque quem viola a lei. E este é um problema que importa combater.

Dissemos e reafirmamos que a necessidade de revogar os aspectos mais gravosos do Código do Trabalho é urgente, é uma necessidade imediata no nosso País.

E é preciso, como propomos, o reforço imediato do quadro dos inspectores, para que, com uma orientação global de intervenção punitiva, se ponha termo a esta «lei da selva» e se aplique, de uma vez por todas, uma lei que respeite os trabalhadores no mercado do trabalho, algo que, infelizmente, não está a acontecer.

(...)

Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos,

Foi um «tiro totalmente ao lado», isto é, o PCP traz aqui um conjunto de questões relativamente ao mundo do trabalho e a Sr.ª Deputada fala de quase tudo menos do assunto aqui abordado. Sr.ª Deputada, há uma parte da sua intervenção com a qual concordo, que é quando diz que a situação é difícil. E continua dizendo que ou somos parte da solução ou nos resignamos.

Ora, o PS não é parte da solução, nem se resigna; é o factor do problema, actualmente!!

Sr.ª Deputada, faço-lhe uma pergunta em jeito de desafio: em que é que este Código do Trabalho ajuda a actual situação económica e social que vivemos? Nada, Sr.ª Deputada! O actual Código do Trabalho, que a sua bancada aprovou, apenas agrava a situação económica e social, agrava a exploração de quem trabalha. E a situação que vivemos hoje é também da responsabilidade do Código. Como disse da tribuna, Sr.ª Deputada, o sinal que é dado com este Código do Trabalho, numa altura em que se aumenta a exploração dos trabalhadores, é um sinal de rédea solta para o patronato cometer as ilegalidades e não olhar aos direitos dos trabalhadores.

É esse o sinal que o Código do Trabalho transmite. A culpa do agravamento da situação é do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, é do Governo do Partido Socialista.

Depois, deixo-lhe uma outra questão relativamente aos quadros da ACT: acha que os 100 novos inspectores, que hão-de chegar em alguma altura, nesta ou na próxima Legislatura (mais provavelmente, na próxima), resolvem o problema? Não resolvem, Sr.ª Deputada! Nós somos parte do problema? Apontámos aqui uma solução: aproveite-se o actual concurso, que está em curso, aumente-se o número de vagas a preencher e tome-se uma medida excepcional para admitir os candidatos a inspector que reúnam as condições e que possam ser inspectores no plano imediato. Aumentem o número de vagas, aumentem os quadros da ACT para responder à situação de crise e à situação social que vivemos.

Sr.ª Deputada, as declarações feitas ainda hoje pelo Sr. Presidente da Autoridade para as Condições do Trabalho são bastante claras. Diz ele: «se tivéssemos mais recursos humanos, mais inspectores, podíamos dar cumprimento à nossa missão de uma forma mais cabal». É um claro sinal de que os quadros não chegam para responder à situação. E a responsabilidade é do Partido Socialista, que não toma medidas para responder a esta situação.

Mas os trabalhadores portugueses podem contar com uma resposta activa e propostas concretas, de alternativa, que são do PCP e não do PS!!

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Pedro Mota Soares,

Agradeço-lhe a pergunta colocada, pois ela permite explicar com rigor aquilo que o PCP propõe.

Objectivamente, temos um cenário que foi criado com o anúncio por parte do Sr. Ministro da admissão de 100 novos inspectores, mas, passados todos estes anos, ainda não temos os novos inspectores ao serviço da ACT - e muito provavelmente vamos chegar ao final da Legislatura sem que esses inspectores estejam ao serviço.

O cenário que agora é criado, a actual proposta do Sr. Ministro é, em nossa opinião, de muito difícil concretização. Se este Governo demorou este tempo todo, cerca de três anos, para admitir 100 novos inspectores, os 400 inspectores prometidos, até 2010, é um cenário de difícil concretização.

Mas cá estaremos para confrontar o Sr. Ministro.

O que propomos é precisamente uma solução que responde, no plano imediato, à necessidade de reforçar o quadro.

Para que se perceba, direi, muito simplesmente, o seguinte: está a decorrer um concurso que teve um conjunto de fases. Na parte final, foi escolhido um conjunto muito numeroso de candidatos, cerca de 300, que reuniam as condições para serem admitidos na ACT. Ora, por insuficiência de vagas, apenas podem ser admitidos 100 inspectores. O que propomos, muito simplesmente, é que se tomem medidas excepcionais para que, em vez de se contratar 100 novos inspectores para integrar o quadro da ACT, se alargue o leque, o número de candidatos aceites neste concurso e se possa, no plano imediato, reforçar o quadro da ACT. Esta é uma medida excepcional face a uma necessidade excepcional da ACT, dada a actual conjuntura e os ataques gravíssimos que estão a ser levados a cabo contra os trabalhadores. A medida é de fácil execução, o Governo pode criar um mecanismo excepcional para admitir esses novos inspectores e, assim, dar uma resposta.

Não adianta fazer promessas para, no futuro, em 2010, termos 400 inspectores! Estão aqui criadas as condições para, no plano imediato, integrar um conjunto de inspectores, assim o queira o Governo, assim o queira o Partido Socialista!!

(...)

Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia,

Permita-me que utilize a expressão «só não vê quem não quer», porque, objectivamente, do contacto que temos com o movimento sindical, do contacto que temos com os trabalhadores, da correspondência que recebemos no nosso grupo parlamentar, como com certeza todos os grupos parlamentares recebem, surgem dezenas e dezenas de situações de irregularidades, de ilegalidades, em relação às quais a ACT, pura e simplesmente, não responde ou responde de forma deficitária.

São despedimentos colectivos, despedimentos individuais arbitrários, desregulamentação do horário de trabalho, imposição de horários totalmente desumanos, encerramentos ilegais...! Posso dar o exemplo de uma pequena pastelaria em que a entidade patronal decidiu, pura e simplesmente, encerrar as portas.

A atitude da ACT face a esta situação foi a de, dado que a entidade patronal chegou a acordo com todos os trabalhadores, concluir que não havia matéria para prosseguirem os autos. Ou seja: em relação a uma matéria que é crime, o lock-out, que consiste no encerramento compulsivo da empresa, a ACT limita-se a dar este tipo de resposta. Portanto, a comparação que a Sr.ª Deputada faz com a ASAE em relação à ACT é muito pertinente.

A ASAE tem muitos recursos humanos ao seu dispor. A ACT não tem esses recursos humanos, tal como não tem algo que a ASAE faz com muito vigor, que é, face a uma situação de ilegalidade, actuar de modo a que daí resulte a punição de quem comete a ilegalidade.

Na verdade, a ACT tem muitas vezes uma perspectiva conciliatória, abordando a entidade patronal e tentando demovê-la das ilegalidades, em vez de, automaticamente, punir quem comete ilegalidades. Importa, pois, mudar esta cultura no mundo laboral.

Por fim, gostaria de dar-lhe nota de abusos cometidos por empresas que, não obstante receberem apoios financeiros do Estado português, encerram as suas portas e despedem os trabalhadores.

Há aqui uma clara falta de vontade política por parte do Governo.

É um abuso, é imoral uma empresa receber apoios comunitários e nacionais e depois, no momento imediatamente a seguir, despedir os trabalhadores e desregulamentar as relações laborais, apesar de ter recebido milhões e milhões de euros em apoios por parte do Governo português.

Isto é imoral e exige uma intervenção da parte do Governo!

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Adão Silva,

Agradeço a pergunta que me fez.

É evidente que o desemprego tem um papel determinante no que diz respeito à desregulamentação das relações laborais. Não é por acaso que muitos empresários utilizam o grande número de desempregados para ameaçar os trabalhadores e, com essa ameaça, impor ilegalidades no mundo do trabalho. Esta é uma realidade.

Portanto, o exército de desempregados tem aqui um papel fundamental na desregulamentação e na exploração dos trabalhadores, que importa combater, sendo que o Governo pouco tem feito relativamente a esta matéria, dado que são claramente insuficientes as medidas de combate ao desemprego que têm vindo a ser colocadas nesta Assembleia.

No que toca à precariedade no emprego, importa também deixar uma nota de reflexão relativamente ao Código do Trabalho.

A este respeito, permita-me que acentue as divergências que temos com a sua bancada no que diz respeito ao combate à precariedade e nas alterações profundas que são necessárias a um Código do Trabalho que não responde às necessidades do mercado de trabalho ou às necessidades da situação social em que vivemos.

Portanto, o combate à precariedade também passa pela alteração e revogação dos aspectos mais gravosos do Código do Trabalho, que importa recuperar no plano imediato.

O Sr. Deputado chamou a atenção para o exemplo do Governo neste mundo do trabalho, pelo que passo a dar-lhe um exemplo que é paradigmático da postura do Governo.

Refiro-me à empresa Aerosoles, no distrito de Aveiro. O Governo detém a maioria do capital social dessa empresa. Porquê? Por causa das participações de risco. A empresa definiu, há bem pouco tempo, um plano para a sua viabilização. Imaginem só qual foi o plano de viabilização da empresa? A deslocalização para a Índia de 90% da sua produção. Isto é, numa empresa onde pode determinar o sucesso da empresa e salvaguardar os postos de trabalho, o Governo opta claramente por um outro caminho, começando já os despedimentos - foram já despedidos mais de 120 trabalhadores.

No que se refere ao combate à precariedade, já muito foi dito, Sr. Deputado, e concordo plenamente que o Governo não tem olhado para este combate de uma forma séria e eficaz, como deveria fazer.

O número de inspectores que existe actualmente na ACT é um claro exemplo disso.

Os anúncios que o Sr. Ministro fez não chegam. Importa reforçar os quadros. É isso que propomos: uma medida excepcional de reforço aos quadros da ACT, para que, de uma vez por todas, haja condições para fazer este combate e para termos uma ACT que claramente responda aos interesses dos trabalhadores. É este o objectivo do PCP!

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